Clone de No Brasil, Agentes da Lei Que São Fora da Lei

 Publicado em: 09 de janeiro de 2012
New York Times

SIMON ROMERO e BARNES TAYLOR
NITERÓI, Brasil – Patrícia Acioli, uma juíza conhecida por prender policiais corruptos, estacionava seu carro na entrada da garagem de sua casa numa noite de agosto nesta cidade do outro lado da baía do Rio de Janeiro. Ao mesmo tempo chegaram seus perseguidores e
executaram o serviço, deram-lhe 21 tiros até que seu corpo desabou no banco de seu carro.
“Eu corri para fora quando ouvi os tiros”, disse seu filho, Mike Chagas, 20, estudante universitário.
“Ninguém merece ter a experiência de ver sua própria mãe morta a tiros na porta de casa.
“Eu sabia, naquele momento, que ela morria devido ao seu trabalho”, disse ele
.

Horas antes de ser baleada, a Juíza Acioli tinha emitido mandados de prisão para três policiais acusados de matarem um homem desarmado de 18 anos de idade em uma favela, e que faziam parte de um grupo de agentes sendo investigado por formação de esquadrão de extermínio. Os três homens foram presos mais tarde por conexão com esse assassinato, juntamente com outros oito membros da força policial.


Seus testemunhos no tribunal local, descritos com detalhes arrepiantes de como eles seguiram a Juíza Acioli e como vinham durante meses planejando matá-la, revelaram um aspecto perturbador das recentes e arrojadas políticas de segurança do Rio de Janeiro, que tem como objetivo maior preparar a segurança da cidade antes de receber a Copa de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016.


Os agentes têm sido elogiados por recuperarem áreas dominadas pelos traficantes de drogas em várias favelas numa vasta área metropolitana onde vivem 11,8 milhões de habitantes. Mas a imagem de uma cidade em recuperação tem sido prejudicada pelas ações de sua própria força de segurança, particularmente pelas milícias que surgem e se espalham, formadas em grande parte por policiais da ativa e aposentados, guardas de prisão e soldados.


Esses grupos funcionam como se fossem um braço criminoso do Estado. De acordo com investigações judiciais, eles extorquem os moradores exigindo dinheiro para proteção, operam o transporte público paralelo, cobram comissões das transações imobiliárias, castigam aqueles que atravessam seus negócios, e o mais alarmante, realizam execuções extrajudiciais.


Alba Zaluar, antropóloga da Universidade Estadual do Rio de Janeiro que estuda a segurança pública, vê as milícias ocupando um papel paramilitar, indo muito além da linha do policiamento legal. Seu poder está se expandindo, de acordo com a pesquisa que ela supervisiona 45 por cento das favelas do Rio de Janeiro estavam sob o controle de milícias em 2010, contra 12 por cento em 2005.
“Eles estão invadindo, tomando conta, e vem comprando as favelas dos traficantes”, disse a Sra. Zaluar.


Embora as milícias foram somente recentemente ampliadas com vigor, seu domínio em várias partes do Rio, especialmente na periferia oeste da cidade não é nenhuma novidade. Originalmente chamada de “polícia mineira”, uma reverência às táticas agressivas do policiamento de Minas Gerais, um estado que faz fronteira com o Rio, essas milícias têm operado no Rio por três décadas.


Uma investigação legislativa de 2008 sobre as milícias do Rio de Janeiro levou à prisão de vários funcionários ligados aos grupos, incluindo legisladores, vereadores e oficiais da polícia. As milícias do Rio, juntamente com os esquadrões da morte formados por policiais na vizinha São Paulo, têm sido responsáveis por centenas de assassinatos a cada ano e a impunidade nestes casos permanece como norma, de acordo com um relatório da Human Rights Watch de 2009.


Os agentes do Rio, incluindo Fábio Galvão, subsecretário da inteligência do Estado, dizem que estão bem conscientes do problema, alegam que com o crescimento das milícias desde a metade da última década, assim também cresceu o número das prisões de membros da milícia suspeita, de apenas 5 detenções em 2006 para 250 em 2009 e 143 em 2010.


Mas, pondera o Sr. Galvão, combater esse problema tornou-se mais desafiador não só pelo crescimento das milícias, mas pela capacidade dos seus líderes presos em coordenarem as atividades por de trás das grades.


Galvão disse que a grande expansão das milícias ocorreu cerca de seis anos atrás, antes dos episódios de grande repercussão como o do assassinato da Juíza Acioli que recebeu atenção da mídia. “Um monstro estava crescendo”, disse ele. “Quando eles começaram a repressão, já era um grande negócio”.


Nos últimos meses, surgiram sinais de que as milícias estão se expandindo para além do seu reduto no Rio de Janeiro. Um relatório no jornal O Globo descreveu como as milícias se espalharam para 11 dos 26 estados do Brasil, muitas vezes inicialmente convencendo os moradores da favela, matando traficantes de drogas antes de impor seus próprios métodos de coerção e controle.


O Sr. Galvão, o oficial de inteligência, ecoando os acadêmicos que estudam as milícias, disse que embora os homicídios tendam a diminuir nas áreas sob controle de milícias, outros crimes, como espancamentos e estupros, muitas vezes aumentam.


O uso de tortura por parte das milícias foi detalhada em uma narrativa angustiante feita em 2011 por Nilton Claudino (vale a pena ver aqui no piauí), ex-fotógrafo de um jornal do Rio que foi descoberto junto com uma repórter por um grupo de milícia, quando trabalhavam em uma missão secreta no Jardim Batan, uma favela carioca.


Ele descreveu sete horas de tortura excruciante, com métodos que  incluíam choques elétricos e sufocamento temporário com sacos plásticos. Afirmou que no meio de seus torturadores, uma milícia chamada Águia, ou Eagle, incluíam vários policiais. Depois disso desapareceu do Rio e se escondeu.


“Um dos meus torturadores me disse: ‘Sua vida nunca mais será a mesma'”, Claudino escreveu na narrativa. “Ele estava certo”.


Nem os agentes públicos, nem os pesquisadores têm estimativas confiáveis de quantos membros das milícias operam no Rio, embora se acredite que sejam às centenas ou talvez muito mais.


O descaramento dos líderes de milícias, incluindo aqueles recentemente detidos ou presos, tem sido notável. Ricardo Teixeira da Cruz, líder de uma milícia denominada Liga da Justiça, foi relatado em 2011 que comandava seus subordinados de dentro da prisão. Outro líder da mesma milícia escapou da prisão em setembro, um dia depois que autoridades desmantelaram o grupo.


No dia de testemunho no julgamento do caso da Juíza Acioli em novembro, Cláudio Luiz de Oliveira, um alto oficial preso e acusado de ordenar o assassinato, sorriu para os fotógrafos. A juíza investigava seu envolvimento e de seus subordinados em dezenas de assassinatos nos quais alegaram resistência à prisão pelas pessoas mortas.


Outros policiais presos no caso de Niterói descreveram como tinham repassados para uma milícia do outro lado da baía a responsabilidade de matar a juíza. Mas furiosos com os mandados de prisão, simplesmente optaram por matá-la eles mesmos. Os investigadores ainda estão tentando determinar se os assassinos pertenciam a uma milícia específica ou a um esquadrão da morte mais frouxamente organizado.


“Eu me senti injustiçado e decidi executá-la”, disse Sérgio Costa, um de seus assassinos. Disse ter usado duas armas na emboscada. “Como eu não tinha certeza que ela estava morta, saquei outra arma e lhe mandei mais tiros”.


A indignação continuou após o assassinato da juíza, em agosto. Outros juízes falaram em ameaças de morte. Manifestantes até montaram um sacrário na praia de Niterói em memória da juíza, postando mensagens de luto em uma árvore, incluindo uma com letras quase apagadas “guerreira contra a impunidade.”


Em dezembro, Djalma Beltrami, o novo comandante do batalhão de polícia que a Juíza Acioli investigou, foi preso por acusações de corrupção. Agentes o acusaram junto com mais outros 10 policiais de recepção de quase $100.000 em subornos dos traficantes de drogas de uma favela não muito longe do local onde a Juíza Acioli foi morta.

Redação

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