A lógica da Guerra Fria no séc. XXI, por Rogério Mattos

O governo Lula é um caso de estudo de como se operou de forma bem-sucedida a busca por uma política de cooperação em meio ao conflito, sem as bruscas rupturas sociais dos movimentos operários e dos movimentos fascistas

A lógica da Guerra Fria no séc. XXI, por Rogério Mattos

Um conceito referência do período das lutas operárias antes da 2ª Guerra Mundial, o de Greve Geral, parece hoje tão impossível quanto ostensivamente fica “sob os olhos” das organizações operárias. A lógica da Guerra Fria foi tão tóxica às organizações populares que, depois da reorganização das relações internacionais com o fim do sistema de Bretton Woods em 1971 [aqui], um caso clássico de greve geral foi a organizada no Chile contra o governo de Salvador Allende. Nas grandes greves do ABCD paulista na década de 1970, é possível observar como se passa da lógica do conflito aberto, da sociedade sublevada, como nos levantes que remontam às agitações revolucionárias do século XIX, para uma lógica do conflito e da negociação. Se existe um “lulismo”, algo que duvido, é por Lula ser interior ao tempo das negociações intermináveis e das mobilizações táticas. Vê-se que o éthos da Guerra Fria se estende no século XXI, agravado pelo fato de um operário ocupar o poder. Não é fora deste enquadramento que se deve abordar a “política de alianças” ou o “pacto de classes” dos governos do Partido dos Trabalhadores. No “setor avançado”, o nome que se deu a essa política foi o de détente, cujo exemplo clássico é a Iniciativa de Defesa Estratégica proposta pelo governo de Ronald Reagan, seguindo formulações de seu assessor com trânsito nos EUA e na URSS, Lyndon LaRouche. Seu objetivo era criar uma cooperação científica, tecnológica e militar com os soviéticos, visando a eliminação ou a uma diminuição considerável dos riscos do lançamento de ogivas nucleares que, na época da Cortina de Fero, muitas vezes corriam o risco de serem lançadas “acidentalmente” (por algum erro de cálculo numa atmosfera de tensão extrema). Contudo, o simples fato das duas potências estarem colaborando para fins pacíficos, por si, era a garantia mínima para a segurança planetária, ainda que sob o signo da negociação e do conflito. Depois de anunciado com pompa pelo presidente americano em pronunciamento nacional, o projeto foi rapidamente abandonado. Logo depois, LaRouche foi preso sob alegações de “conspiração política” com os soviéticos… [aqui] Foi sob a lógica da busca por uma détente, sempre sob o signo da negociação e do conflito, que se deve entender o fenômeno do neomacartismo. Ele não é algo dos últimos anos, quando nitidamente uma Nova Guerra Fria atingiu o mundo como um todo numa escalada sem precedentes [aqui]. O novo marcartismo se estabeleceu simultaneamente à “vitória” das democracias liberais após a suposta vitória ocidental quando caiu o muro de Berlim [aqui]. O governo Lula é um caso de estudo de como se operou de forma bem-sucedida a busca por uma política de cooperação em meio ao conflito, sem as bruscas rupturas sociais dos movimentos operários e dos movimentos fascistas antes da 2ª Guerra. Incrivelmente, ainda hoje, após a ascensão do Mussolinismo 3.0 de Steve Bannon, ainda se debate se o melhor é a busca por uma política de alianças ou a ruptura unilateral entre alas divergentes na política. Sem a solução deste conflito de tantas décadas, não podemos pensar com mais clareza uma política francamente progressista para o futuro próximo, não mais baseada num mundo bipolar, mas com a supremacia das relações multilaterais e protagonismo do antigo “Terceiro Mundo” na política internacional. Só com a eliminação da lógica de Guerra Fria e seu corolário, o neomacartismo (o chamado “lawfare” é um dos capítulos desse fenômeno), o mundo idealizado a partir dos BRICS poderá se consolidar [aqui].
Redação

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