Uma imagem vale mais que mil palavras. Essa frase atribuída a Confúcio resume a natureza do mais potente aparato de transmissão: a imagem. Se Confúcio referia-se ao poder dos ideogramas , forma de comunicação simbólica onde duas ou mais imagens são fundidas em um conceito, no Ocidente a imagem viveu uma verdadeira saga a partir das origens rituais até ser convertida em feitiço ou fetiche – da religião à moderna Publicidade e Propaganda.
A genesis das imagens está nos rituais de morte e fertilidade, vida e renascimento. A imagem como manifestação do invisível, a representação de quem morreu para imortalizá-lo. Uma constelação de palavras gravita em torno do conceito de imagem, todas elas derivadas dessas origens: simulacrum (o espectro, fantasma), Imago (a máscara de cera, reprodução do rosto do defunto), eidolon (ídolo, a alma do defunto que sai do cadáver, de natureza tênue e, por isso, ainda corpórea, espectro). Todas essas ideias vão se aglutinar depois no conceito de retrato, imagem.
Sendo ela simultaneamente uma vitória sobre a morte e perpetuação pública de um ser ativo e radiante, a imagem abre as portas para a divinização: para o homem do Ocidente é a sua melhor parte, seu eu imunizado e posto em lugar seguro. A glória do herói grego, a apoteose do imperador romano e a santidade do papa cristão representados por imagens (estátuas, moedas e vitrais) ao longo da História atestam esse poder de transmissão não só da divindade ou imortalidade, mas, também, da crença e do Poder.
Se pretendemos fazer uma semiótica não da imagem em si (já farta na bibliografia da área), mas do seu poder na transmissão de crenças, temos que analisá-la em um duplo aspecto: o religioso e o semiótico, isto é, entender como a exploração religiosa vai fazer o ícone regredir para as formas mais míticas e mágicas da imagem ao explorá-la como propaganda. Indo além, entender como as modernas formas de Propaganda como a Publicidade são novas versões do princípio religioso da exploração das imagens.
Do Tabu à Idolatria
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As advertências do Velho testamento bíblico à |
Se no Velho Testamento bíblico podemos encontrar diversas advertências de Deus ao perigo em produzir imagens (o Deus judaico somente se comunica por meio de palavras e visões oníricas, jamais através da idolatria de imagens), no Novo Testamento a imagem sem a palavra tem um sentido em si mesma.
Para o Judaísmo é totalmente absurda a ideia do Infinito ser confinado em uma estátua sob o risco de ser partida em pedaços ou representada por meio de tintas e traços. A religião judaica é literária, simbólica. O que facilita a transmissão da crença através dessa modalidade de signos é a certeza da filiação, transmitida pela mãe e laços de consanguinidade.
Já os Cristãos, por sua vez, não formavam um povo, não havia uma genesis étnica de Deus. A questão da transmissão da crença era mais difícil: tudo tinha que ser inculcado à força por sermões e imagens.
Além disso, o Cristianismo apresentava o “problema” teológico do modelo da Encarnação representada por Jesus Cristo, a Divindade encarnada: Homem/Deus, Verbo/Carne. Como o Eterno se manifestou em um Acontecimento? Carne deificada ou matéria sublimada? Assim como em um vitral, Deus se faz cor. Essa é a fórmula teológica de toda imagem: a união hipostática, duas naturezas opostas unidas em uma única entidade. A estética da imagem é tão misteriosa como a Eucaristia: a transubstanciação da matéria em espírito.
Sensualidade e divindade, carne e espírito. Está lançada a dicotomia que será a essência da ambiguidade da própria imagem: assim como Jesus tem todas as características de um Homem e de Deus, uma imagem tem todas as características da matéria e do espírito. Essa ambiguidade será, semioticamente falando, a base do poder da imagem como aparato de transmissão de crenças.
Idolatria: a regressão do ícone ao índice
Imperador Teodosio (V e VI DC): mais |
A tradição mosaica da proibição das imagens ainda era tão forte que por muito tempo o repertório gráfico no cristianismo ainda foi muito limitado. Com o imperador romano Teodosio nos séculos V e VI em suas campanhas militares, logo se percebeu a importância da iconografia para combater os pagãos: o truque de captar o imaginário das massas através não só de soldados, mas pela profusão das imagens.
No sentido dado pela Semiótica de Charles Peirce, a ambição política percebeu a natureza regressiva do ícone no Cristianismo: o signo icônico regride ao índice.
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