Um dia atípico do Jornal Nacional

Acabei de chegar da Praça da Sé. Fui lá deixar meu pedacinho de vermelho na multidão, acima de tudo pela democracia. Um dia politicamente importante, como todos esses que temos vivido: a primeira defesa do governo na comissão de impeachment da Câmara, o rearranjo da base de apoio depois do desembarque do PMDB, manifestações por todo o Brasil, o STF repreende o Juiz Sérgio Moro pelas divulgações ilegais e evoca sua competência.

Ligo a TV. A Globo nem parece a Globo. Globonews e Jornal Nacional parecem ter sofrido uma repentina transformação:

– Intensa cobertura das manifestações a favor do governo;

– Exibição ao vivo e reprise da fala do Chico Buarque, com direito a cravo vermelho;

– Divulgação da fala de Lula em um vídeo que normalmente ficaria restrito às redes sociais;

– Os comentaristas de política dão sinais dúbios, como se o costumeiro tom partidário se tingisse, surpreendentemente, de uma pálida coloração de imparcialidade;

– O Jornal Nacional abre anunciando as manifestações contra o impeachment em tom retumbante;

– A saída do PMDB é vista como uma clareira política que permitiu o rearranjo da base governista;

– A Presidenta fala para artistas e intelectuais. Letícia Sabatella mostra seu sorriso em apoio à democracia;

– A visão do governo é mostrada com clareza, a palavra golpe é encaixada sem questionamentos; os tempos concedidos são generosos;

– Bonner mostra preocupação com o clima de intolerância, destacando a fala do Ministro Edinho Silva;

– A defesa do governo na comissão de impeachment é amplamente exposta, com explicação dos âncoras e falas do ministro Nelson Barbosa e do Prof. Ricardo Lodi Ribeiro (UERJ);

– A impressionante fala do Ministro Luís Roberto Barroso convida à desconfiança em relação ao grupo que busca assumir o poder;

– A frase “não vai ter golpe” se repete em múltiplas vozes;

– Ao fim do bloco do JN, a apresentadora Renata Vasconcellos anuncia: no próximo bloco, mais sobre as manifestações…

Simplesmente inacreditável!

Eu disse ontem à minha mulher que, muito em breve, os brasileiros iriam chamar a Globo de petista. Sentia o cheiro da mudança, parece que incorporei Mãe Diná. Dito e feito, os primeiros passos foram dados. Ao que tudo indica, e mantida a tendência, a Globo tirou o pé do acelerador do golpe na Câmara.

O desembarque do PMDB foi um Big Bang. Quem pede honestidade – não me refiro aqui aos falsos moralistas – vai aceitar Temer como presidente, de cambulhada? A ideia do golpe colou e começa a se espalhar. Muitos brasileiros que discordam do governo Dilma recusam o caminho escuro da ruptura democrática. A credibilidade da empresa parece cada vez mais arranhada com uma intensa campanha negativa nas redes sociais. Em quatro anos, o Jornal Nacional perdeu 28% do seu público.

Do ponto de vista estratégico, é uma postura inteligente da empresa: se o golpe der certo, vai aderir ao governo Temer no momento oportuno – tudo menos os vermelhos – e seguirá em frente, num clima de parceria; se o golpe fracassar, a marca terá alguns argumentos para dizer que não foi golpista.

Um aspecto a se considerar é que, talvez, o maior império de mídia no Brasil não esteja assim tão afinado com os velhos falcões do PMDB. Sua paixão verdadeira deve pulsar por outra espécie de ave, mais refinada, mais cheirosa. Existe, ainda, a possibilidade de que a Globo aposte em outra via para o impeachment, uma Fase 2, a Grande Vingança, ou até uma renovação da aposta no sangramento de Dilma. De qualquer maneira, cogitar um súbito assombro democrático da vênus platinada, aí já seria pedir demais.

São 10 da noite deste 31 de março. Data emblemática. Escrevi este texto de supetão, no calor de um acontecimento crucial, uma pincelada. Há muito o que entender sobre esta aparente guinada no jornalismo da Globo em relação ao impeachment via Congresso. Pelos subterrâneos da política pesada, caminhos são traçados à nossa revelia. Confirmada esta nova linha editorial, especialmente na TV aberta, abre-se um novo cenário, repleto de desdobramentos e interrogações.

Redação

8 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Que mudança, cara pálida?

    O que você percebeu é a demonstração do que sempre foram: Volúveis.

    Se, se, amanhã os ventos mudarem eles mudam. Hoje registraram para a história que eles não apoiaram o que se acusava que eles apoiavam.

    É só lembrar que 21 anos depois do golpe apoiado, e fortunas fetias a partir de, fizeram um editorial de mea culpa, e tudo caminhou.

    Pode anotar. 

     

    1. A Globo tem muito mais

      A Globo tem muito mais cabeças pensantes na sua equipe, do que possa imaginar vossas vãs Filosofias. Ontem eles não quiseram discutir os números dos presentes nas passeatas. Ales acreditaram que era melhor mostra do alto, por helicóptero, para que cada um tire as suas conclusões, e façam as suas comparações com o que é dito pelos organizadores, e pela polícia militar. Pelo que eu pude observar, e pelo que foi apresentado como resultado final, eu fico com o que disse a polícia militar. Ou os organizadores erram por falta de experiência na contagem, ou erram intencionalmente tentando iludir os incautos. Coisa feia senhores organizadores. Tenham princípios, tentem ser honesto. Afinal vocês tem o privilégio de ter nos quadros petistas, aquele que sem a menor humildade se auto proclamou o cidadão mais honesto do Brasil. Será? Eu sinceramente tenho cá as minhas dúvidas. Ah para oh!!! 

  2. Caríssimo,

    obrigado pelo texto.

    Estou igualmente ruminando o JN de ontem.

    E tentando entender o sumisso das manifestações nos jornais impressos de hoje.

  3. Globo sempre será golpista
    O que é isso? São todos burros ou doidos? A Globo nunca desembarcou do golpe, ela É o golpe. Ela aparentemente “aliviou” para desmobilizar o povo e nós, para desarmar o povo e nós. Nada mudou. É preciso continuar firme contra Globo, Sérgio Moro, Carlos Fernando Santos Lima, Leandro Daiello, Deltan Dallagnol, Rodrigo Janot, Gilmar Mendes, Dias Tóffoli, Aécio Neves, Michel Temer e Eduardo Cunha, porque eles são O Golpe! #NaoVaiTerGolpe #MoroSemMoral #AbaixoARedeGlobo

    1. A minha tese, ainda no calor

      A minha tese, ainda no calor dos acontecimentos, é de que a Globo desembarcou do golpe via impeachment no Congresso. Deverá apostar em outras maneiras de golpear o Governo. Eles são criativos quando se trata de promover o arbítrio.

  4. A Globo tem muito mais

    A Globo tem muito mais cabeças pensantes na sua equipe, do que possa imaginar vossas vãs Filosofias. Ontem eles não quizeram discutir os números dos presentes nas passeatas. Ales acreditaram que era melhor mostra do alto, por helicóptero, para que cada um tire as suas conclusões, e façam as suas comparações com o que é dito pelos organizadores, e pela polícia militar. Pelo que eu pude observar, e pelo que foi apresentado como resultado final, eu fico com o que disse a polícia militar. Ou os organizadores erram por falta de experiência na contagem, ou erram intencionalmente tentando iludir os incautos. Coisa feia senhores organizadores. Tenham princípios, tentem ser honesto. Afinal vocês tem o privilégio de ter nos quadros petistas, aquele que sem a menor humildade se auto proclamou o cidadão mais honesto do Brasil. Será? Eu sinceramente tenho cá as minhas dúvidas. Ah para oh!!! 

    1. Números das manifestações

      Todos puxam a sardinha para a sua brasa, inclusive a PM, que é subordinada aos governadoresde cada Estado. Aqui em SP, por exemplo, a PM tira selfie com um lado e senta o porrete no outro. O governador Alckmin comanda sua tropa. E é muito hábil em manipular números, basta pesquisar as distorções estatísticas relacionadas à segurança pública em SP.

  5. Artigo do Sidney Rezende

    Esta pode ser uma das explicações para o viés adotado pelo JN no dia 31 de março:

    http://www.ocafezinho.com/2016/04/01/sidney-rezende-anunciantes-comecam-a-se-incomodar-com-manipulacao-criminosa-da-globo/

    No site do Sidney Rezende.

    Protestos contra a Globo preocupam anunciantes
    Redação SRZD

    A sucessiva multiplicação de palavras de ordem, faixas e cartazes contrários ao Grupo Globo nas manifestações populares a favor da democracia e a rejeição estampada nas redes sociais – inclusive expressada por artistas contratados – começa a preocupar anunciantes. O temor de algumas companhias é que este movimento possa crescer e expor ao risco as suas marcas e o consumo dos seus produtos.

    A sistemática cobertura a favor do impedimento da presidente Dilma Rousseff e o noticiário envolvendo o ex-presidente Lula acenderam o sinal de alerta nas direções de marketing de grandes empresas.

    Numa reunião fechada realizada ontem no fim da tarde, em São Paulo, e que o SRZD teve acesso ao resultado final, dois presidentes que representam os interesses de companhias que estão entre os 30 maiores anunciantes do Brasil, seis vice-presidentes de empresas de áreas diversas que atuam em higiene e limpeza, setor automotivo e varejo decidiram encomendar uma análise a uma agência internacional de acompanhamento de postagens na internet para avaliar os humores dos consumidores em relação aos produtos e serviços dos patrocinadores.

    A ideia é que o estudo seja concluído em até 90 dias. E o parecer se restringirá às marcas que já anunciam nos veículos do Grupo Globo.

    Um dos executivos chegou a desabafar: “Todos respeitamos a Globo pelo seu profissionalismo e pela larga vantagem sobre os demais órgãos de comunicação, mas o jornalismo está manipulando de forma criminosa e já há movimentos nas redes sociais pressionando nossos consumidores a não comprarem os produtos que produzimos. Assim não dá. Isso não pode crescer”. A fala causou um certo mal estar no ambiente. O silêncio enigmático dos demais sinalizou concordância com a análise e a preocupação de como criar uma alternativa publicitária ao maior meio de comunicação do Brasil.

    A Globo, por sua vez, já se manifestou oficialmente, várias vezes, no sentido de que apenas informa os fatos políticos com isenção. E que não é geradora dos acontecimentos políticos e econômicos que noticia.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador