Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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Mídia preguiçosa não quer recuperar símbolos nacionais roubados pela extrema-direita, por Wilson Ferreira

O que vemos nos vídeos publicitários e nas coberturas esportivas do jornalismo corporativo é um APARENTE esforço em recuperar as cores nacionais

Mídia preguiçosa não quer recuperar símbolos nacionais roubados pela extrema-direita

por Wilson Roberto Vieira Ferreira

Nesse momento de Copa do Mundo no Catar, grande mídia e mercado publicitário estão fazendo a cobertura esportiva e veiculando comerciais na TV dentro do espírito “o verde-amarelo é de todos”. Supostamente tentando recuperar as cores e símbolos nacionais apropriados pela estratégia de comunicação “alt-right”. Que veste grupos que agora bloqueiam e fazem atentados em estradas. Mas será que tentam recuperar mesmo? Para eles, a torcida brasileira unida na Copa por si só resolveria tudo: uma simples transposição dos símbolos nacionais do extremismo político para o esporte, apenas com os sinais trocados. Porém, essa preguiçosa contraofensiva semiótica é insuficiente frente à sofisticada estratégia de dessimbolização da extrema-direita internacional. Como demonstrado na Finlândia quando o extremismo se apoderou do símbolo nacional do leão e da cruz. Ou será que grande mídia não quer mesmo é se livrar do ativo sociopolítico que representa o “Exército Psíquico de Reserva”. Que poderá ser útil no futuro? 

Depois dos anos de jornalismo de guerra, no qual a grande mídia deu visibilidade e empoderou a extrema-direita vestida nas ruas de verde-amarelo, agora vê na Copa do Mundo (principalmente depois da boa estreia da seleção brasileira) a oportunidade de “resgatar” as cores nacionais abduzidas pelas estratégias alt-right de comunicação.

Não só a grande mídia. Também a própria CBF (entidade privada que tolerou a instrumentalização política da sua própria camiseta – “tolerou” porque participou também ativamente da guerra híbrida – clique aqui) e o mercado publicitário tentam trazer de volta o verde-amarelo como “as cores de todos”, símbolo da “união” e assim por diante. 

O irônico é que a grande mídia, que em todo governo Bolsonaro procurou fazer uma política de controle de danos (mostrar-se como isenta e que não tinha nada a ver com o governo que ajudou a empossar), opera o mesmo mecanismo semiótico da extrema direita: reavivar o nacionalismo clássico como discurso ideológico de ocultação da luta de classes – se a extrema-direita usa os símbolos nacionais para ressuscitar o nacionalismo nostálgico da ditadura militar dos anos 1970, agora a grande mídia tenta reativar o nacionalismo do neoliberalismo progressista – sob a aparência jovem e progressista do identitarismo, cumpre a mesma função ideológica de todo nacionalismo: ocultar as desigualdades socioeconômicas como resultantes da dinâmica da luta de classes.

Dinâmica que está nos dois lados: de um lado, ricos empresários que bancam manifestações do ativismo branco, de classe média alta, que busca a manutenção supremacia de classe dos “cidadãos de bem” armados; e do outro, o nacionalismo neoliberal que pretende emparedar o governo eleito sob a chantagem da “crise fiscal” – o mercado financeiro votando contra qualquer política de Estado que pretende redistribuir renda através de políticas sociais.

Como diz o megaespeculador global George Soros, “o mercado vota todo dia!”.

Como este humilde blogueiro vem insistindo nas últimas postagens, o silêncio de Bolsonaro, o açodamento do vice general Mourão e a leniência das instituições que NÃO estão funcionando (p.ex. TCU dá inacreditáveis 15 dias para PRF “explicar suposta omissão em ações contra bloqueios”) indicam a estratégia de sitiar o governo eleito: manter o “Exército Psíquico de Reserva” sempre aquecido para chantagear um governo que ainda nem foi empossado – o teatro do fantasma do golpe militar antes de primeiro de janeiro.  

E quem sabe no futuro, ser mais uma vez acionado. Dessa vez, para deixar as estradas e ocupar as ruas das grandes cidades para “tancredizar” Lula.

O que vemos nos vídeos publicitários e nas coberturas esportivas do jornalismo corporativo é um APARENTE esforço em recuperar as cores nacionais apropriadas pela extrema-direita. Aparente, porque do ponto de vista semiótico está tão leniente quanto a PRF nas estradas bloqueadas.

Semiótica preguiçosa

Se não vejamos. O que vemos nas telas de TV são as mesmas camisetas da seleção, as mesmas bandeiras, vinhetas e elementos gráficos em verde-amarelo, além de mostrar torcedores pulando e gritando vestindo as “canarinhas”. Tirando a trilha musical e áudio, poderíamos facilmente confundi-los com “patriotas” clamando por liberdade, pátria e família. Em outras palavras, a Gestalt é a mesma!

Se realmente a grande mídia e mercado publicitário estivessem firmemente determinados em resgatar as cores nacionais, não se limitariam a essa preguiçosa estratégia semiótica de apenas transferi-las do campo político extremista para o esporte, trocando apenas os sinais – da intolerância política tóxica à tolerância woke.

Sabemos que essa tendência crescente de apropriação de símbolos nacionais não se limita à extrema-direita brasileira. É uma sofisticada estratégia de comunicação mais ampla, internacional: criação de cismogêneses para dividir uma nação entre patriotas e seus inimigos. Por exemplo, o partido de extrema-direita alemão AfD (Alternativa para a Alemanha) apega-se também à bandeira nacional e acusa seus opositores de terem vergonha dos símbolos alemães.

Na Finlândia, a camisa estampada com o símbolo nacional (o leão e a cruz) ficou fortemente associada a grupos xenófobos. Porém, há uma preocupação real em reapropriação semiótica do simbolismo nacional: um escritório de design chegou a pedir sugestões para criar símbolos alternativos para que pessoas comuns não fossem confundidas com skinheads – clique aqui.

Ao contrário daqui, parece que os finlandeses sabem que os efeitos semióticos da apropriação de um símbolo nacional são muito mais profundos. E que uma mera troca de sinais (do extremismo para o liberal/progressista) não será suficiente.

Isso porque os países que deixaram os símbolos nacionais caírem nas mãos dos extremistas, inadvertidamente também caíram numa sofistica cilada semiótica: a dessimbolização através da regressão indicial. Seja a bandeira nacional ou a camiseta da seleção brasileira de futebol, utilizados como adereços de performance política (manifestação, protestos, ações diretas etc.) deixando de ser símbolos para serem reduzidos à condição indicial.

Regressão indicial

Aqui precisamos fazer uma pequena parada na Teoria Semiótica. O Índice é o signo mais primitivo por estar quase que colado ao objeto de referência, confundindo-se o signo com o próprio objeto. Os índices constituem o vestígio sensível de um fenômeno, como por exemplo pegadas na areia de uma praia ou as cinzas de uma fogueira.

O Índice é um signo que aponta para si mesmo. “O corte semiótico (a diferença entre o signo e a coisa, mapa e território) não é evidente ou ainda não se encontra estabilizado: o índice é “a fragment torn away from the object” (Peirce); sua referência é, portanto, autorreferencial, a coisa é remetida ou se refere, a ela própria, sem sair do lugar, circularmente.”

Já os símbolos são os signos mais abstratos e distantes do objeto que representa. Há um corte semiótico entre o signo e a coisa. Os símbolos criam uma forma de relacionamento com o mundo, digital, descontínua, abstrata. É a manipulação de significantes sem a concreção analógica dos elementos da realidade. A evolução dos índices para os símbolos é a própria evolução do particular ao universal.

Quando uma bandeira se torna um símbolo nacional, almeja integrar o particular no universal – uma ideia abstrata de nacionalidade, união, consenso etc. A bandeira não é um vestígio sensível, mas uma representação complexa de unidade em cores e elementos gráficos.

Continue lendo no Cinegnose.

Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

2 Comentários

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  1. Não é preguiça e sim conivência. Tanto que os jornalões paulistas já começaram a elogiar o milico carioca que foi eleito governador de São Paulo. A adesão dos Barões da Mídia ao neoliberalismo autoritário é programático. Eles usaram e descartaram Bolsonaro. Agora querem levar Tarcísio de Freitas à presidência da república. Mas para que isso ocorra os símbolos nacionais precisam continuar firmemente nas mãos da extrema direita. Entende?

  2. Porque a mídia nunca foi nacional. Desde o primeiro jornal, publicado em Londres e financiado pela banca que comprou o Tesouro do Brasil; em verdade, o criou pra desovar o monte de ouro acumulado para enfrentar Napoleão, até sete anos antes. O Brasil é um milagre.

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