Waldir da Fonseca, o poeta da noite paulistana, por Daniel Costa

Waldir da Fonseca se apresentou nas principais casas da cidade, como o lendário Boca da Noite, a Catedral do Samba e o Lira Paulistana

Waldir da Fonseca, o poeta da noite paulistana

por Daniel Costa

Aquele que teve o prazer de ouvir histórias sobre a noite de São Paulo com toda certeza sente algo diferente ao andar por certas regiões da cidade; caminhar por ruas do Bixiga, Glicério, Vila Matilde, Casa Verde e Barra Funda traz uma variada gama de sensações, trazendo ecos de uma São Paulo que já não existe, permanecendo apenas a lembrança daqueles que viveram a boêmia de outros tempos. Percorrer ruas como a Conselheiro Brotero, Brigadeiro Galvão, passar por lugares como o Theatro São Pedro, Faculdades Oswaldo Cruz e o velho São Paulo Chic traz a lembrança de figuras míticas como o eterno comandante Tobias, o malandro Hélio Bagunça, o mestre Neno e sua inconfundível cadência, seu Dadinho e suas histórias e o nosso personagem, Waldir Wanderlei da Fonseca ou simplesmente Waldir da Fonseca.

Waldir da Fonseca foi uma daquelas raras figuras que acumulava uma gama variada de talentos. Enquanto reconhecido cantor, se apresentou nas principais casas da cidade, como o lendário Boca da Noite, a Catedral do Samba e o Lira Paulistana, templo do movimento conhecido como vanguarda paulistana que revelaria nomes como Arrigo Barnabé, Itamar Assumpção e o grupo Rumo. Como compositor se destacou pela versatilidade, compondo sambas em suas principais vertentes, além de guarânias, forró e música sertaneja e canções com carregadas de forte crítica social, uma crítica justa que não abria mão do lirismo.

Nascido em 1947, filho de um músico autodidata aprendeu violão e compôs as primeiras músicas ainda na adolescência, tendo como influências a nascente Bossa Nova, o rock inglês dos Beatles e claro as canções apresentadas nos festivais, nomes como Chico Buarque e Edu Lobo também despontavam no seu rol de influências. Ainda nesse período trocou o violão pela guitarra passando a integrar uma banda  de rock, que se apresentava semanalmente em bailes da comunidade negra, e também em alguns bares no centro da cidade, esse percurso foi determinante para transformar Waldir em um grande personagem da noite paulistana.

No início da década de 1970, enquanto a seleção de futebol conquistava o tri campeonato de futebol na Copa do Mundo realizada no México, por aqui a ditadura civil-militar atingia o auge do cerceamento de direitos tentando calar a oposição em seus porões e sufocando a cultura por meio da censura. Nesse turbilhão de acontecimentos, enquanto concluía o curso de Letras na Faculdade Osvaldo Cruz, Waldir passou a se apresentar como cantor, momento em que se classifica no IV Festival Universitário de Música Popular Brasileira realizado pela TV Tupi, com a canção “Pra Inglês Ver”.

É ainda nesse período que passa a ser integrante da a ala de compositores do Camisa Verde e Branco, estreitando cada vez mais sua relação com o samba. Mais tarde, ao lado do já citado Hélio Bagunça seria um dos fundadores da Tom Maior. Em 1973 inicia a carreira fonográfica gravando pela Philips um compacto simples com as canções, “É sexta-feira”, “Pra que chorar” e “Foi Opinião”.

No mesmo ano, fez uma viagem para o Nordeste, tomando contato com vários compositores e manifestações folclóricas locais, fato que somado a sua passagem pelo Grupo Raízes abriria novos caminhos para suas composições. Em 1975, o cantor pernambucano Di Melo gravou sua composição “Conformópolis” no álbum homônimo gravado na Odeon. O disco do artista pernambucano mais tarde seria redescoberto por djs e colecionadores passando a figurar nas seleções de álbuns

Em 1979 participou ao lado de  novos nomes do samba e da  MPB como Eduardo Gudin, Dicró, César Costa Filho, Célia, e do veterano Jamelão do álbum A hora e a vez do samba vol. 2 (Continental), interpretando o samba Outro amor, que seria regravado por Beth Carvalho no antológico Beth Carvalho canta o samba de São Paulo (Velas,1994). No mesmo ano a Continental lança Waldir da Fonseca, em seu álbum de estreia ao longo de doze faixas o ouvinte pode captar a versatilidade do compositor. Desse álbum destacamos a já citada Outro amor (considerado seu maior sucesso), Conformópolis e Açude encantado. O disco contou com arranjos do compositor Eduardo Gudin, do maestro José Briamonte e de Amilson Godoy, na época integrante do Zimbo Trio. Entre os músicos é importante frisar a participação do flautista Carlos Poyares e do Regional do Evandro.

Em texto sem autoria definida publicado na contracapa do LP, um anônimo escriba a serviço da gravadora afirma que, “pra quem não conhece, Waldir da Fonseca é um intérprete de música popular descompromissado com moda, tendência, movimento ou qualquer outro rótulo”. Em meio a apresentação das composições presentes no disco, o anônimo autor ainda aconselha o ouvinte a não rotular Waldir e seu canto: “Neste seu disco de estreia, ele não é sambista mas é; não é cantor intimista mas é, não é um contestador mas é. Ele pretende ser apenas, na verdade, um intérprete da música popular dessa nossa Conformópolis”.

Cabe abrir um parêntese na trajetória do nosso personagem para lembrar o leitor que a gravadora Continental ao longo da década de 1970 trouxe para o público álbuns que entrariam para a história da música brasileira, entre inúmeros lançamentos da época podemos destacar os discos de Tom Zé (Se o caso é chorar,1972; Todos os olhos,1973; Estudando o samba,1976 e Correio da Estação do Brás, 1978); Walter Franco (Ou não, 1973 e Revolver, 1975) ; Novos Baianos (Novos Baianos F.C.,1973 e Novos Baianos, 1974); Arthur Verocai (Arthur Verocai, 1973); Maria Alcina (Maria Alcina,1974); Secos e Molhados (os álbuns homônimos lançados em 1972 e 1973); Célia (1972 e 1973); Miriam Batucada (Amanhã ninguém sabe, 1974); Sérgio Ricardo (Piri, Fred, Cássio Franklin e Paulinho Camafeu com Sérgio Ricardo, 1973);  Johnny Alf (Desbunde total,1978); Marília Medalha (Boias de luz,1978) e Carlos Lyra (Carlos Lyra, 1974 e Herói do medo, 1975).

Na década de 1980 enquanto o rock ganhava espaço na mídia e nas gravadoras, Waldir consolida seu nome como compositor e interprete chegando a fazer uma  temporada de seis meses no Canadá. Nesse período ainda apresentou-se ao lado de Eduardo Gudin, seu parceiro de longa data; Zé Keti, que assim como outros grandes nomes do samba do Rio de Janeiro vieram para São Paulo e Elton Medeiros, compositor que assim como Waldir ficaria marcado pelas belas composições, um amálgama entre o que há de mais refinado no processo de construção melódica e poética e o gosto popular. Nesse período, Waldir lança em 1983 pelo selo Lira Paulistana em parceria com a gravadora Chantecler o  compacto com as canções Viva o samba e Cuidado menino.

Em 1987 Waldir lançaria pela Copacabana seu segundo álbum individual, contando com o auxílio luxuoso de músicos como Arismar do Espírito Santo, Branca Di Neve, Osvaldinho da Cuíca, Toninho Pinheiro e Vânia Bastos no coro; Lindo Lindo Lindo teve produção de Edson Alves e ainda contou com a participação da cantora Rosa Maria e dos cantores e compositores Filó Machado e Heitor dos Prazeres Filho. Destaque para as faixas O seu Barbosa e Pobre moleque.

No começo da década de 1990 Waldir foi vitimado por um AVC, fato que acabou prejudicando sua coordenação motora. Impedido de dedilhar seu violão, de forma autodidata começou  a aprender a tocar teclado usando apenas uma mão. Esse período de readaptação foi marcado pelo lançamento do álbum “O Doce Canto de Waldir da Fonseca”, lançado em 1995 pelo selo CPC/UMES, o disco produzido por Filó Machado contou com a participação de Aldyr Blanc, Arrigo Barnabé, Itamar Assumpção, Leny Andrade, Pery Ribeiro, Tetê Espíndola, Trovadores Urbanos e Walter Franco.

Além de grande músico, compositor e interprete, Waldir da Fonseca foi professor de Inglês. Apesar de reconhecido por seus pares, nosso personagem não teve o devido reconhecimento por parte das gravadoras, daí o fato de ter uma discografia diminuta. Waldir faleceu em 2016 deixando órfãos parceiros de samba, da boêmia e da noite paulistana. Porém sempre que em alguma roda de samba ou algum cantor da noite começa a cantar versos como: “Outro amor. Não sei se no meu peito caberá. Outra dor. Não sei se o coração suportará”. A versatilidade e o lirismo de Waldir da Fonseca é exaltada.

Daniel Costa é historiador, pesquisador, compositor e integrante do G.R.R.C Kolombolo Diá Piratininga.

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected]. O artigo será publicado se atender aos critérios do Jornal GGN.

Redação

1 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Por falar no Poeta da Noite Paulistana, especula-se que o McCartney pode encerrar sua vida nos palcos no Sábado em SP, já que convidou sua Esposa e os Filhos para virem a Sampa. Acho e torço que não, por dois motivos: nunca o vi ao vivo e se fosse seu último concerto, certamente ele convidaria o Ringo para tocar com ele. Acho e espero que ainda vou vê-lo cantar ao vivo.

    And in the end
    The love you take
    Is equal to the love you make

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador