A fraude da Folha e as meias verdades da mídia

Jornal GGN – Os dados manipulados pelo Datafolha repercutiram contra A Folha de S. Paulo, mas os recortes mal intencionados de estatísticas corretas são muito mais perversos. Essa é opinião defendida pelo jornalista Elstor Hanzen em artigo para o Observatório da Imprensa. Para ele, pior do que a fraude é a meia verdade.

Se a Folha publicasse a mesma manchete para dizer que “50% dos entrevistados” queriam a continuidade de Michel Temer até o fim do mandato de Dilma, contextualizasse que o percentual era referente à pergunta binária entre “Dilma retorna” ou “Temer fica” e não desaparecesse simplesmente com a parte da pesquisa sobre o desejo de 62% dos brasileiros de que se convoquem novas eleições, além de não alegar que só 3% queriam novas eleições – já que essa pergunta nem foi feita na pesquisa –, a fraude não se configuraria e a polêmica não seria a mesma, porque o destaque teria respaldo nas informações”.

Ainda assim estaríamos diante de uma meia verdade que favoreceria igualmente o governo em exercício. Contudo, uma prática comum e aceitável no jornalismo, porquanto ancorada em dados levantados por um respeitável instituto de pesquisas fundado em 1983”.

Abaixo a íntegra do artigo:

Do Observatório da Imprensa

Pior que a fraude é a meia verdade

Por Elstor Hanzen 

Os dados manipulados pelo Datafolha na última pesquisa e publicados pelo jornal do mesmo grupo, a Folha de S.Paulo, foram um exemplo de erro grosseiro e de relativa facilidade e rapidez para a identificação da fraude, sem margem para argumentos em defesa dos autores e causando um baque na credibilidade da instituição. Mas por pior que tenha sido tal problema, há casos corriqueiros no noticiário em que se usam estatísticas corretas, objetivas e incontestáveis para afirmar meias verdades. Em outras palavras, engana-se sem mentir e com impunidade.

Se a Folha publicasse a mesma manchete para dizer que “50% dos entrevistados” queriam a continuidade de Michel Temer até o fim do mandato de Dilma, contextualizasse que o percentual era referente à pergunta binária entre “Dilma retorna” ou “Temer fica” e não desaparecesse simplesmente com a parte da pesquisa sobre o desejo de 62% dos brasileiros de que se convoquem novas eleições, além de não alegar que só 3% queriam novas eleições – já que essa pergunta nem foi feita na pesquisa –, a fraude não se configuraria e a polêmica não seria a mesma, porque o destaque teria respaldo nas informações.

Ainda assim estaríamos diante de uma meia verdade que favoreceria igualmente o governo em exercício. Contudo, uma prática comum e aceitável no jornalismo, porquanto ancorada em dados levantados por um respeitável instituto de pesquisas fundado em 1983.

A mentira e os documentos forjados

Portanto, teríamos uma notícia com informações objetivas e com toda a aparência de verdade, o que a deixaria muito difícil de ser contestada e criticada por qualquer pessoa, isentando o jornal das piores acusações, por exemplo. Fora isso, o caso pode servir como alerta sobre a importância de se adotar uma postura mais crítica na leitura dos jornais, mesmo quando se está diante de notícias amparadas em dados aparentemente incontestáveis. Aliás, o cuidado pode ser muito útil em anos de eleições como este, momento em que, certamente, seremos confrontados com uma enxurrada de pesquisas e estatísticas por todos os lados.

A propósito, sobre a objetividade jornalística, o pesquisador em comunicação Miquel Alsina lembra que ela não existe, mas deve ser entendida como um esforço para transmitir uma notícia que possa ser recebida e compreendida em seu contexto. Segundo ele, a autêntica objetividade não é neutra nem imparcial. Alsina compreende a notícia como uma construção social a partir de determinado contexto feita por um sujeito enunciador. Ademais, o pesquisador ressalta que o único recurso para a objetividade jornalística é tomar consciência permanente da relação observador-fenômeno, ou seja, a permanente autocrítica na leitura do noticiário.

No trabalho jornalístico diário, a seleção de assuntos, a atribuição de importância menor ou maior aos fatos na edição e a escolha dos temas que devem centrar a atenção da opinião pública fazem parte da rotina produtiva. São métodos legítimos que integram as estratégias dos meios de comunicação para a promoção de certos temas. Porém, o que é ilegítimo é a mentira ou o uso de documentos forjados na confecção da notícia.

Mas é importante que se ressalte, com as palavras do próprio Alsina, que “enganar sem mentir, usando dados corretos, objetivos, incontestáveis, para dar a entender coisas que, ou não são falsas, ou em todo não são verdadeiros, é enganar sem sofrer punição”.

***

Elstor Hanzen é jornalista

Redação

2 Comentários

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  1. Cruz-credo!

    Nossa!

    Acho que o artigo do rapaz tem como objetivo ensinar a Folha e seus soldadinhos a como fazer um artigo mais ou menos mentiroso, mais ou menos cretino de modo que seja palatável.

  2. Perseu Abramo já mostrou isso, há mais de duas décadas,

    Prezados,

     

    Esse artigo, embora correto, pouco ou nada acrscenta ao que Perseu Abramo estudou e documentou, há mais de 20 anos. Mas é sempre útil alertar o leitorado, para adotar postura crítica em relação ao noticiário e notar como uma ‘meia verdade’ pode ser usada pra construir grandes mentiras.

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