Ion de Andrade
Médico epidemiologista e professor universitário
[email protected]

A influência dos avanços da cidadania na estrutura econômica

Os avanços na formação de uma cidadania mais protagonista e autônoma, que ocorrem a olhos vistos e que são, conforme entendemos, sinais de que se opera no seio da sociedade capitalista transformações profundas, deixam indiscutível rastro democrático na superestrutura da sociedade.

São indícios disto os direitos universais, as políticas sociais e de renda mínima e a equidade como valor incontornável.

É evidente que os avanços se fazem em decorrência das lutas e que há inúmeras limitações a uma afirmação mais robusta destes direitos materiais, espirituais e políticos que vão emancipando mais e mais a cidadania, o que torna o fenômeno complexo e de difícil leitura. Para uns o copo está meio cheio e para outros meio vazio, não havendo fácil consenso sequer sobre a direção vetorial destas mudanças, e mesmo se há efetivamente “mudanças”.

Desde o nosso enfoque as mudanças ocorrem em todo o mundo e tendem a ampliar o Estado e a democratizar a vida política. Se isto é difícil de ser percebido em espaços de tempo curtos, não deixa dúvidas se analisarmos o século que nos separa da primeira guerra mundial, dos fascismos, do stalinismo, dos Estados coloniais e das tantas ditaduras oligárquicas que infelicitaram a América Latina e o Mediterrâneo. Sim, apesar da Grécia e dos abusos perpetrados contra os trabalhadores na Espanha e em Portugal o mundo melhorou e no rumo das conquistas para aquele polo que podemos ainda hoje chamar de proletariado, de quem a “cidadania” é uma representação superestrutural.

Se isto parece claro, poucos marxistas têm se aventurado a tentar enxergar que mudanças simultaneamente estão ocorrendo na estrutura econômica da sociedade e que são compatíveis com este soerguimento da cidadania e dos trabalhadores que se operou neste século de lutas. De que forma o proletariado, que se emancipa, vai moldando o modo de produção capitalista a seu favor.

Tradicionalmente pensa-se a revolução como algo que se caractere/za por uma tomada do poder político que, então, pode agir sobre o modo de produção convertendo-o ao socialismo. É como se a superestrutura fosse mais maleável do que a estrutura, mais sujeita e obediente aos avanços de uma nova hegemonia. A estrutura permaneceria então congelada, evoluindo apenas e tão somente dentro de uma lógica impenetrável e intrínseca ao capital.

Não acreditamos nisto e entendemos que a nova hegemonia cidadã que vai sendo desenhada num gigantesco esforço de gerações, vai sim produzindo mudanças também no modo de produção capitalista, antecipando elementos que só poderão ganhar alcance na sociedade futura, mas que já mostram o rosto.

A capacidade de mobilização dos trabalhadores, que assegurou aumento de renda real ao longo dos últimos cem anos criou novas necessidades de cultura, lazer, educação e qualidade de vida, (que convergem todas para um novo modelo de sociedade), dando vida a algo que se enxerga mas nunca se justifica: a expansão geométrica do setor terciário da economia, aquele que produz serviços. A primeira subordinação do capital ao trabalho se comprova pela superação do setor primário e secundário pelo terciário. É claro que o setor de serviços inclui serviços ao próprio capital, reengenharias as mais diversas, inteligência de gestão, treinamentos, etc, mas uma parte expressiva corresponde a serviços à cidadania. O fenômeno se acompanhou de outro: a dita “sociedade de consumo”, filha do aumento da renda dos trabalhadores, uma dura conquista das lutas e não uma benesse ou uma evolução natural do capitalismo.

Alguns pessimistas poderiam dizer que o capitalismo está sempre se reinventano e converte as suas derrotas em novas vitórias…O fato é que hoje, inicialmente nas economias mais avançadas e em seguida num círculo cada vez maior de países, vive-se página onde a “sociedade de consumo” e os serviços compõem o essencial da economia.

Mais recentes duas outras ideias vão entrando no cardápio das transformações do modo de produção capitalista, em decorrência, desta vez, não mais da emancipação material dos trabalhadores, que propiciaram a “sociedade de consumo” e o crescimento do setor de serviços, mas agora em nova fase de uma maior emancipação espritual e política, conquistada pelas lutas: a Regulação da Economia e a ideia força da Sustentabilidade, (econômica e ecológica).

Tanto uma como a outra já estão em plena operação em diversas áreas. Elas vão construindo novas lógicas avessas ao liberalismo econômico e trazem a produção de bens e serviços para padrões de planejamento e de previsibilidade nunca vistos até aqui. Tanto uma como a outra estão limitadas pela ação política de uma burguesia liberal que nunca quis e nunca quererá reconhecer limites, porém mesmo o campo burguês está hoje dividido, parte dele reconhecendo a racionalidade como necessidade.

No feudalismo podemos contemplar vários avanços da burguesia bem anteriores à revolução burguesa de 1789, tais como: a expansão do comércio, o crescimento do capital financeiro e a criação de mercados cada vez mais amplos que deram forma, inclusive, a muitos países contemporâneos.

 

No futuro os historiadores verão o dedo do proletariado na expansão dos serviços, na universalização do consumo, na regulação da economia e na sustentabilidade econômica e ecológica. 

Ion de Andrade

Médico epidemiologista e professor universitário

0 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador