A relação de Dizzy Gillespie com o samba

O DIA EM QUE DIZZY GILLESPIE BAIXOU NA PORTELA

Por Nei Lopes, no Blog Meu Lote

(…) 
O craque Pitoco em Portugal e Dizzy Gillespie no Rio. Mão e contramão. 
E o grande trumpetista americano, rei do bebop, chega com a banda completa: Benny Golson, Quincy Jones, Phil Woods, Melba Liston… Orquestra de dezesseis figuras! 

Ele veio numa grande turnê, que inclui Oriente Médio, Ásia e agora América do Sul. Veio como embaixador musical do Governo americano – quem diria! –; apresentou-se na moderníssima TV Tupi, tocou com a magnífica orquestra do Maestro Cipó, saxofonista dos grandes… E agora, antes de pegar o avião de volta, aproveita pra dar uma chegada até Madureira, à Portela, para conhecer o samba. 

Dizzy Gillespie gosta de misturar. Foi ele que levou Chano Pozo, o saudoso congueiro cubano, pros Estados Unidos; pra criar o jazz latino. 

– Quem sabe se ele agora não leva um ritmista portelense pra inventar o samba-jazz ou o jazz-samba? – Sonha o garoto Paulinho, grande ritmista, filho do Seu Zé da Costa, 

Um dos alegados motivos de sua vinda ao Brasil é rever o amigo Paulo Moura e saber como anda seu ambicioso projeto de gravar o “Motu Perpetuo” de Paganini, em solo de clarinete, tarefa quase impossível. O “Motu”é uma peça dificílima, escrita para violino. O Paulo está querendo tocá-la no seu instrumento de sopro; e parece que está conseguindo. 

Tem gente, entretanto, que jura de mãos postas que a intenção de Mr. Gillespie é mais política do que outra coisa. Falam as chamadas “fontes fidedignas”; dizendo que Mr. Gillespie, nessa escapulida que agora dá, com Candeia Filho e sua rapaziada, até a casa do Chico Santana, fala é em nome do movimento pelos direitos civis, em seu país e nas Américas. Tudo o que ele diz, Hamilton Nascimento, que sabe muito inglês, traduz e sopra pro taquígrafo Mizoca. Escondido do lado de fora, encostado na janela, Mizoca vai, com uma rapidez espantosa, rabiscando tudo no papel do maço de Continental. E depois traduz: 

“O bebop foi o primeiro movimento musical nas Américas a buscar uma aproximação com a música africana. Sua rejeição a todo e qualquer tipo de comercialismo é que o caracteriza como o primeiro movimento musical coletivo de franca rebeldia do povo negro nos Estados Unidos. Não é à toa que a grande imprensa ridiculariza a nossa música; da mesma forma que não é sem motivo que se incentiva a reação, a volta ao passado, ao jazz de New Orleans; e a indústria acaba fabricando um jazz frio, esbranquiçado, sem graça, que se batiza com o nome de “cool jazz”…” 

Dizzy vem ao Brasil com a “cabeça feita” por Paulo Cordeiro, que conheceu em Baltimnore, Maryland. Segundo Hamilton, o objetivo do trompetista é incitar o samba à rebelião, fazê-lo lutar contra a dominação como o novo jazz vem fazendo, a ponto de até explorar escalas modais africanas e árabes, liquidando o império dos clássicos modo maior e menor e da escala diatônica europeia. 

Mas o caso é que, embora Mizoca saiba um pouquinho de música, pois estudou teoria no Colégio Republicano, a rapaziada da Ala dos Impossíveis não entende nada disso. Nem nunca ouviram falar de direitos civis, muito menos de música que tenha a ver com política. A não ser o filho de seu Antônio Candeia; que ainda não fez 21 anos mas já pensa um pouco nessas coisas. 

“As três melhores músicas do mundo são a dos negros dos Estados Unidos, a afro-cubana e o samba. – diz o Dizzy, como Mizoca traduz seus rabiscos; para encerrar assim a improvIzada reunião: — Essas músicas precisam se unir para africanizar a música do Mundo e matar a influência capitalista; e para isso o samba tem que ser o dono dos meios de sua produção”, 

Não é a toa que o John Birks Gillespie tem o apelido de “Dizzy”: dizzy é maluco na gíria dos crioulos americanos. 
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Nei Lopes (trecho do romance “Rio Negro, 50” – em elaboração).

Luis Nassif

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