Os idiotas da objetividade, por Luciano Martins Costa

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Do Observatório da Imprensa

Por Luciano Martins Costa

A imprensa internacional ecoa na segunda-feira (12/1) a grande manifestação realizada em Paris no domingo (11), contra o terrorismo que vitimou 17 pessoas na França. O núcleo do protesto, claro, é o ataque à redação do semanário satírico Charlie Hebdo e seu significado mais imediato: o valor que se deve dar à liberdade de expressão versus o direito a preservar o sagrado. No entanto, temas correlatos como as tensões no Oriente Médio, disputas políticas na Europa e até reminiscências do colonialismo do século 20 entram em pauta.

Se é capaz de produzir alguma convicção, o noticiário dos últimos dias, somado à fartura de entrevistas, debates e artigos que inundam a mídia, apenas consolida a suspeita de que nos tornamos incapazes de entender a realidade contemporânea. Somente um grande empreendimento de comunicação ou uma ampla rede de reflexões – do tipo que em inglês é chamado de “think tank” – poderia se aproximar de uma interpretação satisfatória para os fatos dos últimos dias. Infelizmente, não é o caso dos formatos tradicionais que sustentam a narrativa jornalística.

Com todos os recursos de tecnologia disponíveis, uma organização em rede poderia formatar o conteúdo em conjuntos mais compreensíveis do que as colunas de textos e imagens que configuram o atual sistema de organização de informações. O diagrama tipo “mapa conceitual”, criado nos anos 1970 por Joseph Novak, e o sistema chamado de “mapa mental”, desenvolvido pouco depois pelo educador Anthony Buzan, ainda são as melhores ferramentas para o tratamento de temas complexos.

Assim, a manifestação em Paris seria colocada no centro do diagrama, de onde sairiam as espirais onde se desenvolveriam diferentes aspectos associados ao atentado contra o Charlie: o poder militar dos grupos que tentam impor ao mundo sua própria interpretação do islamismo; o choque cultural produzido em comunidades remotas pela globalização do capital e da cultura de massas ocidental; a permanência de governos totalitários em boa parte do planeta; o interesse da indústria de armas; a desconfiança mútua entre as potências do mundo dito democrático – e por aí vai.

A xenofobia dissimulada

Na falta de um bom sistema de gestão de informações, resta à imprensa administrar o espaço e o tempo limitados com o que houver de relevante ou original na diversidade dos palpites que inundam o ambiente hipermediado. O problema, para o leitor, é que ele terá que se conformar com as escolhas dos editores, que têm suas próprias convicções, ou criar disponibilidade para garimpar informações e opiniões fora do sistema da mídia tradicional.

Às vezes, mesmo discordando do conteúdo explícito, pode-se encontrar informações úteis até em fontes de onde nada se espera, como o site oficial do partido da extrema-direita francesa Frente Nacional (ver aqui). Com um pouco de paciência, o leitor acaba descobrindo que boa parte da xenofobia e das ideias retrógradas defendidas pelo partido de Marine Le Pen está presente em manifestações de festejados articulistas da imprensa brasileira. Quase sempre dissimulados sob o manto da defesa dos “valores universais da civilização ocidental”, estão ali, visíveis, os sinais da intolerância que é a verdadeira ameaça aos princípios civilizatórios que supostamente movem os autores. Por exemplo, usa-se a expressão “islamismo radical” ou “fundamentalismo islâmico”, mas ao mesmo tempo se afirma que o islamismo, em suas raízes e fundamentos, é pacifista.

Em geral, o discurso da xenofobia e do preconceito é articulado como uma antítese para teses pseudoesquerdistas ou derivadas da corrente gauche da esquerda tradicional. Assim, em contraposição a conceitos superficiais do progressismo, ainda que cultivados sobre preocupações humanitárias autênticas, constrói-se a retórica reacionária mais eloquente.

Mesmo os defensores do totalitarismo precisam eventualmente de uma capa de humanismo para vender seu peixe. Assim, se um articulista faz o elogio da racionalidade para condenar atos inspirados em extremismo religioso, seu oponente no espectro ideológico vai dizer que tal pensamento tenta disfarçar o propósito de justificar os atos terroristas.

As contradições ficam encobertas pelo palavrório, mas nada consegue esconder que a pretensão a uma análise definitiva desses acontecimentos apenas enfeita a tola busca por uma objetividade improvável.

Como diria Nelson Rodrigues, são os idiotas da objetividade.

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

7 Comentários

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  1. pois é, nessa grande marcha

    pois é, nessa grande marcha contra o terrorismo,estava lá,

    muito lampeiro e prosa, o líder israelense que

    supostamente manda matar os palestinos

    a rodo.

    e a grande mídia, hegemonicamente pró-ocidente, nem sequer critica.

    ao contrário, no caso do iraque e outros casos de invasão dos eua,

    manda seus repórteres junto aos tanques invasores.

    tudo em nome do pentágono….armamentistas etc e tal.

    como desta vez , esse conluio é que levará a melhor,

    pelo andar da carruagem.

    e  pelos drones e mísseis que rondam sempre as mesmas  cabeças.

  2. Lamentável crítica do

    “As contradições ficam encobertas pelo palavrório, mas nada consegue esconder que a pretensão a uma análise definitiva desses acontecimentos apenas enfeita a tola busca por uma objetividade improvável.”

    Lamentável crítica do Observatório da Imrprensa.

    É nessas condições que vocês almejam a liberdade de imprensa?

    Certo é também que possuem um chefe que impõe uns aos outros a submissão da liberdade.

    Por essa observação, o livre desenvolvimento do indivíduo é contrário à validade moral que a eminente grandeza e eficácia da imprensa só viria lesar ao direito geral de ser definido e estabelecido das virtudes pessoais.

    O mesmo direito que tenho de servir as diretrizes é um poder da inteligência assegurado no que se refere às subdivisões especiais e aspectos isolados da questão de empreender o universal à apreciação de uma forma individual, a qual é moral em si^, havendo a força pública.

    Vocês não têm nada com isso!!!

     

      1. Os idiotas da subjetividade

        Os idiotas da subjetividade geralmente são aqueles que não têm nada para dizer a respeito, e acham que só eles podem dizer.

  3. os idiotas da objetividade

    Melhor do que esse texto somente o Janio de Freitas hoje na folha.Tirando um sarro com os comediantes terroristas que esqueceram de tirar a calçinha par fazer sexo,confundiram endereços,vestidos daquele jeito,naosabia onde estava a redaçao,perderam na ida e na volta zanzando dentro do carro com carteira de indentidade. Ser jovem com tendencias psicopatas tem dessas coisas,malucos sem direçao/planejamemnto/organizaçao e o mundo todo com os lideres de pretro de maoszinhas dadas semelhantes aquela ridicula seleçao brasileira campea do mundo de maoszinhas uma puxando a outra. Faltaram apenas o colar de melancia no pescoço da cada dirigente. E o jornaleco fundamentalista religioso que tinha como bussola sapecar o profeta e nada mais agora sai para o abraçao nessa idade midia onde a boçalidade impera e os intelectuais loucos para rotular/enquadrar/justificar essa festa midiatica que vai dar …em nada. como diria o apresentador da globo que tambem nao vale nada.

  4. Texto que fala, fala, e no final nao disse nada

    Até disse coisas, mas sem um fio, uma conclusao a ser tirada que venha das coisas ditas. 

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