Armando Coelho Neto
Armando Rodrigues Coelho Neto é jornalista, delegado aposentado da Polícia Federal e ex-representante da Interpol em São Paulo.
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Brumadinho e demagogia (Muito além dos seis minutos em Davos), por Armando Coelho Neto

Brumadinho e demagogia (Muito além dos seis minutos em Davos)

por Armando Rodrigues Coelho Neto

Atribui-se a Tim Maia a autoria da frase “a demagogia é uma mentira mentirosa”. Sábio vaticínio.

O consórcio midiático-jurídico-financeiro que, violentando a Democracia, conseguiu abrir espaço para a vitória eleitoral da ultradireita no pleito de 2018, abusou das redes sociais para difundir falácias em caráter sistemático. Dentre os maiores engodos aplicados aos eleitores se incluem as pretensas prioridades à segurança e ao desenvolvimento. Valendo-se de uma argumentação neoliberal rasteira, buscou-se convencer as pessoas que, no Brasil, o Governo intervém demais na atividade econômica, enquanto o “cidadão de bem” fica desassistido na sua luta pessoal contra a “bandidagem”. Libere-se o comércio de armas e munições, aprovem-se “leis mais duras”, incentive-se as forças policiais a recorrer à letalidade e demita-se o Estado das tarefas fiscalizatórias. Promessas ou ameaças de campanha, aliás, que começam a se concretizar já nos primeiros dias de gestão.

No que concerne à questão do meio ambiente, por exemplo, entre outros insultos declarados pelo “mito” do conservadorismo tropical, ele ameaçou, e foi filmado, que não se pode conviver com o ambientalismo xiita do IBAMA e do ICMbio. E ameaçou dizendo que, no que estivesse ao seu alcance, iria reduzir o quadro de servidores desses organismos. Pausa para o gesto de arminhas com as mãos, criando o même “lacrador” da semana nos grupos de Whats App. Que beleza, não? Ignorância orgulhosa acima de tudo e grana acima de todos. Vamos ganhar dinheiro poluindo e desmatando à vontade. E liquidar quem estiver contrário. Só que não…

Eis que a realidade, essa inconveniente que teima em não se vergar às convicções voláteis do Facebook, faz ruir a barragem de detritos de mineração da Companhia Vale, soterrando parte do Município de Brumadinho/MG. Desastre ambiental de proporções bíblicas, somente comparável a outro de semelhante natureza, motivado pela mesma empresa no Município de Mariana/MG, em 2015. Para além das centenas de mortos, do sofrimento atroz das famílias, da aniquilação do ecossistema, da perda mesmo dos referenciais de vida das comunidades e da mudança definitiva da morfogeologia local, surge o questionamento: será mesmo tão clara a correlação entre menos fiscalização e mais economia?

Para quem defende que um País mais rico e seguro se faz com mais armas e mais policiais e com menos atuação administrativa, o equívoco já começa na incapacidade de compreender o fenômeno. Prover estabilidade social é talvez a mais complexa e difícil responsabilidade estatal, desde que se tenha em conta que é um somatório de êxitos em diversas outras áreas, em caráter transversal (perpassando desde políticas públicas de assistência e saúde da família, passam pela educação, urbanização, cidadania, participação popular e probidade administrativa).

Na trilha civilizatória, o sistema jurídico de um País elege determinados bens (vida, saúde, infância, família, patrimônio, meio ambiente, moralidade pública, dignidade humana) como valiosos para aquela Sociedade Política. E determina a sua observância e proteção em vários níveis. O Direito Penal, como se ensina em qualquer faculdade, é a “ultima ratio legis”, isto é: entra em cena quando nada mais foi suficiente para evitar a causação de um risco ou de um dano para a coletividade – ou seja, apenas quando falharam a cultura, a religião, a escola, as regras de civilidade, a auto-composição dos conflitos, as esferas estatais administrativas e a seara judicial cível. Essa ordem não pode jamais ser invertida pois, ao menos no edifício civilizatório liberal, a sanção penal se apresenta como a mais drástica. É corolário lógico, assim, não ser a primeira alternativa de mediação da conflituosidade social.

Capacitar forças de segurança, investir em equipamentos e nos salários dos policiais, dar um tratamento previdenciário condigno a quem devota sua vida à proteção dos concidadãos são medidas indubitavelmente relevantes para que se aprimore as condições de vida em Sociedade. Não se pode ter a menor ilusão, contudo, de que segurança se atinge apenas com esforços de manutenção da Ordem Pública. O exemplo desceu o morro. De que adianta, neste momento, uma investigação primorosa, excelência pericial no dimensionamento dos danos ambientais e quantificação dos mortos e feridos? Ninguém poderá restituir a normalidade das vidas dilaceradas pelo desastre em Brumadinho.

Capitão Bozo, contudo, não pensa assim. Nos inacreditáveis seis minutos (esse é o tamanho da intimidade entre o “mito” do conservadorismo tropical e sua “pátria amada”, bem como a presumível profundidade) em que “dissertou” sobre o Brasil em Davos, o mundo assistiu a um governante inseguro e despreparado vender facilidades ambientais e financeiras para que o capital estrangeiro viesse explorar nossas riquezas naturais (algo que os brasileiros, obviamente, não são capazes).

Tenha a certeza de que, se algum investimento vier, não será do tipo que nos ajudará a desenvolver economicamente o País. Por que os investidores de países desenvolvidos não pensam com a lógica superficial das mentiras contadas ao povo brasileiro para enganá-lo eleitoralmente. Mesmo sem ter ouvido Tim Maia. 

Armando Rodrigues Coelho Neto – advogado e jornalista, delegado aposentado da Polícia Federal e ex-integrante da Interpol em São Paulo

Armando Coelho Neto

Armando Rodrigues Coelho Neto é jornalista, delegado aposentado da Polícia Federal e ex-representante da Interpol em São Paulo.

7 Comentários

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  1. Ainda não vi a esquerda

    Ainda não vi a esquerda encomendar alguns caminhões da autêntica lama de Brumadinho para despejar na piscina do dono e do CEO da Vale e na casa do vagabundo J. E vocês?

    É preciso parar de falar e começar a agir.

      1. Bolsonaro não pode ser culpado … não deu tempo!

        Nem Fabio Oliveira Ribeiro (em relação ao Bozo) nem Andre tem razão em culpar o Bozo (a menos de uma prisão preventiva preditiva…) ou o Pimentel (quem aprovou foi a assembléia).

        No entanto, os Bozonários (que estão tentando culpar até a Dilma com sua habitual ignorância farsesca) defendem com unhas e dentes a inocência do governo Bozo. E é verdade! Afinal nem deu tempo deles implementarem as sua politicas de devastação do meio ambiente e das PESSOAS que nele vivem, piores do que as que já existem e nem foram totalmente implementadas.

        Eles pelo menos deveriam se preocupar em defender um despreparado cujas idéias de “flexibilização” e visão de “indústria de multas” que “atrapalham” os pobres empresários trará danos muito mais nefastos, o que já preocupa governos de todo o planeta, sejam eles “socialistas” ou capitalistas.

        Meu medo é que os Bolsonários morrerão de quatro com a cabeça enfiada na lama. Que percamos a única oportunidade boa que este governo bozo nos oferece:

        Aprendermos com os erros.

  2. O que dizem empresários e políticos?
    Enquanto os empresários culpam os políticos, porque estes não fiscalizam aqueles, os políticos culpam as empresas:

    “Se bem que a questão da Vale do Rio Doce não tem nada a ver com o governo federal. Apenas cabe a nós a fiscalização. A nós, cabe aí a fiscalização por parte do Ibama, que é um órgão vinculado ao Ministério do Meio Ambiente, e buscar meios para se antecipar a problemas, mas esses meios partem primeiramente da empresa, que executa a obra”. – Jair Bolsobosta

    É um jogando a culpa no outro.

  3. ISRAEL esta desembarcando

    ISRAEL esta desembarcando aqui de mala e cuia  ..qual o significado disso ?

    Acostumados em gerenciar crises e situações de risco  ..havemos de concordar que a aposta deles é bem ambiciosa e atrevida, não ?

    Eu ainda espero acreditar que o PLANETA, em breve, nos ajudará a DEFENESTRAR esta cambada GOLPISTA do PLANALTO..

     ..e aqui, sonho, levando junto grande parte dos atuais anões das FFAA e do Judiciário que se atreveram a colocar suas taras contra quem deles discordasse

  4. A questão é, estivéssemos
    A questão é, estivéssemos num governo de esquerda a tragédia teria acontecido assim como aconteceu em Mariana.
    Pode aplicar um ambientalismo xiita no IBAMA e no ICMbio, pode triplicar o número de servidores, mas enquanto não mudarem as leis que regem o fornecimento de licenças ambientais e de operação e, principalmente, enquanto não forem aplicadas multas bilionárias e cadeia pros chefões das empresas e políticos responsáveis, e investigado (alô MP, alô PF, alô lava jato,,,pra isso vcs não servem?) as quadrilhas que agem dentro do sistema azeitando manobras pra que empresas maximizam seus lucros às custas de vidas alheias, enquanto não resolverem nada disso essas tragédias continuaram a acontecer.

  5. O povo brasileiro continua

    O povo brasileiro continua acreditando que Bolsonaro sera capaz de mudar ou melhorar o Pais? Pelo menos existe ainda uma parte irredutivel, aquela que odeia o PT e uma parte dos evangélicos. Ontem um desses disse-me que Bolsonaro não tem nada a ver com milicias e que é preciso esperar as investigações (eu ria com meus botões porque quando era com o Lula, o argumento era outro) e quanto à barragem da Vale, a “culpa” também não é “dele” ( desse governo), pois ainda não deu tempo para “ver tudo isso”.  Não sei qual percepção tem a população hoje de Bolsonaro, não vi se ja fizeram uma sondagem apos sua desastrosa participação em Davos, mas pelo jeito ainda não chegamos no fundo do poço. 

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