A desilusão com a vida social na Europa

É… Texto muito bom. Tenho a sensação de que vamos passando por uma era de desilusão com a vida social não corporativa na Europa, e que reflete em publicações no mundo todo. Serve ao menos para mostrar a força do livro.

O caso pessoal do prof. Canotilho é interessante. Eu mesmo tomei um susto ao ler seu livro sobre patentes pipeline, pensando que ele se colocaria em uma posição que favorecesse o terceiro mundo nas questões de saúde pública, mas foi exatamente o contrário. Diz-se que Portugal fez uma constituição para ingressar no socialismo, e que sem mudar uma vírgula da letra da lei, mas alterando radicalmente a interpretação, eles conseguiram obter uma constituição liberal. Talvez o professor seja apenas fruto dessa mudança no pensamento português.

Ao que parece o ambiente da Constituição de 88 bebia daquela vontade de proteger o mais fraco, frear a grande força de manobra que o dinheiro corporativo tem naturalmente. Havia disposições a favor de várias classes hipossuficientes: consumidor x poder econômico do fornecedor; trabalhador x empregador; preso x opressão ilegal do estado; doente+SUS x excesso de capital na indústria privada da saúde.

SobrSobre este último conflito, uma série de publicações interessantíssimas do Instituto de Economia da Unicamp demonstra que a mudança de foco dos programas de saúde, entre a prevenção, mais econômica, ou o tratamento, mais dispendioso, variava conforme o acúmulo de capital das empresas do setor.

De 1960 até a CF de 88, um movimento de acumulação acelerada fez com que o foco da indústria fosse em equipamentos de tratamento (devem ter margem de lucratividade maior, ou público mais fácil de prospectar). A partir das garantias à saúde da CF de 88, com foco na prevenção, este pêndulo foi empurrado para o lado mais coerente (socialmente, não economicamente).

Atualmente, contudo, esse discurso “garantista” se esvaziou. As teses da universidade parecem indicar que voltamos a um acúmulo grande com as suas conseqüências, o próprio boom dos convênios e planos de saúde na década de 90, asfixiando os médicos particulares, mostraram um pouco da saúde do setor. E o embate jurídico, que balançava entre o direito ao tratamento do paciente, e a preservação do orçamento, que deve cobrir outras despesas como a educação, este discurso agora parece pender para a última afirmação, mais financista.

Por essas razões é que me desagrada o fígado ver juristas brasileiros citando alemães como se fossem a última flor do saber. Nós desconhecemos a sociologia deles, e muitas vezes a nossa também. Assim como ocorreu com o pensamento português, em todo lugar a sociedade muda e o Direito vem correndo atrás tentando explicar. Copiamos a Alemanha sem saber porque os alemães pulam do garantismo para um direito penal do inimigo ao sabor das recessões. Copio abaixo uma reportagem sobre a situação da Alemanha, que reflete bem este problema, pela boca da própria Angela Merkel.

http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=37399

Multiculturalismo ”falhou”, diz Merkel

A chanceler (premiê) da Alemanha, Angela Merkel, disse ontem que os esforços para construir uma sociedade multicultural, com a convivência de diversas culturas, “falharam completamente” no país.
A declaração foi dada durante reunião com membros jovens do seu partido, a União Democrata Cristã, em Potsdam, cidade ao sul de Berlim, e vem em um momento em que os alemães pedem endurecimento das regras de imigração.

A notícia é do jornal Folha de S. Paulo, 18-10-2010.

Merkel disse ainda que cabe ao imigrante o esforço de se fazer integrar à sociedade.

Uma pesquisa recente, realizada pelo think tank (centro de estudos) Friedrich Ebert Foundation, mostrou que um terço dos alemães consideram que o país está “tomado por estrangeiros”.

Os estrangeiros e descendentes que vivem na Alemanha ultrapassaram, em julho, a barreira dos 16 milhões, o equivalente a 19% da população.

Desses, pouco mais de 7 milhões são estrangeiros, e quase 9 milhões são alemães de origem estrangeira. São muçulmanos 4 milhões.

Outra constatação do levantamento é que 55% acreditam que os árabes são “pessoas desagradáveis”.

Há sete anos, 44% tinham essa opinião. Houve, portanto, um aumento de 11 pontos percentuais.
A aversão aos estrangeiros ocorre em um período em que a Alemanha enfrenta altos índices de desemprego, um dos reflexos da crise econômica nascida nos EUA.

Apesar de estar em situação melhor que países como Espanha e Grécia, a taxa de desemprego está em 7,5%, patamar preocupante para um país acostumado com altos índices de crescimento.

No começo de setembro, um dos diretores do Banco Central alemão, Thilo Sarrazin, publicou um livro em que acusa os muçulmanos de diminuir o nível de inteligência da sociedade alemã.

Como resultado, Sarrazin foi demitido, mas seu livro conquistou relativo sucesso e simpatia. A partir daí, a discussão sobre a presença dos imigrantes se acalorou.

Mesmo que tenha demonstrado uma visão pessimista em relação à diversidade cultural,Merkel deixou claro que os estrangeiros continuam bem-vindos.

“Nós não devemos passar a impressão para o mundo que aqueles que não falarem alemão imediatamente ou que não crescerem falando alemão não serão bem-vindos aqui”, disse. 

Luis Nassif

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