Quem paga as pesquisas de opinião que influenciam os eleitores

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Se não há contraponto aos principais institutos de pesquisas e veículos contratantes, o resultado é o que se vê atualmente: o monopólio dos meios de comunicação tradicionais na divulgação dos resultados, os mesmos que escolhem deliberadamente quais escândalos são de destaque e quais devem ficar no rodapé da história

Jornal GGN – Pela primeira vez, partidos e candidatos colocaram em prática as mudanças na legislação eleitoral que reduziram o tempo útil de campanha para 45 dias e deixou de fora o financiamento privado. O resultado disso, na avaliação da professora de opinião pública e pesquisadora eleitoral da pós-graduação da FESPSP, Jacqueline Quaresemin, foi uma disputa mais “empobrecida”, com “crescimento vertiginoso” do número de eleitores que não quiseram ou não conseguiram escolher um nome para ocupar as prefeituras espalhadas pelo país.

Só em São Paulo, o volume de eleitores que votou branco ou nulo ou simplesmente deixou de comparecer às urnas (abstenção) supera o montante angariado pelo prefeito eleito João Dória (PSDB) no primeiro turno. Foram 3,085 milhões de votos válidos no tucano, ante 3,96 milhões que não foram computados para nenhum candidato.

Para Quaresemin, o tempo curto de campanha e a escassez de recursos dificultaram a vida do eleitor na hora da escolha. O fator alterações na regra do jogo associado a campanha de desconstrução da política e criminalização de partidos pela velha mídia ajudam a explicar o salto de 28%, em 2012, para 34,84%, em 2016, na soma de brancos, nulos e abstenções na capital paulistana, avaliou.

Nesse cenário, três ingredientes ganham corpo e podem ser definitivos para a vitória de um candidato em detrimento de outro: as coligações que garantem tempo de propaganda na TV; o marketing eleitoral, que tenta romper com a rejeição e talhar o bom desempenho dos postulantes em debates televisivos e as pesquisas de opinião.

Em entrevista a GGN na última segunda (3), Quaresemin lembrou que, no caso de São Paulo, embora todas as pesquisas indicassem o crescimento de Dória, nenhum instituto conseguir antecipar sua vitória logo no primeiro turno.

Mas tão interessante quanto analisar os resultados das urnas traçando um paralelo com a eficácia das pesquisas, disse Quaresemin, é buscar compreender o impacto e o papel político dessas sondagens.

“Quando você tem um candidato crescendo e na frente nas pesquisas, as pessoas indecisas têm duas possibilidades: ou ela votam em quem está na frente ou, não se identificando com este candidato, votam branco e nulo. Para entender os objetivos dessas pesquisas é preciso observar quem paga por elas, quais são seus objetivos, como são elaborados os questionários para coleta desses dados, entre outras questões”, sugeriu a especialista.

Um caso alarmante de manipulação de questionário com fins políticos foi protagonizado pelo Instituto Datafolha. Como o GGN mostrou em julho, todas as vezes em que a empresa foi a campo, contratada pela Folha de S. Paulo, para aferir a popularidade de Dilma Rousseff em meio ao processo de impeachment e perguntar ao entrevistado se ela deveria ser derrubada pelo Congresso, o motivo usado foi político, a operação Lava Jato, e não técnico, o suposto crime de responsabilidade fiscal. (Leia mais aqui)

Quaresemin chamou atenção para a possibilidade de inexistir isenção em torno da publicação das pesquisas, na maioria das vezes contratadas por veículos de comunicação que pautam diariamente o noticiário, alternando-se entre blindar e colocar na berlinda um ou outro governante, o que influencia na popularidade aferida nos estudos. “Os mesmos institutos que avaliam as administrações são os que fazem as pesquisas eleitorais. Mas quais têm isenção, de fato, para apresentar os resultados?”, indagou.

Quando o The Intercept, com ajuda de blogs independentes, expôs a fraude na edição de pesquisa do Datafolha pelo seu contratante, a Folha de S. Paulo, escancarou-se a falta de isenção do veículo em relação ao atual governo. O jornal manipulou a edição para fazer parecer que Michel Temer detinha legitimidade no cargo, enquanto quase 60% da população, de acordo com a sondagem, indicaram que não, que preferiam novas eleições.

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Para Quaresemin, a finalidade política das pesquisas é inegável, e como os resultados são veiculados na imprensa, esta também passa a ter papel central nas disputas eleitorais. “O eleitorado pode até não ser atento à política como analisam alguns, mas está muito ligado aos meios de comunicação, principalmente a TV, que ainda tem maior penetração que todos os outros meios.”

Por isso, para equilibrar a balança, “os governos, nas três esferas da administração pública, têm de usar mais a inteligência de informações geradas hoje pelas redes, buscando saber o que estão falando sobre eles, quem são os influenciadores dos debates. E devem incluir as pesquisas para avaliar e redefinir estratégias. Ou fazem isso e disponibilizam a informação possível, inclusive para maior transparência, ou alguém fará por eles.”

Se não há contraponto aos principais institutos e veículos contratantes, o resultado é o que se vê atualmente: o monopólio dos meios de comunicação tradicionais na divulgação dos resultados. Os mesmos meios que escolhem deliberadamente quais escândalos são de destaque e quais devem ficar no rodapé da história.

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Na eleição deste ano, em São Paulo, o Datafolha foi convocado seis vezes, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral, para registrar a opinião dos eleitores em relação aos candidatos e a popularidade do atual prefeito Fernando Haddad (PT). Apenas uma das pesquisas foi bancada exclusivamente por recursos dos grupo detentor da Folha de S. Paulo. As outra cinco, a empresa contratante dividiu os custos com a Globo. (Veja, abaixo, a tabela com os valores)

No caso do Ibope, oito pesquisas foram feitas, sendo que as duas primeiras foram contratadas pelo SETCESP (Sindicado das Empresas de Transporte de Carga de São Paulo). Isso fez com que o instituto inserisse em seu questionátio questões específicas sobre transporte, de interesse do Sindicato. 

No dia seguinte à eleição, o Sindicato – que convidou os principais candidatos para uma visita em sua sede – publicou um texto de boas-vindas ao prefeito eleito João Doria e comemorou as primeiras medidas anunciadas por ele.

“Para o setor de transporte rodoviário de cargas a eleição de Doria terá um impacto imediato. Terminada a apuração das urnas, Doria afirmou que vai revogar a redução da velocidade nas marginais Tietê e do Pinheiros na segunda semana de gestão. (…) O tucano também reafirmou que não vai aumentar impostos e que não pretende criar novas ciclovias e ciclofaixas na cidade, mas realizar melhorias nas já criadas.”

Outras cinco pesquisas do Ibope foram contratadas pela Globo em parceria com o Estadão. Destoando do Datafolha, o Ibope desembolsou recursos, no dia 2 de outubro, para fazer pesquisa de boca de urna. Foram R$ 79,2 mil para sinalizar que Doria poderia ganhar no primeiro turno, considerada a margem de erro.

“Como o Ibope fez a pesquisa e ele próprio pagou a pesquisa? Por que um instituto de pesquisa pagaria sua própria pesquisa? Qual o interesse nisso? Todos os institutos, esse ano, sofreram um baque muito grande por causa, inclusive, do financiamento de campanha. Pesquisas são caras. O Datafolha, por exemplo, não fez pesquisas no dia eleição. Fez projeções em cima dos números que iam saindo”, comentou Quaresemin.

DATAFOLHA

Registro x Data de Divulgação x Valor

SP-02963/2016 – 14/07/2016 – R$ 92.338,00 (FOLHA)
SP-01183/2016 – 25/08/2016 – R$ 92.338,00 (GLOBO + FOLHA)
SP-00567/2016 – 08/09/2016 – R$ 92.338,00 (GLOBO + FOLHA)
SP-00573/2016 – 22/09/2016 – R$ 92.338,00 (GLOBO + FOLHA)
SP-05632/2016 – 27/09/2016 – R$ 92.338,00 (GLOBO + FOLHA)
SP-08514/2016 – 29/09/2016 – R$ 156.974,00 (GLOBO + FOLHA)

IBOPE

Registro x Data de Divulgação x Valor

SP-00908/2016 – 21/06/2016 – R$ 43.350,00 (SETCESP)
SP-07058/2016 – 29/07/2016 – R$ 43.350 (SETCESP)
SP-07072/2016 – 23/08/2016 – R$ 52.800,00 (GLOBO + ESTADÃO)
SP-01493/2016 – 14/09/2016 – R$ 66.000,00 (GLOBO + ESTADÃO)
SP-04281-2016 – 26/09/2016 – R$ 79.200,00 (GLOBO + ESTADÃO)
SP-03836-2016 – 28/09/2016 – R$ 79.200,00 (GLOBO + ESTADÃO)
SP-00873/2016 – 01/10/2016 – R$ 79.200,00 (GLOBO + ESTADÃO)
SP-01040/2016 – 02/10/2016 – R$ 79.200,00 (IBOPE) Boca de urna

Fonte: Tribunal Superior Eleitoral

 

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

10 Comentários

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  1. Foi proposital
     
    o tempo

    Foi proposital

     

    o tempo curto de campanha é para esvaziar a influencia do horario eleitoral, já que acreditam que os partidos de esquerda crescem nessa fase, é para emburrecer o eleitor, mesmo motivo quando foi como criaram o malfado segundo turno quando o PT venceu a eleição com a Erundina com 30% dos votos no dia da eleição, viram que isso poderia acontecer com muita frequencia, esse pessoal vende a mãe e faz o diabo para ganhar o poder.

  2. quem….

    As esquerdas, seus pensadores, seus intelectuais, seus admiradores, seu fanatismo iludido, maciça parte da imprensa iludida, magoada mas ainda crente, continuará com este discurso que culpados são os cidadãos? Culpados são os eleitores? Culpados são os coxinhas? Culpados são a classe média? Culpados são os que se deixão iludir? Culpado agora é a periferia? Até as periferias, agora, não compreende o discurso superior das esquerdas? 30 anos de redemocratização. Onde está o país, o Estado prometido?

  3. O site americano Real Clear

    O site americano Real Clear Politics publica pesquisas eleitorais nos EUA.

    Aqui a página: http://www.realclearpolitics.com/epolls/2016/president/us/general_election_trump_vs_clinton_vs_johnson_vs_stein-5952.html

    Só de olhar rapidamente, até o meio da página, eu vejo os seguintes pollsters (o que nós chamaríamos institutos de pesquisa):

    YouGov, Rasmussen, Gravis, Ipsos, ORC, Qunnipiac, Bloomberg, Monmouth, GfK, Marist, Battleground.YouGov, Rasmussen, Gravis, Ipsos, ORC, Quinnipiac, Bloomberg, Monmouth, GfK, Marist, Battleground…

    E nós aqui com o Datafolha e o Ibope, o Ibope e o Datafolha. É de lascar esse capitalismozinho sem concorrência que a gente tem por aqui.

  4. Quem paga ou a quem se paga

    Quem paga ou a quem se paga eu não sei. Só sei que achei esquisito ontem no JN reportagem tentando me convencer de que o alto indice de abstenção não tem nada a ver com o total desinteresse de eleitores de sairem de casa para votarem em quem não lhes convem ou não lhes convenceram, ou seja lá porque motivo. Não. O jornalismo da líder de audiência mostra o presidente do TSE e membros de egrégios TRE me informando que na verdade é que tem uns milhões que morreram MAS não deram baixa nos respectivos TREs. Ou seja, não é culpa da falta de confiabilidade numa classe política ou culpa dos que acreditaram que houve uma quebra de comando á forceps de uma nação. Simples. Os que morreram é que são os culpados. Puxa! como é que não me dei conta disso !? Então, tenho que concordar com o editor-chefe do dito telejornal: Sou um Homer Simpson e não sabia.

     

  5. Não existe pesquisa de opinião que seja isenta.

    Prezados,

    Nem mesmo as pesquisas cientíticas são isentas e totalmente confiáveis. Dependendo de quem as financia ou encomenda, elas terão certo viés. Os exemplos são inúmeros. Na área a alimentar é comum vermos a divulgação de pesquisas com resultados opostos, dependendo de quem as desenvolveu e de quem as financiou. Na década de 1990 um médico estadunidense propagava a dieta da proteína e condenava os carboidratos como vilões. Anos depois, esse médico, que abusava do consumo de carne  e de gordura animal, morreu de câncer. Outras pesquisas desenvolvidas na mesma  época e posteriormente apontaram o consumo de carne vermelha como causa potencial de vários tipos de câncer. No início desta semana, quando vinha de ônibus para o trabalho, sentada a o meu lado uma moça lia um livro em que o trigo era o vilão e fonte dos males que assolam a saúde das pessoas.

    Os efeitos da ação humana no clima e temperatura do planeta são objeto de pesquisas intermináveis e com resultados díspares. Dependendo de quem paga e de qual é a orientação político-econômico-ideológica, o diagnóstico pode ser o de que as ações humanas são responsáveis pelo efeito-estufa e aumento da temperatura média ou negação absoluta da relação causa-efeito entre as atividades humanas e as condições climáticas e de temperatura no planeta.

    Se as pesquisas científicas já padecem dos vícios que apontei, muito mais se pode dizer em relação às pesqusas de opinião, sobretudo aquelas que levantam preferências político-eleitorais. No Brasil, os grupos da chamada ‘grande mídia comercial’, o PIG/PPV, são um partido político representante das oligarquias plutocráticas; toda e qualquer pesquisa encomendada por veículos do PIG/PPV têm um viés claro em prol da direita neoliberal, oligáquica e plutocrática, escravocrata, privatista e entreguista. Os próprios institutos de pesquisa (no caso o DataFolha e o Ibope) são controlados pelos veículos do PIG/PPV ou umbilicalmente ligados a esses grupos empresariais.

    Pesquisas menos tendenciosas e manipuladoras poderiam ser desenvolvidas pelos institutos e departamentos de estatística das universidades públicas.

  6. Gostaria de ver, um dia ,

    Gostaria de ver, um dia , quem sabe, duas CPIs que já tardam: a da Mídia (com especial atenção à criação da Rede Globo) e dos institutos de pesquisa e sua relação com a Mídia, jornalistas  incluídos.São duas caixas – pretas que precisam ser abertas, pelo bem da democracia.

  7. A abstenção e o voto em

    A abstenção e o voto em branco são resultados de uma excrescência que insistimos em manter no Brasil: o voto obrigatório. Eu mesmo fui votar obrigado no domingo, pois nenhum candidato na minha cidade me entusiasmou. Votei em branco mas tive que perder meu tempo indo lá, enfrentando filas, calor etc.NAO VOTAR é um direito consagrado em muitos países, inclusive quase todos os do Primeiro Mundo. O voto obrigatório só serve neste momento pra esquerda justificar sua debacle dizendo que quem não quis votar em ninguém venceu a eleição. Eu não vejo assim: eu vejo que o outrora todo-poderoso PT não conseguiu que mais de 3 milhões de paulistas que não votaram em ninguém votassem nele. Ficou mais feio ainda…

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