Merval e a ideologia da velha mídia

Não dá para analisar o desastre da campanha do José Serra sem se debruçar sobre o papel da velha mídia. Montou-se um pacto em 2005, com apoio integral da velha mídia. Mas nem o candidato – nem o guru FHC – ofereceu ideias. Deixou-se a velha mídia solta,. E aí ela levou o cabresto aos dentes e fez a única coisa que sabe fazer: demonização de adversários e o discurso primário do “anti” – no caso, o antilulismo.

Dentre todos os “ideólogos” desse período, nenhum é mais representativo que Merval Pereira. É abismante sua incapacidade de analisar processos econômico-sociais, políticos, para construir uma crítica minimamente sofisticada. Não é à toa que , para variar  seu estoque de slogans, a velha mídia precise recorrer obsessivamente a pensadores do naipe de Marco Antonio Villa, Demétrio Magnolli e quetais.

Mas renovar slogans, não idéias. Penso que até análises de tucanos históricos – como Bolívar Lamounier, Roberto Da Matta, Gianotti – são consideradas complexas demais para serem compreendidas e traduzidas pelos neo-intelectuais da velha mídia. Longe da sofisticação de Roberto Campos, dos estudos de Boris Fausto e outros, o neoconservadorismo brasileiro conseguiu atingir níveis de banalização à altura do anticomunismo dos anos 70.

Na entrevista, o que Merval faz é meramente alinhar todos os chavões antilula disseminados nos últimos anos, sem a menor capacidade de juntá-los em um todo lógico, em um raciocínio sistêmico. Só bordões e bordões, um check-list de bordões sem um pingo de análise, conhecimento histórico ou social.

O Fome Zero era um projeto de “reforma estrutural do Estado”, diz ele, contrapondo ao Bolsa Família, que é “um programa para manter a dominação do governo sobre esse povo necessitado”. Logo, Patrus Ananias é figura central para a construção desse modelo lulista. É risível a defesa que ele, direitista sem nenhum verniz, faz do Fome Zero, como um “projeto muito mais voltado para a esquerda”. É uma miscelânea total, em que faz um apanhado de todas as críticas fáceis, à esquerda, à direita, o que vier eu traço, junta numa batedeira e tira uma gosma conceitual que não dá liga. Nem FHC e Serra ousam criticar o conceito por trás do Bolsa Família – pelo contrário, fazem questão de disputar sua paternidade.

Sua descrição sobre a recuperação de Lula pós-mensalão é de uma superficialidade de causar inveja a contadores de histórias infantis. Lula estava morto, aí o PSDB resolveu deixar sangrar, aí a coisa virou, aí Lula foi em frente, aí viu que tinha repaldo popular. É o máximo que consegue teorizar em cima de um fenômeno político – o da quase morte e ressurreição de Lula – que ainda intrigará por décadas historiadores e cientistas sociais.

Sobre o Lula pós-presidência, disse que  não mais fará carreira internacional porque, “depois da crise com o Irã”, esse projeto furou um pouco. Meu Deus! O mundo em transformações estruturais, os emergentes assumindo um novo protagonismo,  a  ordem mundial se esfacelando, abrindo espaço para novos arranjos, a diplomacia brasileira ousando caminhos nunca antes navegados (o que abre margem para discussões sólidas contra ou a favor dessa prospecção do novo) e Lula emergindo como uma das lideranças globais. E Merval dizendo que vai mudar porque a imprensa brasileira decretou que a incursão no Irã afetou a imagem do Lula. Faltou informar o Le Monde, Financial Times, El Pais, BBC.

A maneira como ele prevê a próxima crise política entre Dilma e Lula é o fecho à altura de uma entrevista exemplar: Lula vai querer permanecer atuando, vai querer escolher ministros, vai querer interferir. Isso previsivelmente provocará uma crise política. E ele não sabe como Dilma e o PT irão reagir.

Pelo nível da entrevista, esse é o menor dos pontos que Merval desconhece sobre política, país e sobre seu personagem predileto: Lula.

Do Estadao.com.br

”Lula poderá ser um poder paralelo”

Merval Pereira, Jornalista – Em livro que reúne seus artigos desde 2002, jornalista mostra como o lulismo assumiu o poder

José Maria Mayrink – O Estado de S.Paulo

A releitura de 372 artigos selecionados entre aqueles que publicou no jornal O Globo, entre junho de 2002 e junho de 2010, levou Merval Pereira à conclusão de que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva instalou no poder um lulismo que marcará o governo nos próximos anos, com a eventual vitória do PT e de Dilma Rousseff.

Os artigos publicados no livro O Lulismo no Poder, a ser lançado terça-feira na Academia Brasileira de Letras, no Rio (Editora Record, 784 páginas, R$ 79,90), apresentam uma visão realista e, às vezes, profética do governo Lula, embora alguns deles tenham sido ultrapassados pelos acontecimentos. “Resolvi manter essas colunas porque mostram como se faz o jornalismo político no dia a dia.”

Quais são os indícios de que o lulismo assumiu o poder?

Cito o aparelhamento do Estado, o Bolsa-Família e a política externa. Vê-se aí que há uma lógica nesse governo. A confusão entre público e privado sempre existiu no governo Lula. Com o escândalo do mensalão, descobriu-se que, antes de chegar à administração federal, o PT já tinha essa mistura nas prefeituras que comandava. Foi a mesma coisa no controle dos meios de comunicação. Desde o primeiro momento, o governo apareceu com várias propostas de controle, como o Conselho Nacional de Jornalismo e o projeto para controlar a cultura.

O ex-ministro José Dirceu tem o maior destaque em seu livro. Foi com ele que se desenvolveu o lulismo?

Esse é o período do mensalão, quando Lula ficou enfraquecido e quase caiu. Depois que se recuperou, ele acelerou o projeto. Dirceu era e é até hoje fortíssimo no PT. A saída do Dirceu fez com que o lulismo crescesse. Lula passou a ser a figura central. Antes, era o Palocci, era o Dirceu. Claro que Lula nunca foi uma figura decorativa, mas havia personagens que tinham autonomia no governo. A partir da saída desses dois, especialmente do Dirceu, o lulismo cresceu. Lula teve essa sorte, é um homem de sorte. Quando a crise do mensalão veio, começaram a vir também os efeitos dos programas assistencialistas, que transformaram Lula num mito no Nordeste.

Quem constrói o lulismo, os petistas ou também Lula?

Principalmente o Lula. Tem aí uma figura central que é o Patrus Ananias. Porque o Fome Zero/Bolsa-Família, do jeito que estava montado pela turma do Frei Betto, era um projeto de reforma estrutural, da estrutura do Estado. Frei Betto queria fazer comissões regionais sem políticos, para distribuição do Bolsa-Família, e a partir daí fazer educação popular. Era um projeto muito mais de esquerda, muito mais voltado para mudanças estruturais da sociedade. O Bolsa-Família hoje é um programa para manter a dominação do governo sobre esse povo necessitado. Patrus transformou-o num instrumento político espetacular, que foi o começo da força do lulismo.

Em fevereiro de 2004, sua coluna mostrava que Lula estava por baixo e que talvez fosse melhor ele desistir da reeleição para voltar em 2010. Isso mudou. Foi aí que o lulismo disparou?

Deixei no livro vários artigos que foram depois superados pelos fatos justamente para mostrar como é feito o jornalismo político, no dia a dia. Naquele momento, Lula estava morto. Eu me lembro de que, no PSDB, achavam que era só deixar o Lula sangrando até a eleição. Aí a coisa virou. Na recuperação, Lula foi em frente, viu que tinha um respaldo popular, que era muito menor do que hoje.

O lulismo continuaria sem o Lula no poder, com a eventual eleição de Dilma, ou supõe que o Lula voltaria mais tarde?

Eu achava antes que o Lula não ia querer voltar em 2014 e que ia ter uma vida política no exterior, abrir uma ONG ou um instituto, que ia andar pelo mundo fazendo palestras e sendo homenageado. Esse projeto furou um pouco, depois da crise com o Irã, depois das crises internacionais em que se meteu.

Lula então se voltaria mais para o Brasil?

Ele está reagindo muito mal à perspectiva de ficar fora do poder. Vai querer permanecer atuando, vai querer escolher ministros da Dilma, vai querer interferir. Isso previsivelmente provocará uma crise política. Dirceu já disse que a eleição da Dilma é um projeto do PT. Se Dilma for eleita, é por causa do Lula e não por causa do PT. Se o PT está querendo tomar conta do governo tanto quanto o Lula, vai dar confusão. E, se o Lula passar a viajar pelo País, a fazer comícios, será um poder paralelo no governo. Não sei como o PT vai reagir, como a Dilma vai reagir.

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Luis Nassif

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