A força dos partidos no Congresso

Do Valor

O Congresso põe seus blocos na rua

Cristian Klein
02/02/2011

O Congresso se mobilizou ontem para a eleição dos presidentes da Câmara e do Senado. José Sarney (PMDB-AP) segue para seu quarto mandato à frente da Casa Alta. No Parlamento, está há 35 anos. Supera, como ressaltou em discurso, até Ruy Barbosa, que ficou de 1890 a 1921 no Senado. Ex-presidente da República, deve sua sobrevivência, nos últimos anos, ao apoio do agora também ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que o defendeu, certa vez, dizendo não se tratar de um “cidadão comum”. Na Câmara, o favorito Marco Maia (PT-RS) recebia críticas pela possibilidade de ser um 38º ministro de Dilma Rousseff – ou seja um preposto, à frente de um Legislativo submisso ao Executivo.

Sobre o Congresso Nacional sempre pairam as maiores desconfianças. Privilégios, sinecuras e dúzias de escândalos recorrentes colaboram para que o Parlamento não tenha boa imagem diante da opinião pública. Perto dos outros dois poderes – Executivo e Judiciário -, o Legislativo é, de longe, o que tem a reputação mais arranhada. Individualmente, poucos avanços têm sido feitos por deputados e senadores para mudar o quadro de descrédito. No entanto, em meio ao cenário desolador, há um arcabouço institucional favorável e mudanças recentes que têm agido no sentido de fortalecê-lo.

OfunO funcionamento do Congresso brasileiro em torno de linhas partidárias razoavelmente rígidas tem se consolidado, o aproximando cada vez mais do modelo europeu e o distanciando do americano. Enquanto nos Estados Unidos o Congresso é quase sempre considerado o reino do individualismo dos parlamentares, eleitos para atender aos interesses paroquiais de seus distritos, o Parlamento brasileiro é capaz de barrar incentivos personalistas da arena eleitoral – graças à Constituição e aos regimentos internos das duas Casas legislativas.

“Todo poder aos líderes” poderia ser o dístico a ornar a entrada do Congresso Nacional. A delegação de poderes à Mesa Diretora e aos líderes partidários – e daí a cobiça pelos cargos distribuídos ontem na Câmara e no Senado – é o mecanismo pelo qual o Parlamento encontrou, durante a Constituinte, para resolver os problemas de ação coletiva numa Casa apinhada de 594 representantes com tantos interesses contraditórios. 

Afora os conhecidos desvios de conduta de seus integrantes – o que, por outro lado, também reflete o caráter mais aberto do Congresso – reside aí uma das maiores desvantagens do Legislativo em relação aos outros poderes. O Executivo é hierárquico e, no limite, se move a partir de uma única cabeça, presidencial. A Suprema Corte do Judiciário é composta pelo restrito comitê de 11 ministros. Para que o Legislativo tenha um mínimo de coesão e agilidade, a solução foi concentrar o poder na Mesa Diretora e nos líderes.

As candidaturas avulsas de Sandro Mabel (PR-GO), Jair Bolsonaro (PP-RJ) e Chico Alencar (PSOL-RJ), na eleição de ontem à Presidência da Câmara, neste sentido, refletem o anacronismo do poder parlamentar individual numa Casa regida pela linha partidária. Ou pela lógica que a move. A formação, em cima da hora, de cinco blocos partidários que atuarão na nova legislatura é resultado ainda mais evidente deste cálculo político. A melhor estratégia de pressão – seja interna ou voltada para fora – é a articulação em grupo. Se partido não basta, formam-se blocos.

O fato de a formação dos blocos ter se originado à revelia da presidente Dilma Rousseff é sinal de que o Legislativo pode encontrar espaços de independência. A aglutinação começou com PV e PPS (26 deputados), foi imitada por PR e partidos nanicos (60) e depois chegou aos médios e grandes. O PT e o PMDB formaram o maior bloco, ao lado de PP, PDT, PSC e PMN, com 257 parlamentares, no limite para a maioria governista. Também da base aliada, PSB, PTB e PCdoB reuniram seus 71 deputados. E as maiores siglas da oposição, PSDB e DEM, criaram bloco com 96 (19% do total).

Constitucionalmente, a distribuição dos valiosos postos das Mesas Diretoras pode seguir a divisão por partidos ou por blocos. Seja como for, o incentivo é em direção à lógica que põe as organizações partidárias como protagonistas do processo decisório. Se o auge do personalismo na política brasileira geralmente ocorre em situações de sobrevivência eleitoral, o ápice do partidarismo se dá no Congresso e na eleição de suas Mesas Diretoras.

A difundida imagem de parlamentares que, por meio de barganhas individuais, fazem do(a) presidente um refém indefeso não condiz com a realidade. A pressão só é eficaz pela ameaça crível, e esta só ocorre por meio de um líder que controle os votos de seu grupo.

Não é à toa que até uma legenda considerada pouco coesa, fisiológica, como o PR, tenha ameaçado de expulsão Sandro Mabel, que insistiu e manteve sua candidatura avulsa. A possibilidade de auto-indicação à Presidência da Câmara – como fizeram Mabel, Bolsonaro e Alencar – é, assim, uma provisão contraditória na engrenagem do Parlamento.

Para a cientista política e pesquisadora do Ipea Geralda Miranda seria um resquício do poder parlamentar individual. Em artigo intitulado “A delegação aos líderes partidários na Câmara dos Deputados e no Senado Federal”, Geralda mostra como duas mudanças institucionais recentes reforçaram o comportamento partidário no Congresso.

A primeira foi a resolução, em vigor a partir de 2007, que estabeleceu que a correlação de forças entre os partidos no ato da diplomação, sobre a qual se baseia o critério de proporcionalidade, vale até o fim da legislatura. Isso tornou menos atraente aos partidos, geralmente os governistas, a cooptação de parlamentares com o objetivo de ganhar melhores postos numa recomposição da Mesa Diretora. A segunda mudança, também em 2007, foi a decisão do TSE de que os mandatos pertencem aos partidos.

“São medidas que apontam para o fortalecimento dos partidos, especialmente os de oposição, e tornam o Legislativo um espaço mais independente em relação ao Executivo”, afirma a cientista política. Geralda lembra que a candidatura avulsa também favorece a oposição, mas sob o signo da incerteza e do descrédito, como foi a eleição surpreendente de Severino Cavalcanti, em 2005.

Cristian Klein é repórter de Política. A titular da coluna, Rosângela Bittar, está em férias

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Luis Nassif

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