1947 – Nasce Um Estado Na Palestina.

 

Sessenta e quatro anos atrás, em Agosto de 1947, o Comitê Especial das Nações Unidas sobre a Palestina (UNSCOP) apresentou na Assembléia Geral um relatório surpreendente e inesperado, pedindo o fim do Mandato Britânico na Palestina e a divisão da maior parte do território em dois estados independentes, com o estado judeu ocupando a maior parte dessa terra. Com certeza, o que veio logo a seguir já é bem sabido por todos – a Assembléia Geral de 29 de novembro de 1947 votou a favor da divisão, e uma guerra irrompeu imediatamente. A decisão é vista no mundo árabe como “o grande crime”, e os líderes palestinos, incluindo o atual presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, considera isso como o pecado original que levou à catástrofe, a nakba, que se abateu sobre sua nação – um desastre que eles pedem, agora, à Assembléia Geral para reparar. O que não ficou muito entendido é como um comitê possivelmente pró-árabe, ou que no mínimo deveria ser neutro, chegou a emitir um relatório concluindo diretamente para o estabelecimento do Estado de Israel. O que aconteceu na viagem da referida Comissão para a Palestina, e porque as mentes de seus membros mudaram de uma forma que radicalmente alterou a história?

Durante décadas, os documentos confidenciais do UNSCOP estavam espalhados em arquivos em todo o mundo, e só recentemente eles foram disponibilizados. Muitos foram descobertos pelo historiador Elad Ben-Dror, cujo livro sobre o papel da UNSCOP no conflito árabe-israelense será, em breve, publicado. O comitê era composto por 11 membros e chegou à Palestina em 15 de Junho de 1947. Como os EUA e a Grã-Bretanha pretendiam manter a aparência de neutralidade, nenhuma potência internacional esteve representada na delegação.  

Os palestinos acreditavam que um acordo para estabelecer um estado judeu já havia sido feito por trás de portas fechadas e assim ordenou um boicote completo aos trabalhos da comissão. O povo palestino foi advertido contra fazer qualquer contato com o UNSCOP e jornalistas árabes foram proibidos de cobrir a visita. Receoso de transparecer apoio tanto de um lado como do outro, os britânicos, também, proibiram o contato com o comitê. No vácuo criado pelos árabes e pelos britânicos, os diplomatas e os espiões sionistas puderam trabalhar sem restrições com os membros do UNSCOP. A Agência Judaica (organismo representativo da comunidade judaica no Mandato Britânico) nomeou um ex-oficial da inteligência britânica, Aubrey (Abba) Eban, para servir como um canal de ligação com o UNSCOP. Eban jogou todas suas cartas em dois membros latino-americanos, da Guatemala e do Uruguai, que se tornaram cada vez mais pró-sionistas enquanto a investigação da comissão prosseguia, repassando a Eban informações internas e privilegiadas sobre cada específico membro e suas deliberações.

Juntamente com Eban, o serviço de inteligência da organização clandestina judaica, Haganah, foi totalmente colocado para trabalhar no monitoramento dos membros do UNSCOP. Microfones foram colocados em quartos de hotel e nas salas de conferência. Todas as conversas telefônicas foram interceptadas. A equipe de limpeza no edifício em Jerusalém, onde a comissão realizou seus interrogatórios diários, foi substituída por agentes do sexo feminino que reportavam diariamente suas atividades. A tática não passou despercebida. Um membro da delegação sueca se queixou que as mulheres da equipe de limpeza eram “muito bonitas e educadas. Elas são os olhos e ouvidos dos líderes sionistas, que vêm às audiências com a vantagem de ter suas respostas preparadas com antecedência”. O presidente do comitê, Emil Sandstrom, também suspeitou que o membro da Guatemala vazasse informações ao Eban. “Eu não sei se ele pegou dinheiro”, comentou Sandstrom, “mas certamente ele pegou suas meninas”. No final de cada dia, as informações eram coletadas e distribuídas aos chefes da comunidade judaica sob o codinome Delphi Report, com a inscrição “Leia e destrua!”

A Haganah também reuniu as informações pessoais de cada membro, em um esforço para descobrir suas áreas de interesse particular e vulnerabilidades. Em muitas das suas viagens ao campo feitas pelos membros da comissão, armações foram feitas para garantir que eles encontrassem, “por acaso” alguém que falava sua língua e compartilhava do mesmo interesse. NS Blom, um ex-funcionário holandês na Indonésia, chegou à Palestina, com uma agenda pró-árabe, mas durante a sua estada, ele encontrou-se com imigrantes da Holanda, em frequentes reuniões improvisadas, que pressionavam uma perspectiva diferente sobre ele. Em uma ocasião, enquanto viajava em seu veículo oficial, ele encontrou dois fazendeiros criadores de vacas leiteiras cruzando a estrada. Blom, quando saiu do carro, descobriu que, surpreendentemente, os dois fazendeiros eram imigrantes holandeses. Ainda mais importante, as vacas também eram de raça holandesa! Seus relatórios para o Ministério das Relações Exteriores da Holanda, ao contrário do que se esperava, foi um jorrar de orgulho nacional pelo destaque que a contribuição da cultura láctea holandesa trazia para a agricultura na Terra Santa.

Em qualquer centro de população árabe que fossem os membros da comissão encontravam as ruas vazias, pois os árabes palestinos fugiam dos restaurantes temendo por suas próprias vidas. Suas experiências em áreas judaicas foram muito diferentes. Em Tel Aviv, o dia que recebeu a visita do UNSCOP, foi declarado feriado público. As ruas foram decoradas com bandeiras e multidões amigáveis ​​rodeavam os membros onde quer que fossem. O prefeito de Tel Aviv os acolheu calorosamente, e no final da reunião na Câmara Municipal, os membros foram convidados a saírem na sacada, quando a multidão cantou o hino judaico, o “Hatikva“.

Até mesmo o delegado iraniano Nasrollah Entezam, visto inicialmente pela Agência Judaica como um adversário duro de roer do sionismo, se transformou em um de seus defensores. Durante uma visita a um assentamento agrícola no Negev, o oficial judeu (um espião da Haganah que falava a língua persa) designado a assistir Entezam, ouviu-o dizer a um colega: “Como esses árabes são burros! O país é tão bonito, e pode ser desenvolvido. Se eles derem tudo isso para os judeus, eles o transformarão na Europa!”

Em contraste, os membros da comissão ficaram consternados com o que viram do domínio britânico na Palestina. O principal representante do secretário-geral da ONU no comitê, o americano Ralph Bunche, escreveu sobre “bombardeios diários, tiroteios, seqüestros, sirenes, batidas policiais de segurança.” Alguns membros viajaram para a cidade portuária de Haifa, onde testemunharam o ato de 4.500 refugiados do Holocausto retirados do famoso navio Exodus, sendo transferidos para outros navios que os levariam de volta à Europa. O sueco Sandstrom foi particularmente afetado pela experiência. “Sem essa prova, a nossa investigação não teria sido completa”, ele escreveu em um dos documentos confidenciais localizado por Ben-Dror.

Houve também reuniões, algumas mantidas secretamente, com representantes judaicos e com os líderes de organizações clandestinas. A liderança judaica impressionou a comissão com a sua moderação. A disposição de David Ben-Gurion em aceitar um plano de partição reduzido por exemplo, que ia muito além do consenso político do dia entre os judeus. Os lideres clandestinos pintaram um mar cor de rosa (e falso)  sobre a capacidade da comunidade judaica se defender em caso de guerra. Por outro lado, o único representante árabe disposto a falar com a delegação, o secretário do Alto Comitê Árabe, informou aos visitantes que os árabes não desistiriam, sob qualquer circunstância, da criação de um Estado Árabe que se estende por todo o território da Palestina.

Quase três meses depois, a UNSCOP devidamente apresentou o seu relatório. A Assembléia Geral votou a favor da partição, e no dia seguinte, os árabes entraram em guerra com o objetivo expresso de aniquilar a comunidade judaica na Palestina.

Um dia antes da votação da Assembléia Geral, a CIA enviou ao presidente Truman um relatório confidencial, “As Conseqüências da partição da Palestina”, argumentando que a comunidade judaica na Palestina entraria em colapso sob o ataque árabe e alarmando que a partição e a guerra no Oriente Médio iriam causar sérios danos aos interesses americanos na região. O Departamento de Estado tomou a mesma posição. Os esforços diplomáticos de última hora dos EUA para criar uma tutela internacional para a Palestina falharam, assim como a pressão sobre a liderança judaica para atrasar a declaração de um Estado judeu. O presidente Truman reconheceu o inevitável, e a representação do movimento sionista em Washington foi convidada a pedir formalmente o reconhecimento. O novo Estado judeu ainda não tinha um nome. Em sua pressa para enviar a solicitação, o representante deixou o nome do país em branco – a ser preenchido mais tarde.

Ronen Bergman is a senior political and military analyst for the Israeli newspaper Yedioth Ahronoth. He is at work on a book about the history of the Mossad.

Veja o original no link: http://www.nytimes.com/2011/10/09/magazine/a-state-is-born-in-palestine.html?pagewanted=all 

 

 

Redação

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