Luciano Hortencio
Música e literatura fazem parte do meu dia a dia.
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Nem vem, Minervina, que Antonio Nóbrega é madeira que cupim não rói

O amigo José de Almeida Bispo, escritor itabaianense, ao discorrer sobre  o reisado “Baile Estrela”, emocionou-me e fez-me relembrar a infância na saudosa cidade de Russas – Ceará. Recordei as funções de reisado que eram apresentadas no quintal da casa de minha avó, que o cedia em troca dos melhores lugares para que nós, seus netos, pudéssemos assistir à farta, o maravilhoso espetáculo que é o reisado e o bumba meu boi, mescla rara de culturas ancestrais e extrema sensibilidade.

Como uma forma de agradecer ao amigo Bispo as excelentes lembranças que me trouxe, fui buscar nos meus “guardados” uma música de boi. Dei logo de cara com o excelente Antonio Nóbrega e não consegui mais parar de ouvi-lo. Escutei tudo que dele tinha e passei a garimpar mais na internet. Aí vai uma pequena amostra do trabalho desse artista pernambucano, cantor, rabequista, violonista, compositor, arranjador, pesquisador, dançarino e muitíssimas coisas mais…

Registro aqui matéria do Dicionário Cravo Albin sobre Antonio Nóbrega:

http://www.dicionariompb.com.br/antonio-nobrega/dados-artisticos

Sua carreira artística teve início na Orquestra de Câmara da Paraíba, onde atuou no final dos anos 1960. No mesmo período, atuou na Orquestra Sinfônica do Recife e deu concertos como solista em sua cidade natal. Por essa época, recebeu do escritor Ariano Suassuna o convite para tomar parte do Quinteto Armorial, como compositor e instrumentista. Com o Quinteto Armorial, atuou no Brasil e no exterior e gravou quatro discos. Nesse período, teve intenso contato com artistas populares do Nordeste, o que o levou a aprimorar seus conhecimentos sobre as formas de expressão da cultura popular, em especial a dança e a música.

Em 1976, começou a desenvolver seu próprio estilo de concepção de artes cênicas, dança e música. No mesmo ano, apresentou no Recife o espetáculo “A bandeira do divino” . Em 1982, apresentou em São Paulo, no Primeiro Festival Internacional de Teatro, o espetáculo “A arte da cantoria”. No ano seguinte, apresentou “Maracatu misterioso”, vindo a mudar-se no mesmo ano, com a esposa Rosane para a capital paulista. Em São Paulo, dedicou-se primeiramente à mímica e em seguida às aulas de circo, sob a orientação de Klaus Viana. Nesse período, ajudou a implantar na Unicamp o Departamento de Artes Corporais, tendo lecionado na mesma universidade danças brasileiras, durante cinco anos. Pouco depois, dirigiu e atuou no espetáculo “Mateus presepeiro”.

Em 1989, criou “O Reino do meio”, espetáculo solo apresentado no III Carlton Dance, e que recebeu premiação da Apca. Criou, em seguida, com Bráulio Tavares, os espetáculos “Brincante” e “Segundas Histórias”, epopéia picaresca onde introduz o personagem “Tonheta”, uma espécie de colcha de retalhos de diversos tipos populares que habitam as ruas e praças do Brasil. A partir desses espetáculos, fortaleceu a parceria com a mulher Rosane, que se destacou como sua parceira ideal nas apresentações, em razão de seus dotes circenses. O casal criou, então, a Escola e Teatro Brincante, centro cultural, onde ensaiam, apresentam espetáculos e promovem eventos e cursos.

A partir dos anos de 1990, mudou um pouco o ramo de seus espetáculos para a música, produzindo com Rosane diversos espetáculos. Em 1994, recebeu o Prêmio Shell pelo conjunto de sua obra. Em 1996, foi produzido, “Na pancada do ganzá”, nome dado por Mário de Andrade aos registros musicais arquivados em suas viagens, entre 1927 e 1928, pelo Norte e Nordeste do Brasil. O espetáculo e o CD resultante foram uma homenagem ao poeta brasileiro e ao coqueiro Chico Antonio, descoberto por Mário em suas andanças.

No CD, lançado pelo Estúdio Eldorado, estão presentes diversas composições de domínio público, entre as quais, “Vinde, vinde, moços e velhos” e “A vida do marinheiro”. Aparecem, ainda, diversas composições de importantes compositores pernambucanos, entre as quais, “Serenata suburbana”, de Capiba, “Marcha da folia”, de Raul Morais e “Mexe com tudo”, de Levino Ferreira, além de composições do próprio Antônio Nóbrega e o primeiro movimento do Concerto de Bach em ré menor, para rebeca e flauta. No mesmo ano, recebeu o Prêmio Mambembe pelo conjunto de sua obra, o Prêmio O Globo pelo melhor show do ano, além do Prêmio Sharp pelo melhor CD, “Na pancada do ganzá”, melhor música “Na pancada do ganzá” e o Prêmio Apca de Projeto e Pesquisa Musical do Ano.

Em 1997, produziu o espetáculo “Madeira que cupim não rói” , que é o nome de uma consagrada marcha-rancho do compositor pernambucano Capiba. No espetáculo e nas músicas do CD, procurou fortalecer a herança musical ibero-mediterrânea e afro-indígena, com a utilização de instrumentos musicais brasileiros quase em desuso, como o urucungo, elo perdido entre o berimbau e a rebeca e o marimbau, uma espécie de berimbau de latas tocado com o auxílio de um pedaço de vidro e uma baqueta. É prestada uma homenagem ao esquecido compositor pernambucano de frevos e polcas Lourival Oliveira, o Louro amigo. São divididas com Wilson Freire, a autoria de 11 das 20 músicas do disco. No mesmo ano, recebeu o Prêmio Multicultural Estadão como “Criador Participante na Cultura Brasileira”, o Prêmio Ministério da Cultura “Cultura Popular”, o Prêmio O Globo por Melhor Show do Ano e recebeu a indicação para o Prêmio Sharp como melhor show e melhor arranjador. Apresentou, ainda, “Aula espetáculo/Sol a pino”.

Em 1998, foi convidado, pelo Departamento Cultural do Itamarati e pela Comissão Nacional dos 500 anos do Brasil, a excursionar em Portugal e outros países com um espetáculo especialmente criado para os festejos luso-brasileiros, chegando a exibir-se na Expo de Lisboa com muito sucesso. Em 1999, lançou o espetáculo e o CD “Pernambuco Falando Para o Mundo”, que era o nome de um programa de rádio da cidade do Recife. Neste trabalho, apresenta uma viagem pela diversidade da música pernambucana, através de seus principais compositores, seja os clássicos, como Capiba, seja os desconhecidos, como Felinho e Luís de França.

Em 2000, o ator-músico apresentou o show no Rio de Janeiro, com cenários e figurinos inspirados nas ruas do Recife e Olinda, assinados pelo artista plástico Dantas Suassuna, filho de Ariano Suassuna. Apresentou-se acompanhado por uma autêntica orquestra de frevo, a Banda Pernambuco, com 14 integrantes. Seu trabalho realiza um resgate das fontes brasileiras, uma viagem pelo folclore, especialmente o nordestino, revitalizando gêneros como frevo, coco, maracatu, caboclinho, ciranda, cavalo-marinho e as marchas de bloco. Em 2001 apresentou uma aula-show, no Teatro da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, durante o VII Encontro Nacional de Pesquisadores da MPB. No mesmo ano, apresentou no Teatro Carlos Gomes no Rio de Janeiro o espetáculo “O marco do meio-dia”, apresentado também em São Paulo e Brasília.

Em 2002 voltou ao Rio de Janeiro para comemorar os 50 anos de vida e 30 de carreira com seu novo espetáculo “Lunário perpétuo”, encenado no Teatro Odylo Costa Filho, na UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro). O espetáculo, do qual foi gravado CD homônimo, vem do nome de um livro que, segundo Câmara Cascudo, serviu por 250 anos de régua e compasso aos poetas populares do nordeste do Brasil. O espetáculo foi mais centrado na música, se compardo a “O marco do meio dia”, montado no ano anterior no mesmo espaço da Universidade do Rio de Janeiro. O mesmo show foi apresentado no Teatro João Caetano também no Rio de Janeiro, desta vez, de Dona Militana, de 70 anos, mestra do romanceiro medieval e figura mítica do sertão nordestino em especial, no Rio Grande do Norte, onde nasceu. No CD “Lunário perpétuo” interpretou, entre outras composições “A morte do touro mão de pau” e “Romance da filha do Imperador do Brasil”, parcerias com Ariano Suassuna; “Carrossel do destino”; “Meu foguete brasileiro” e “O rei e o palhaço”, com Bráulio Tavares e “Pagão”, de Pixinguinha, além de “Ponteio acutilado”, de sua autoria.

Em 2004, passou a apresentar no canal Futura, juntamente com Rosane Almeida a série “Danças brasileiras”, um inventário de danças de todo o país passando pelas diferentes regiões. Em fevereiro de 2005, foi convidado para apresentar-se no Teatro Nacional de Havana, em Cuba. No mesmo ano, apresentou show de encerramento da cerimônia em homenagem a Ariano Suassuna, a quem foi entregue o título de Doutor Honoris Causa, na Universidade de Passo Fundo,RS, sendo aplaudido efusivamente por cerca de 5 mil pessoas, entre estudantes, professores e intelectuais. No início de 2006, lançou o primeiro CD do projeto “Nove de freveiro”, pela aproximação do centenário do frevo. Em novembro do mesmo ano, apresentou-se no programa Sr. Brasil, na TV Cultura de São Paulo, que lhe dedicou dois blocos da programação. Na oportunidade, interpretou diversas obras de compositores de sua estima, como “Folias da madrugada”, de Toscano Filho, acompanhando-se de sua rabeca. Também interpretou o frevo-canção ” “Dia azul” e o clássico “Madeira que cupim não rói, ambas de Capiba, além de “Mulher peixão”, de Luís de França. Ainda em dezembro do mesmo ano, lançou o segundo CD do projeto “Nove de Freveiro”, aludindo ao dia e mês de 1907, em que a palavra frevo foi falada pela primeira vez numa rádio.

O lançamento de “Nove de Freveiro II” foi realizado com temporada de show em São Paulo e em outras cidades, como no Rio de Janeiro, em que teve lugar no Teatro Sesc Ginástico, no centro da cidade. O show, homônimo do disco, teve direção do próprio Antônio Nóbrega, que deu uma aula-show, e contou com participação de diversos artistas, entre eles, a Spok Frevo Orquestra. Um telão no centro do palco, em formato de estandarte, exibiu uma vídeo instalação com fotos de Recife na década de 1930, além de uma animação em que bonecos dançam e tocam frevo, trabalho assinado por Gabriel Almeida, filho de Nóbrega e Dantas Suassuna. No repertório do show, um mix de músicas dos dois CDs do projeto Nove de Freveiro. Do primeiro CD, entre outros, como “Fervo e festim”, parceria com Wilson Freire, além de clássicos de mestres como, “Galo de Ouro”, de Zé Menezes, “Corisco”, de Lourival de Oliveira e uma versão em frevo de “Melodia sentimental”, de Villa-Lobos.

O CD traz encarte de 60 páginas com biografias de importantes personalidades do frevo, fotos do fotógrafo Pierre Verger, um ensaio fotográfico realizado por Walter Carvalho sobre a dança de Nóbrega e, entre outras, uma faixa especial:”Florilégio”, um pot-pourri de frevos na voz de artistas como Elba Ramalho, Dominguinhos, Geraldo Azevedo, Chico César, Ná Ozzetti, Silvério Pessoa e Dalva Torres. De produção independente, o disco foi distribuido pelo Selo Brincante, de Antônio Nóbrega. Em fevereiro de 2007, foi um dos participantes do CD “100 anos de frevo”, lançado pela Biscoito Fino, do qual participaram diversos artistas consagrados como Elba Ramalho, Geraldo Azevedo, Alceu Valença, Chico Buarque e Gilberto Gil. No disco, interpretou “Evocação”, de Nelson Ferreira.No carnaval do mesmo ano, comandou o tradicional “Arrastão do dia do frevo”, com a apresentação de diversos blocos líricos e orquestras itinerantes e com a apoteose no Marco Zero, num grande show de lançamento do CD Duplo “100 Anos do Frevo- É de perder o sapato”. Também nesse carnaval, apresentou-se no palco do Citibank Hall, em São Paulo, acompanhado da Spok Frevo Orquestra, juntamente com outros artistas representativos da música nordestina, como Alceu Valença, Elba Ramalho, Silvério Pessoa, Lula Queiroga, Lirinha, do Cordel do Fogo Encantado, num evento que marcou o lançamento do Carnaval do Recife em São Paulo.

Luciano Hortencio

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10 Comentários

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    1. Ao pernambucano da gema!

      Não sei se estás em Pernambuco ou em outras plagas, porém peço que ouças SONHEI QUE ESTAVA EM PERNAMBUCO, que anexei no comentário da amiga Maria Luisa. Não há como não sentir saudades se estiveres fora da terrrinha… Eu, que sou cearense cabeça chata e cabra da peste, sinto saudades… Imagine tu!

  1. O genial Antônio Nóbrega

    Tive o privilégio de assistir vários espetáculos de Antônio Nóbrega.

    E só posso dizer: quem ainda não o conhece está na hora de conhecer!

    E parabéns ao Luciano Hortencio por trazê-lo – junto com a sua companheira, Rosane – ao Blog do Nassif para o nosso deleite.

    1. Privilegiado és!

      Eu só conheço o Antonio Nóbrega através de seus discos. Em um dos carnavias que passei em Recife, soube que ele iria se apresentar no Marco Zero, porém é quase impraticável conseguir assistir um show ali. Gente que dá nos peitos de um peba…

      Gostaria que me falasses mais de Rosane. Tenho que ser humilde e admitir que não sei nada sobre Rosane e sua vida artística… Quebra esse galho?

      Caro Sílvio,

      Receba um abraço do luciano

  2. As belas coisas da vida

    Luciano, que coisa linda!!! Hoje além de me encantar, fiquei também emocionada com a beleza da obra de Antonio Nobrega, que infelizmente so conheci melhor o trabalho mais recentemente, apesar de ja ter ouvido falar dele desde os anos 90. Esse resumo do dicionario Cravo Albin, nos deixa com mais vontade ainda de ir atras de todo os discos e videos.

    E sobre sua infância. Que privilégio, amigo Luciano! Tento fazer o mesmo pelo meu filho, apesar de que os tempos sejam outros, mas enfim, apresento a ele um pouco de tudo, dentre as artes. E ele, outro dia, ao tocar um agogô (sim!) de metal preto, tocou afinadinho, fiquei surpresa  e bem contente. Era a primeira vez que tocava um agogô, apesar de que ja faz musica desde os três anos……

    Abração a você e sua familia. 

      1. Obrigada Luciano pela oferenda

         Levei meu curumim o ano passado para ver a performance mezzo-teatro mezzo-circo de Vitoria Chaplin e de seu companheiro, Jean-Batiste Thiérrée, “Le Cirque Invisible” no tradicional Teatro du Rond Point, e ele ficou fascinado, assistando compenetrado, às vezes de boca aberta. Depois do espetaculo, ele pouco falou. Mas falo disso porque faz tempo que vi umas apresentações em video de Antônio Nobrega, que me fizeram pensar nesse estilo de espetaculo, que Vitoria Chaplin e seu marido aprensentam, de muita poesia, jogo de cores, luzes, dança, criando ilusões e desilusões. E o filho deles é um excelente bailarino e metteur en scène… De pai pra filha para neto. 

  3. Amigo Luciano,
    A minha ida a

    Amigo Luciano,

    A minha ida a Sampa (maio/2013) foi programada, entre outras coisas, para assistir ao programa “Mergulho no Escuro”, com o Zuza Homem de Mello, no Itaú Cultural. Para nossa surpresa estava acontecendo uma exposição fantástica da obra do Antônio Nóbrega. Como chegamos cedo (eu e minha querida amiga, a cantora Silvia Maria) aproveitamos para curtir a referida exposição. Deixo uma foto que tirei (a qualidade não é das melhores porque era proibido o uso de flahs).

    É muito delicioso quando fazemos um trabalho e ficamos satisfeitos com a façanha. Este é um deles que, certamente, lhe deixou feliz, não é mesmo?

    Abraços.

    1. Mataste dois coelhos…

      Com uma só cajadada… Isso é ótimo, amiga Laura!

      Há tanta coisa maravilhosa do Antonio Nóbrega que a gente fica igual a menino pobrfe em loja de brinquedos. Mesmo tendo a possibilidade de escolher um, não sabe nem o que fazer… É inimaginável o acervo gravado pela “Fera”. Envio pra ti o “Coco da Lagartixa”, pra achares graça…

       

      Abraço do luciano

      [video:https://www.youtube.com/watch?v=qVIvnzYsD74%5D

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