Abuso Sexual na Infância

Até muito recentemente, o abuso sexual de crianças era tratado como um assunto proibido na sociedade. Entretanto, de alguns anos pra cá esse tabu vem sendo quebrado, principalmente por conta da ação dos movimentos feministas, visto ser a mulher a vítima mais comum. E o que tem sido encontrado é alarmante, não apenas em freqüência de tais práticas, mas também em termos de conseqüências biopsicossociais. A criança, além de todo o sofrimento durante o abuso sexual, pode sofrer danos a curto e longo prazo; e uma simples intervenção precoce e efetiva pode ter impacto decisivo, a longo prazo, no crescimento e desenvolvimento da criança e um efeito positivo em todo o funcionamento da família.
Portanto, torna-se essencial que todos os profissionais de saúde que tenham contatos com crianças estejam cientes da realidade do abuso sexual infantil e estejam preparados para identificá-lo, para intervir corretamente e para ajudar a criança vítima.
O abuso sexual infantil (ASI) é definido como a exposição de uma criança a estímulos sexuais impróprios para sua idade, seu nível de desenvolvimento psicossocial e seu papel na família. A vítima é forçada fisicamente ou coagida verbalmente a participar da relação sem ter, necessariamente, a capacidade emocional ou cognitiva para consentir ou julgar o que está acontecendo.
The American Humane Association, em seus mais recentes estudos, estima o abuso sexual de crianças e adoslecentes nos Estados Unidos em 450 mil casos por ano. Apesar desses números serem altos, é consenso que o número de casos não relatados seja maior que o número de casos notificados, devido ao segredo e vergonha que são inerentes ao ASI. Estima-se que uma em cada três mulheres e um de cada seis homens passem por um episódio de abuso sexual. Estudos têm revelado que os homens se abstêm de notificar o abuso sexual, devido ao medo e à vergonha de serem rotulados como homossexuais. Sabe-se, também, que 80% das vítimas de ASI conhecem seus abusadores. Desse grupo, aproximadamente 68% é membro da própria família. 80% dos abusadores são homens e 20% mulheres. A média de idade do início do ASI é de 9,2 anos para as mulheres e 7,8 a 9,7 para os homens.. Dos casos de ASI intrafamiliar, 75% é pai-filha (incluindo padrastos, namorados da genitora morando na mesma casa, ou outros que tenham papel paternal), enquanto 25% dos casos são de mulheres-criança ou irmã- irmã. Esses estudos indicam que meninas são mais abusadas sexualmente dentro do ambiente familiar, enquanto garotos e crianças maiores são mais abusados fora da família.
No Brasil, O Serviço de Advocacia da Criança (SAC), entidade ligada à Ordem dos Advogados do Brasil, fez uma pesquisa a partir de processos registrados em 1988,1991 e 1992 para chegar à seguinte cifra: das 20.400 denúncias de maus-tratos `a criança que chegam anualmente ao conhecimento da Justiça, 13% referem-se a situações de abuso sexual, o que resulta em 2.700 novos casos a cada 12 meses.
O ASI pode ser intrafamiliar ou extrafamiliar; este, por sua vez, pode ser com adultos conhecidos ou desconhecidos. Menção especial deve ser feito aos abusos sexuais institucionais, os quais são perpetrados em instituições encarregadas de zelar pelo bem-estar da criança.
O ASI intrafamiliar é definido como qualquer forma de atividade sexual entre uma criança e um membro imediato da família ( pai, padrasto, irmão ), extensivo ( tio, avô, tia, primo )ou parentes substitutos ( um adulto o qual a criança considere como um membro da família ).
O ASI intrafamiliar também é conhecido com incesto. Existem cinco tipos de relações incestuosas: pai-filha, irmão-irmã, mãe-filha, pai-filho, mãe-filho. Destes, é possível que irmão-irmã seja o tipo mais comum. Entretanto, o mais relatado é entre pai e filha (75% dos casos ). Mãe-filho é considerado o tipo mais patológico, sendo freqüente sua associação com psicose. Por outro lado, o do tipo irmão-irmã provavelmente acarrete menores seqüelas.
Existem três tipos de relações familiares incestuosas, envolvendo pai e filha, referidos na literatura: tipo intrafamiliar, tipo multiproblemático e tipo acidental.
Tipo intrafamiliar – Este é o tipo mais comum. Raramente é feito o diagnóstico, pois a família parece levar uma vida normal e tranqüila na comunidade. Entretanto, com um exame mais apurado, percebe-se que apresentam um contato limitado com o mundo extrafamiliar. Nessas famílias, as fronteiras entre os diversos subsistemas não são nítidas e sim difusas, com confusão de papéis sociais e psicológicos entre seus membros. Pai e mãe sofreram privações que comprometem suas capacidades de assumir seus papéis de pais.
O incesto ocorre envolvendo três pessoas: o pai, a mãe e a criança. O pai comumente possui uma personalidade passiva e introvertida, apesar de , superficialmente, parecer dominador. Sente-se incapaz de exercer seu papel de pai e de marido. Geralmente inicia as relações incestuosas com a filha durante um período de estresse, solidão ou dependência, como durante perda de emprego ou conflitos conjugais. A atividade incestuosa pode não ser motivada pelo sexo, mas representar uma necessidade de afeto.
O pai obtém gratificações e conforto através da relação sexual. Freqüentemente, inicia-se como uma simples carícia e, gradualmente, torna-se de natureza cada vez mais sexual. Geralmente, há uma vida sexual pobre entre o casal.
A mãe geralmente possui história de abuso sexual em sua infância e provém de “broken homes” ( lares quebrados ). Ela própria sofreu, no passado, privação materna e foi recipiente de ressentimentos e hostilidades de sua própria mãe. Geralmente, é descrita como deprimida, apresentando, portanto, baixa auto-estima, passividade e isolacionismo.
Na maioria das vezes assume papel de protetora do marido, mas é insensível às necessidades emocionais da filha, não conseguindo dar-lhe suporte emocional adequado. Freqüentemente tem uma vida sexual insatisfatória e possui existência atribulada, ausentando-se de casa devido ao trabalho ou atividades sociais. As funções maternas como cozinha, limpeza e educação, além das sexuais, são passadas para a filha mais velha. A mãe parece mais filha do que mãe. Apesar de ter conhecimento do incesto, pode ignorá-lo ou até mesmo incentivá-lo, pois sua filha a está substituindo em um papel no qual se sente incapaz e que não deseja para si.
A mãe facilita a situação incestuosa, pois desse modo está reeditando a situação de sua infância: sua filha assume o papel de mãe má, que a despreza e rejeita. Deste modo, projeta na filha seus sentimentos hostis em relação à sua própria mãe e vivência a situação como ela sendo novamente a vítima das hostilidades maternas. Esta é uma tentativa neurótica de elaboração de sua própria dificuldade no relacionamento com sua própria mãe. Portanto, este mecanismo de identificação projetiva exerce um papel facilitador para a ocorrência do incesto.
Para manter a aparência de normalidade, ambos, pai e mãe, concordam consciente ou inconscientemente que a relação incestuosa é mais aceita do que uma relação extra-marital, que poderia levar a uma ruptura do casamento e da família.
A criança poucas vezes relata o incesto antes de chegar à adolescência, uma vez que está envolvida na trama familiar e é profundamente dependente desses pais, que são os únicos adultos com quem, em geral, ela pode contar. Além disso, como possui com a mãe um relacionamento insatisfatório, isso perpetua um funcionamento em nível oral, podendo levar a menina a voltar-se para o pai, numa tentativa de suprir suas necessidades de ser cuidada, alimentada e amada. Segundo Bárbara Broks, o incesto poderia estar significando esta busca de satisfação oral e isso explicaria a longa duração que, usualmente, observa-se nessas relações incestuosas. O incesto dura, em média, vários anos, com uma média de seis meses a sete ou oito anos.
Neste tipo de família, a relação incestuosa, geralmente, inicia-se com a filha mais velha. Outras filhas serão envolvidas quando deixar a casa paterna ou quando terminar a relação. Trata-se de uma relação perversa, que tem suas origens no primitivo desenvolvimento psicossexual de todas as crianças em que, na fantasia, tais relações são desejadas e permitidas.
Tipo multiproblemático – Neste tipo de família, o problema do incesto é mais facilmente identificado, pois é mais um aspecto a somar, na total desorganização familiar. É comum a associação com o alcoolismo, violência, abuso físico, delinqüência e doença mental. Há uma estrutura familiar caótica, não existindo uma relação próxima entre seus membros. A criança tanto pode ser vítima do abuso físico quanto sexual.
Tipo acidental – O pai, geralmente sob influência do álcool, comete o abuso sexual que, na maioria das vezes, não envolve coito. Esta forma de incesto pode ocorrer em famílias estáveis, nas quais existem boa relação pai-filha. Em geral, restringe-se a um episódio único, e o pai sente culpa e remorso. O ASI extrafamiliar é definido como qualquer forma de atividade sexual entre um não membro da família e uma criança. Na maioria dos casos de ASI extrafamiliar, o adulto é conhecido da criança. O adulto tem geralmente acesso a criança como visitante ( por exemplo: o amigo do pai, vizinho) ou como um “tomador de contas”(babá, professor, religioso). Existem, porém, casos de ASI extrafamiliar em que o responsável pelo abuso não é conhecido da criança. Os episódios são únicos e ocorrem com maior freqüência fora do ambiente familiar, incluindo atos sem violência física, como a pedofilia, ou até os atos violentos como o estupro. Como não há envolvimento direto da família, os pais e a criança com freqüência procuram rapidamente atendimento do profissional de saúde, contando uma história clara de abuso.
Segundo a gravidade do ato, os abusos sexuais podem ser divididos em : abusos sensoriais, como pornografia, exibicionismo, linguagem sexualizada; abusos por estimulação: como carícias impróprias em partes consideradas íntimas, masturbação, contatos genitais incompletos; abusos por realização: tentativas de violação ou penetração oral, anal, genital.
Existe um curso padrão que culmina com o abuso sexual da criança. No primeiro estágio, uma aproximação é feita. Aqui o perpetrador tem acesso à criança e oportunidade para comportamento inapropriado. O abusador articula situações que permitam ficar sozinho com a criança. A criança pode ser ameaçada se recusar a participar ou pode ganhar uma recompensa pela cooperação. O próximo estágio é a fase de atividade sexual típica, na qual o adulto pode progredir do olhar para as carícias ou comportamentos sexuais mais invasivos, como penetração do pênis ou sexo orogenital. Neste estágio, faz-se um pedido de segredo. A criança pode ser ameaçada com a perda das recompensas ou com violência física, caso ela conte o “segredo especial”. Alguns adultos ameaçam machucar a criança ou a si próprios. Outra ameaça comum é a de que a família será desfeita e a criança forçada a morar em uma casa de estranhos. No estágio de revelação, o abuso se torna conhecido. Isto pode ocorrer acidentalmente ou de propósito. A próxima fase é a de supressão. A criança se retrai sobre o abuso, devido às ameaças feitas pelo perpetrador ou pela negação dos pais ou pressão familiar para negar o abuso. A criança pode sentir-se parcialmente envergonhada ou querer proteger o abusador. Finalmente, o abuso deve parar e iniciar-se a fase de resolução. O ASI pode produzir feridas emocionais profundas, com efeitos de longa duração. Geralmente, o tratamento para seqüelas mais graves requer anos.
O profissional de saúde deve estar preparado para identificar não apenas os casos de abuso sexual em que há evidência de violência, como também aqueles casos intrafamiliares, sem danos físicos, em que o diagnóstico deve ser investigado minuciosamente.
O abuso sexual envolvendo membros da família, geralmente, não se constitui na queixa principal da consulta, de modo que o diagnóstico inicial pode passar desapercebido. Outros fatores concorrem para dificultar a identificação desses casos. A negação do problema, usualmente observada tanto por parte profissional de saúde quanto da própria família, deve ser destacada.
O ASI chega ao serviço de saúde de três formas: como queixa específica, feita pela vítima ou seus familiares; por outras pessoas, que se preocupam com a possibilidade de que o abuso possa estar ocorrendo; ou, finalmente, como causa subjacente do problema principal da consulta, que surge após avaliação minuciosa, mesmo que o problema principal não tenha relação aparente com o abuso.
Poucas vezes o abuso sexual é a queixa principal. Além disso, os serviços de emergência se constituem em sua principal via de acesso. Desse modo, na maioria das vezes escapa à detecção por exigir tempo e necessitar de uma equipe multidisciplinar integrada para sua identificação e atendimento adequado. Associa-se a isto a falta de treinamento para o reconhecimento e o manejo do mesmo pelo profissional de saúde.
A avaliação deve iniciar com a entrevista do adulto que trouxe a criança (sem a presença dessa). Durante a entrevista devem ser observados e documentados a história , o senso de percepção do adulto e sua resposta emocional ao evento. A criança deve, então, ser entrevistada separadamente. Deve-se iniciar com questões sobre a casa da criança, a escola e assim por diante, gradualmente direcionado para a configuração da família e , finalmente, para a suspeita de abuso propriamente dito. Os profissionais que entrevistam crianças devem lembrar que as perguntas iniciais não devem ser diretas, visando encorajar frases e sentenças espontâneas por parte da criança; porém, geralmente, crianças jovens requerem questões mais específicas para provocar sua memória do evento, pois assim, podem revelar espontaneamente os detalhes.
Recentemente, investigadores têm enfocado a possível contribuição de desenhos das crianças e jogos ou brincadeiras com bonecas anatômicas para confirmação de abuso sexual.
A American Medican Association (AMA) estabeleceu um guia específico para se entrevistar uma criança com suspeita de abuso sexual ( Quadro 1 ).

QUADRO 1
FAÇA
1. Conduza a entrevista em particular.
2. Tente estabelecer um relacionamento empático e de confiança.
3. Em caso de abuso sexual e físico grave, faça com que a criança seja entrevistada pelo profissional mais experiente disponível.
4. Explique o propóito da entrevista em liguagem apropriada ao nível de desenvolvimento da criança.
5. Pergunte se a criança tem alguma dúvida e responda.
6. Cuidadosamente explique à criança a razão e a natureza de removê-la de sua casa, se a hospitalização for iminente.
7. Utilize os termos próprios da criança.
8. Reconheça que a situação deve Ter sido difícil para a criança e que não foi culpa dela.
9. Sente-se próximo à criança, não em frente a uma mesa ou escrivaninha.
10. Sente-se ao nível dos olhos da criança.
11. Faça perguntas diretas e sem julgamento.

NÃO FAÇA
1. Sugerir resposta à criança
2. Pressionar a criança para respostas que ela não seja capaz de dar.
3. Criticar a escolha das palavras pela criança.
4. Sugerir que a criança deva sentir-se envergonhada ou culpada pela situação.
5. Deixar a criança sem atenção ou co pessoas desconhecidas.
6. Demonstrar choque ou horror em relação à criança ou à situação.
7. Fazer qualquer promessa que não possa ser cumprida (por exemplo: tudo que você me disser será confidencial; ou você nunca mais será machucada novamente ).

SINAIS E SINTOMAS

Varios ssintomas comportamentais, psiquiátricos e físicos aparecem na criança sexualmente abusada.

Indicadores comportamentais da idade pré-escolar

– Choro excessivo sem razão aparente;
– Irritabilidade ou agitação extrema na criança;
– Fracasso no desenvolvimento;
– Regressão a etapas do desenvolvimento anteriormente já ultrapassados como: enurese, encoprese, chupar o dedo, falar como bebê;
– Presença de medo como: medo do escuro, de ir para cama, ser deixado com certas pessoas;
– Brincadeira repetitiva de sexo com bonecas, brinquedos, animais, com outras pessoas ou sozinha. Essa brincadeira geralmente tende a ser bastante específica, pois a criança simula o que aconteceu com ela. Este tipo de brincadeira ultrapassa os limites da exploração sexual normal para a sua idade;
– Masturbação excessiva, chegando ao grau de irritar os órgãos genitais ou comportamento repetitivo, incessante, em público;
– Distúrbios do sono, incluindo pesadelos, recusa de ir para cama, de dormir no quarto;
– Apego excessivo e particularmente a certos adultos;
– Retraimento de situações sociais;
– Mudança nos hábitos alimentares, tanto aumento como diminuição do apetite;
– Conhecimento explícito de atos sexuais, acima do nível de desenvolvimento normal para a idade.

Indicadores comportamentais da criança sexualmente abusada na idade escolar

– Problemas escolares, incluindo fobia da escola ( podem indicar vitimização por empregados relacionados à escola), ausências freqüentes, medo de ir para a casa após a escola, mudança na performance acadêmica;
– Temas de violência em trabalhos artísticos ou escolares;
– Retraimento social;
– Desenvolvimento de amizades inadequadas à idade, especialmente no caso de crianças menores, que possam ser controladas;
– Imagem distorcida do corpo e problemas relacionados, tais como medo de tomar banho com outros após ginástica, medo de outros verem-na despida e usar várias camadas de roupas para esconder o corpo;
– Conhecimento sexual avançado para a idade;
– Excessiva mudança de humor;
– Expressões impróprias de raiva ou tentativa de suicídio;
– Início súbito de enurese;
– Distúrbios de alimentação, incluindo bulimia, anorexia e polifagia compulsiva;
– Comportamento sexual explícito para com os adultos, tentando agradar, flertando e fazendo propostas sexuais ( como se fosse a maneira que a criança aprendeu para lidar com os adultos );
– Simulação de atividade sexual sofisticada com crianças menores.

Indicadores comportamentais da criança sexualmente abusada na idade adolescente.

– Constante ausência de confiança;
– Relacionamento pobre com semelhantes;
– Baixa auto-estima;
– História de fuga;
– Distúrbio do sono, incluindo pesadelos, sono excessivo;
– Problemas escolares, incluindo mudanças na performance acadêmica e ausência excessiva;
– Retraimento e isolamento de amigos e semelhantes;
– Abuso de álcool ou drogas;
– Automutilação, incluindo tatuagem, corte e queimaduras casuais do corpo (geralmente para aliviar a dor ou pressão interior);
– Contatos sexuais múltiplos, “má” reputação ou agir de forma sexual indiscriminada;
– Depressão clínica, necessitando de intervenção médica, medicamentos ou outros tratamentos;
– História de tentativa de suicídio.

Indicadores familiares de abuso sexual infantil

– Isolamento geográfico social. A família tende a voltar-se a si mesma, morando em uma área remota ou severamente limitada em suas interações sociais, isto protege o segredo do abuso;
– Extrema desconfiança de estranhos;
– Modelo de comunicação disfuncional, incluindo segredos, comunicação indireta;
– Desequilíbrio do poder dos pais, com o pai sendo, geralmente, autoritário;
– Reversão de funções, com uma forte necessidade de dependência parental, a criança é forçada a cuidar das necessidades dos adultos;
– Dependência química;
– Outras formas de violência no relacionamento, incluindo abuso do cônjuge, abuso físico da criança e negligência;
– Problemas conjugais, incluindo disfunção sexual;
– Incidentes anteriores de abuso sexual.

Sintomas Psiquiátricos

A sintomatologia de adultos, vítimas de abusos na infância varia e freqüentemente preenche critérios para várias categorias diagnósticas, segundo o CID- 10, tais como: transtorno depressivo, abuso de álcool ou outras substâncias, transtorno de personalidade (ressaltando o transtorno borderline), reações de ajustamento, dissociação, transtornos psicóticos e somatização. A dissociação ocorre quando as vítimas do abuso sexual se distanciam psicologicamente da realidade, da confusão, da dor e do sofrimento do episódio abusivo.
Uma vítima de abuso sexual pode exibir vários sintomas de dissociação, tais como: não estar “centralizada “ou tocando o chão, sentindo-se fora do corpo, não se sentindo como se fosse ela mesma, perdendo contato com a realidade ou olhando a si mesma de uma certa distância. A mais extrema forma de dissociação resulta de uma desordem de personalidade múltipla. Pessoas com este distúrbio têm duas ou mais personalidades distintas, que tomam total controle de seu comportamento. Pesquisas têm demonstrado que a maioria das pessoas com transtorno de personalidade múltipla tem uma história de ASI.
A somatização surge de uma percepção disfuncional do corpo. Vítimas de abuso sexual podem tornar-se preocupadas com seu próprio corpo e sua vulnerabilidade para doenças. A somatização tem muitas manifestações físicas (Quadro 2).
QUADRO 2
Manifestações de somatização em crianças sexualmente abusada
1. Cefaléia
2. Distúrbios do sono.
3. Distúrbios do apetite.
4. Distúrbios gastrointestinais
—–síndrome do cólon irritável
—–cólon espástico
—–náuseas e vômitos
5. Manifestações ginecológicas
—–dor pélvica crônica
—–dispareunia
—–vaginismo
—–dismenorréia
6. Asma.
7. Palpitações.
8. Tensão muscular
9. Desmaios, fadiga e síncope.

Sintomas Físicos

Dentre os sintomas físicos temos: dor abdominal crônica, enurese, encoprese, infecção recorrente do trato urinário, corrimento vaginal, dano anogenital, queixa anal, principalmente em vítimas do sexo masculino ( fissuras, constipação) e gravidez na adolescência.

Sintomas a Longo prazo

Entres os sintoma a alongo prazo freqüentemente associado com abuso sexual prévio, encontram-se: distúrbios psicológicos e psicossomáticos, frigidez, vaginismo, dispaurenia, promiscuidade sexual, impotência, pedofilia e pederastia, dificuldade sexual no casamento, incesto, prostituição, homossexualismo, uso de drogas, delinqüência juvenil, baixa auto-estima, depressão, sintomas conversivos e dissociativos, automutilação e múltiplas tentativas de suicídio.

Exame Físico

O exame deve ser completo e orientado para a pesquisa de trauma físico ou sexual. Os achados variam, desde o exame físico normal até manifestações físicas dificilmente negáveis, como doenças sexualmente transmissíveis (DST) e gravidez em idade precoce. A ausência de achados físicos não exclui o diagnóstico de abuso sexual em crianças.
Ao iniciar-se o exame, é importante saber se o abuso é recente (menos de 72 horas), pois nestes casos haverá maior probabilidade de achados físicos. Também é relevante conhecer se houve penetração e qual a freqüência da penetração, pois poderão servir como guia de orientação para o exame físico.
Os achados encontrados na área genital e anal variam, incluindo: eritema, escoriações, lacerações, fissuras, hematomas, sangramentos, corrimentos, presença de sêmen, edema genital, evidências e sinais de DST, vaginite, uretrite e gravidez. Lesões físicas em zonas não genitais também podem ocorrer, concomitantemente com o abuso sexual.
As lesões mais traumáticas costumam ocorrer em episódios únicos. Também se observou que crianças submetidas a abusos pelos pais ou parentes têm menos achados físicos em comparação quando o responsável pelo abuso é um estranho. Após múltiplos episódios, os achados físicos são mais sutis e lacerações e hematomas são raros. Quando há penetração vaginal, nota-se um aumento no tamanho do orifício himenal normal para idade.
Quando a penetração é anal, freqüentemente há hiperpigmentação perianal, espessamento da pele perineal, perda das dobras normais do ânus e diminuição do tônus muscular ao exame digital. Ruptura parcial do esfíncter anal pode acarretar incontinência fecal, mas este é um achado raro.

Evidências Forenses

O tempo de sobrevida do espermatozóide se encontra diminuído em garotas pré-púberes, devido à falta de muco cervical. A demora em fazer o exame diminui a probabilidade de que os espermatozóides sejam detectados. Estes raramente têm sido detectados em secreções cervicovaginais de vítimas de estupro pós-puberdade com mais de 12 horas do abuso. A fosfatase ácida positiva tem sido encontrada por mais de 22 horas após o abuso sexual e por mais de 30 horas após relação sexual voluntária. Como os espermatozóides são detectados em espécies sem atividade de fosfatase ácida, o teste da fosfatase ácida não deve ser o único método usado para se avaliar a presença de sêmen. Uma glicoproteina do sêmen de origem prostática, p30, tem sido detectada em swabs de fluido vaginal até 47 horas após relação sexual voluntária. A utilização de um anticorpo monoclonal para um peptídio secretado pela vesícula seminal no homem, MHS-5 (Mouse Antihuman Sperm-5) não é dependente da presença do esperma e tem sido usado com sucesso na identificação de fluido seminal em amostras forenses até seis meses depois do ato.
A evidência de fluido seminal não é o único material forense que pode ser coletado durante o exame da vítima de abuso sexual. Qualquer anormalidade ou material que corrobore uma história de abuso sexual será uma evidência e deve ser documentado e preservado.

Notificação

Reportar casos suspeitos de abuso sexual é sempre ético, uma vez que a finalidade é proteger a saúde da criança. Uma criança sexualmente abusada que permanece não identificada, não notificada, não tratada, está sujeita a abusos subsequentes e a uma multiplicidade de seqüelas de longa duração.

* Médico Psiquiatra.
Residência no Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo.
Formando em Psicoterapia Existencial pela SAEP e IFEN.
Médico concursado do Hospital Municipal Jurandyr Manfredini (Colônia Juliano Moreira).

 
http://www.existencialismo.org.br/jornalexistencial/andreseabraabusosexual.htm

Redação

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