“Diante de nós está uma decisão difícil”: os bastidores do cessar-fogo na Faixa de Gaza 

Renato Santana
Renato Santana é jornalista e escreve para o Jornal GGN desde maio de 2023. Tem passagem pelos portais Infoamazônia, Observatório da Mineração, Le Monde Diplomatique, Brasil de Fato, A Tribuna, além do jornal Porantim, sobre a questão indígena, entre outros. Em 2010, ganhou prêmio Vladimir Herzog por série de reportagens que investigou a atuação de grupos de extermínio em 2006, após ataques do PCC a postos policiais em São Paulo.
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Reunião entre gabinetes de Israel levou quase dois dias com embates entre os grupos políticos de extrema direita que compõem o governo

Nesta captura de tela de um vídeo divulgado pelo governo, ministros se reúnem para votar um acordo de reféns com o Hamas no dia 21 de novembro. O acordo foi aprovado na madrugada de 22 de novembro. Foto: The Times of Israel/Captura de tela/X

O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, disse, num comunicado antes da votação dos gabinetes de segurança e de guerra pelo cessar-fogo temporário, que a guerra contra o Hamas continuará até que todos os objetivos de Israel sejam alcançados, destacando se tratar de “uma decisão difícil”.  

A reunião, a portas fechadas, sem acesso a jornalistas, começou na noite desta terça-feira (21) e continuou até esta quarta-feira (22) pela manhã, conforme o fuso horário de Tel Aviv, com a decisão pelo cessar fogo.

“Diante de nós está uma decisão difícil, mas a certa”, declarou Netanyahu durante os preparativos para a votação, cujo resultado foi de 35 a 3 pelo cessar-fogo. 

Se por um lado familiares de israelenses sequestrados vinham pressionando há semanas o governo por este acordo, a Associação de Vítimas do Terror de Almagor disse na manhã desta quarta-feira (22), conforme o jornal The Times of Israel, logo após a decisão dos gabinetes, que apresentaria uma petição ao Supremo Tribunal de Justiça contra o acordo. 

Em uma carta ao ministro da Justiça Yariv Levin, o fundador da Almagor, Meir Indoor, juntamente com o membro do conselho, Aryeh Bachrach, escreveram que a organização acredita que “as mesmas armadilhas no acordo estavam [presentes] em quase todos os outros negócios [de reféns] no passado”.

O Tribunal Superior ouvirá qualquer petição apresentada durante o dia, e espera-se que rejeite tais apelos, como fez com as petições contra o acordo para libertar Gilad Shalit de Gaza, em 2011, em troca de mais de 1 mil prisioneiros palestinos.

Trocar reféns e derrubar o Hamas 

Em resposta a esses questionamentos, que motivam debates intensos em Israel, Netanyahu sustentou que derrubar o Hamas, que governa Gaza, libertar os reféns e garantir que não haja mais ameaças contra Israel na Faixa de Gaza seguem sendo os objetivos por trás da decisão dos gabinetes.

“Estamos em guerra e a guerra continuará até que todos os nossos objetivos sejam alcançados”, disse Netanyahu, em matéria do The Times of Israel, acrescentando que o retorno dos reféns era uma “prioridade sagrada e estou comprometido com isso”.

Durante a reunião dos gabinetes israelenses, todas as agências de segurança – as Forças de Defesa de Israel (FDI, na sigla em inglês), Shin Bet e Mossad – expressaram o seu apoio ao acordo. A mídia hebraica disse que este endosso convenceu vários ministros que estavam em cima do muro, incluindo o ministro da Unidade Nacional, Gideon Sa’ar, a apoiar o acordo.

Netanyahu insistiu que certas condições fizessem parte do acordo, incluindo a potencial liberação de mais reféns após a pausa de quatro dias, o compromisso do Hamas de identificar e localizar reféns detidos por outos grupos na Faixa de Gaza, além da recusa em libertar palestinos condenados por homicídio.

Israel acredita que o Hamas poderia potencialmente localizar cerca de mais 30 mães e crianças israelenses além das 50 iniciais, e a suspensão dos combates seria estendida por um dia para cada grupo de mais dez reféns israelenses localizados e libertados, disse o funcionário do governo.

O Hamas afirma que não conseguiu localizar imediatamente cerca de dez crianças levadas de Israel durante o ataque chocante de 7 de Outubro.

Aumentar a pressão sobre o Hamas 

O ministro da Defesa Yoav Gallant, do mesmo partido de Netanyahu, o Likud, disse numa declaração separada, antes da reunião, divulgada pelo The Times of Israel, que a ofensiva terrestre de Israel em Gaza é um fator chave para “aumentar a pressão” sobre o Hamas para negociar.

“Sem a pressão e a pressão contínua [sobre o Hamas], não haverá possibilidade” de garantir a libertação dos próximos grupos de reféns, disse ele, prometendo que, uma vez terminado o cessar-fogo, as operações de Israel em Gaza serão retomadas “em plena força“.

O Ministro Benny Gantz, membro do gabinete de guerra, disse que o acordo de reféns proposto “é a base para continuar os esforços operacionais necessários [em Gaza], incluindo na arena sul e possivelmente em outras arenas”.

“Direi honestamente: este [acordo de reféns] é um esboço difícil, é doloroso, mas também está certo”, disse Gantz.

Como os grupos políticos no governo votaram 

Apesar de ter expressado anteriormente oposição ao acordo, o partido de extrema direita Sionismo Religioso votou a favor, com apenas membros da facção ultranacionalista Otzma Yehudit, da qual faz parte o ministro da Segurança Nacional, Itamar Ben Gvir, votando contra.

Os três ministros da facção de extrema direita Otzma Yehudit foram os únicos membros do gabinete a votar contra o acordo.

Embora tenha acabado por apoiar o acordo, o Sionismo Religioso disse antes da votação que o Hamas está desesperado por um cessar-fogo e que o acordo dá ao grupo terrorista exatamente aquilo de que necessita. 

A facção de extrema direita também afirmou que o acordo abandona os reféns restantes. O sionismo religioso disse que a única maneira de garantir a libertação de todos os reféns é através de uma abordagem militar intransigente.

Na sua própria declaração, a facção Otzma Yehudit disse que o consentimento do Hamas ao acordo prova que ele não deveria ser feito e alertou que levaria a um aumento da pressão internacional sobre Israel para não retomar os combates depois de o cessar-fogo expirar.

Os partidos ultraortodoxos Shas e Judaísmo da Torá Unida apoiaram o acordo, juntamente com o Likud, de Netanyahu, e o partido Unidade Nacional, de Gantz.

Discussões calorosas 

Várias discussões tensas ocorreram durante a sessão de gabinete, com relatos do The Times of Israel e do Haaretz dizendo que Gantz respondeu com raiva ao ministro das Finanças Benzalel Smotrich, que expressou a preocupação de que o Hamas tentará estender o cessar-fogo.

“Você confia em [Yahya] Sinwar mais do que em nós?”, teria dito Gantz referindo-se ao chefe do Hamas em Gaza, que Israel acusou de ajudar a planejar os massacres de 7 de outubro.

Noutra conversa, os ministros do Likud, Miki Zohar e Gila Gamliel, confrontaram Ben Gvir por realizar uma reunião de facção antes da reunião do gabinete, depois de anunciar que o seu partido ultranacionalista votaria contra o acordo. 

Gamliel supostamente enfatizou a Ben Gvir a importância da unidade. “Mas não estamos unidos”, disse Ben Gvir. “Esta é uma decisão com danos geracionais que voltará a nos prejudicar gravemente”, atacou. 

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Renato Santana

Renato Santana é jornalista e escreve para o Jornal GGN desde maio de 2023. Tem passagem pelos portais Infoamazônia, Observatório da Mineração, Le Monde Diplomatique, Brasil de Fato, A Tribuna, além do jornal Porantim, sobre a questão indígena, entre outros. Em 2010, ganhou prêmio Vladimir Herzog por série de reportagens que investigou a atuação de grupos de extermínio em 2006, após ataques do PCC a postos policiais em São Paulo.

1 Comentário

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  1. Haverá esperança em um mundo melhor se, após cessar o inacreditável ‘Extermínio televisado’, perpetrado em Gaza, todos esses ‘responsáveis, distintos, absolutos e resolutos senhores de liminar razão’, vierem a sentar-se no banco dos rinocerontes da vez, para julgados internacionalmente, se condenados, serem executados pelos odientos e injustificáveis crimes praticados contra a humanidade, em escala industrial e da pior forma, covarde e ABSURDAMENTE convicta, contra milhões de vulneráveis, oprimidos e ‘descartáveis’ palestinos.

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