Cachorradas

 

   O discurso é espumante:

   – Pegaram o Rosemary! Cirurgia plástica e cruzeiro de navio!

   – Acorda, Brasil! Isso é uma vergonha!

   – Imagina na Copa!

   A conversa vai render, haja paciência com oposicionistas, incautos e seu incorrigível complexo de vira-latas. Um mínimo de intuição sobre grandezas numéricas cairia bem a todos, algo como saber a diferença entre  1 mi e 1 bi. Ajudaria a estabelecer prioridades, a não ser que essa falta de intuição algébrica das pessoas conte a favor. No frigir dos ovos, a PF agiu, os envolvidos foram rapidamente afastados, as sindicâncias foram abertas, tudo nos conformes. Se os órgãos de investigação e controle da sociedade funcionassem nos anos 90 como funcionam hoje, não teria sido tão fácil vender o país a estrangeiros em troca de moedas podres e uma explosão da dívida pública. Apesar da crescente autonomia e transparência na malha institucional, é certo que ainda existem muitos “infiltrados” na PF e no Ministério Público. Isso faz parte da dinâmica do mundo político em uma democracia de coalizão. Produz, como efeitos deletérios, o acobertamento de processos graves e a esṕetacularização de processos banais.

   Fiquemos atentos, portanto, ao tramitar dos casos tenebrosos (corrupção, lavagem de dinheiro, formação de quadrilha) que foram citados no relatório da CPI do Cachoeira. O tamanho do papelório e a fartura de provas assustam. Repito e estico: devemos acompanhar, conferir e cobrar. Os indiciados são figurões da cena política nacional. Entre eles, nada mais, nada menos que o Procurador Geral da República (Roberto Gurgel), o governador de Goiás (Marconi Perillo, do PSDB) e o Editor Chefe da revista Veja (Policarpo Jr.). Os imensos volumes do relatório final da CPI arrolam empresas e jornalistas, arapongas e lobistas, além dos que já foram removidos do poder público, dos encarcerados e realocados.

   O menosprezo dos principais noticiários em relação ao escândalo Cachoeira reflete o baixo interesse dos cartolas midiáticos por valores éticos mais nobres. Neste caso, respiramos uma atmosfera de silêncio criminoso, de resmungo e sabotagem. Contra os crimes denunciados, ficaram mudos aqueles que enchem a boca para cacarejar no galinheiro dos honestos. Querem uma nova CPI do Fim do Mundo. Dizem que é tudo vingança, insuflados pelos engavetadores e seus redatores de plantão. Nem vale a pena falar dos parlamentares obstrutores, pois nada apitam no oposicionismo contemporâneo capitaneado pelos poderes sem voto (mídia e Judiciário). Há muitos remanescentes da velha UDN sentados em cima de pilhas de papel. Esse pessoal gera muita manchete vazia para os jornalões, lança cortinas de fumaça, levanta a bola para os mercadores do espetáculo. A velha mídia decadente, por sua vez, cumpre direitinho o seu propósito de enganar aquele leitor ignorante, aquele inocente útil, tangido como gado, que percorre as manchetes rapidamente a fim de atender os apelos de seu falso moralismo e de sua irrisória compreensão dos tempos. A pauta mundana de todos os dias integra uma tática de guerrilha e enverga o mesmo tacape golpista brandido em diversos episódios da nossa História recente.

   Com todos os atropelos de nossa democracia novata, creio que ainda trilharemos um lento e penoso caminho de melhoria do tecido institucional. Há avanços e há necessidade de avançar. Para não se desviar do caminho, é preciso perseguir o sonho da igualdade, mostrar serviço e manter os cães que ladram à beira da estrada, enquanto se desmontam os seus esquemas. E há que cortar da própria carne, se for preciso. Não é pouca coisa, mas os avanços observáveis apontam que a direção é correta. A caravana popular segue, para desalento dos que latem.

Obs: o texto é bem canino, mas quero acrescentar que nada tenho contra a cachorrada (no sentido literal), muito pelo contrário.

Redação

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