Elis Regina, ditadura e Lula

(Atualizado em 19 de janeiro, às 17h41)

Do Blog Mania de História

ELIS REGINA, A DITADURA MILITAR E LUIS INÁCIO LULA DA SILVA

1 04 2009

Este artigo é um primor. O autor: Sérgio Luz. A revista: Continente Multicultural, uma das melhores do País.
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Elis – Do inferno ao paraíso

Por Sérgio Luz

Sair da vida para um cemitério, é comum, acontece com todo mundo. Mas sair de um cemitério para a vida, só mesmo simbolicamente. Pois foi o que aconteceu com uma gaúcha chamada Elis Regina Carvalho Costa que, em 36 anos de vida, gravou 27 LPs, 14 compactos simples e seis duplos, que venderam um total de quatro milhões de cópias – um número até hoje impressionante.

Em poucos anos, Elis sai do Inferno para o Paraíso. Ao Inferno, ela chega ao ser “enterrada” no Cemitério dos Mortos-Vivos do Cabôco Mamadô – para onde o cartunista Henfil, no semanário O Pasquim, mandava pessoas que, na opinião dele, colaboravam com a ditadura militar no início da década de 70. Ao Paraíso, Elis ascende ao liderar um grupo de artistas de esquerda (Fagner, Belchior, Gonzaguinha, João Bosco, Macalé e Carlinhos Vergueiro, entre outros), que faz vários shows para levantar dinheiro para o Fundo da Greve do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo, no ABC paulista, em 1979.

Essa vivência política é um lado pouco conhecido de Elis Regina que, aos 18 anos, foi sozinha para o Rio de Janeiro, onde chegou a morar num quarto-e-sala na Rua Barata Ribeiro, 200, em Copacabana (um prédio tipo balança-mas-não-cai, celebrizado numa peça de teatro, “Um Edifício Chamado 200”, de Paulo Pontes).

Em 1965, acontece o estouro: Elis vence o I Festival de Música Popular, da TV Excelsior, com “Arrastão”, de Edu Lobo e Vinicius de Moraes. Elis fez pelo menos três shows antológicos: Falso Brilhante (1975), Transversal do Tempo (1977) e Saudade do Brasil (1980). Dos seus discos, a maioria de qualidade acima da média, o melhor é o que gravou com Tom Jobim, em 1974, nos EUA, considerado uma obra-prima, mesmo por quem não gosta de Elis Regina. Por causa do seu gestual no palco, agitando os braços como se nadasse de costas, Elis foi chamada de Elis-Cóptero e Élice-Regina, mas o apelido que pega, mesmo, é o que lhe dá Vinicius: Pimentinha. Sim, porque, dali em diante, já como estrela conhecida no país inteiro, ela iria, por assim dizer, apimentar muitos aspectos da vida cultural brasileira, durante praticamente duas décadas.

Do cemitério à anistia – O episódio mais apimentado da vida de Elis, sem dúvida, foi o seu “enterro” no Cemitério do Cabôco Mamadô. Lá, ela fez companhia a gente como Wilson Simonal, Amaral Neto (um deputado carioca de direita, defensor da pena de morte e alcunhado de Amoral Nato), e Flávio Cavalcanti (um apresentador de TV que liderou, metralhadora na mão, a invasão e depredação do jornal Última Hora, no Centro do Rio de Janeiro, logo no início de abril de 1964).

Elis foi “enterrada” por Henfil por duas atitudes em relação ao Governo Federal, na época chefiado pelo ditador-de-plantão general Garrastazu Médici, o mais sanguinário dos militares-presidentes. Primeiro, foi a gravação de uma chamada veiculada em todas as TVs, a partir de abril, conclamando o povo a cantar o Hino Nacional no dia 7 de setembro de 1972. Foi o ano do Sesquicentenário da Independência, uma data que a ditadura aproveitou ao máximo (inclusive com a organização de uma Mini-Copa de futebol, vencida pela Seleção Brasileira).

Vários outros artistas também apareceram em chamadas de TV, promovendo a Olimpíada do Exército, em filmes produzidos pela Assessoria Especial de Relações Públicas da Presidência da República. A AERP foi uma reedição atualizada do DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda) do Estado Novo (1937-1945). Por isso, Marília Pêra, Paulo Gracindo, Tarcísio Meira e Glória Menezes, entre outros, também foram “enterrados”.
A segunda atitude de Elis que provocou a ira-santa de Henfil (e um segundo “enterro…”) foi a apresentação dela na Olimpíada da Semana do Exército, em setembro do mesmo ano, 1972.

Hoje, mais de 30 anos depois do Cemitério do Cabôco Mamadô do Pasquim, é preciso entender aqueles tempos-de-chumbo para compreender a postura radical de Henfil. Vivia-se um momento de intensa repressão política. Mas a razão principal do “enterro” de Elis, está no próprio Henfil – um artista engajado que não fazia concessões, e pagou por isso –, que tinha um irmão exilado, o sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, um militante que fugiu do Brasil para não ser assassinado pelos órgãos de segurança.

E Betinho, indiretamente, teve a ver com um dos motivos para a passagem de Elis do Inferno para o Paraíso: a gravação, em março de 1979, de uma das músicas politicamente mais engajadas da MPB, “O Bêbado e a Equilibrista”. De João Bosco e Aldir Blanc, a música foi uma espécie de hino de um dos mais importantes movimentos políticos da História do Brasil: a luta pela anistia ampla, geral e irrestrita. A campanha foi lançada em janeiro de 1978, com a criação do Comitê Brasileiro de Anistia (CBA), no Rio de Janeiro. “O Bêbado e a Equilibrista” – que emociona até hoje, fala na “volta do irmão do Henfil”. Na época, Betinho – que, como Henfil e o outro irmão, Francisco Mário, era hemofílico e pegou Aids numa transfusão de sangue – estava no México, esperando, justamente, a anistia.

Elis e Henfil: cara-a-cara – O “coveiro” Henfil e sua “defunta” Elis acabaram se encontrando, por iniciativa dela. Sobre esse momento, Henfil deu, três anos depois da morte da cantora, um depoimento tão sincero quanto comovente a Regina Echeverria, autora de “Furacão Elis” (Nórdica – Rio de Janeiro, 1985). O cartunista não pediu desculpas por tê-la “enterrado”, mas se arrependeu. Os dois acabaram amigos sinceros, trabalharam juntos e se falaram até dois meses antes da morte da cantora. Com a palavra, Henfil:

– Foi igualzinho a hoje. De repente, os artistas são arrebanhados pelo Governo, só que – eu não sabia – debaixo de vara, de ameaças, para fazerem uma campanha da Semana do Exército. O que eu vi, na realidade, foi o comercial de televisão. Me aparece o Roberto Carlos dizendo: “Vamos lá, pessoal, cantar o Hino Nacional”. E, de repente, a Elis surge regendo um monte de cantores, de fraque de maestro, regendo o Hino Nacional. E nessa época nós estávamos no Pasquim e eu, mais que os outros, contra-atacando todos aqueles que aderiram à ditadura, ao ditador-de-plantão. (…). Eu só me arrependo de ter enterrado duas pessoas – Clarice Lispector e Elis Regina. (…) Eu não percebi o peso da minha mão. Eu sei que tinha uma mão muito pesada, mas eu não percebia que o tipo de crítica que eu fazia era realmente enfiar o dedo no câncer. Quando nos encontramos anos depois, (…) fomos jantar numa cantina perto do Teatro Bandeirantes e ela fez questão de sentar na minha frente. (…) De repente, ela começou a falar: “Pô, bicho, eu te amo tanto, bicho, te gosto tanto”. E eu já não estava gostando dessa história de “bicho”, porque eu não gostava do jeito que ela falava, nunca gostei. Daí me irritei e disse: “Elis, o que você está querendo dizer com isso? ”. Aí, ela começou a chorar. As pessoas na mesa enfiaram a cara no prato, todos sabiam o que eu tinha feito, só eu não sabia. Ela disse: “Pô, você me enterrou”, e começou a me esculhambar, dizendo que aquilo foi uma covardia, que ela estava ameaçada. (…) Elis nunca me perguntou se eu estava atacando porque ela estava defendendo um regime militar que queria matar meu irmão. (…) Resolvi engolir. Ela terminou de falar, entendeu meu subtexto: “Tá, Elis, eu aceito”. (…) Evidente que os militares estavam pressionando o país inteiro. Eu sabia disso, os militares faziam censura prévia no meu jornal (Pasquim), presença física, todo dia. (…) Então, tinha todo o direito de criticar uma pessoa que ia para a televisão se entregar. Eu não mudei em nada e ela percebeu isso. (…)

– Ela tinha a preocupação de me provar que tinha mudado. Que continuava uma pessoa de confiança ideologicamente. (…) Como se eu fosse inspetor de quem não é de esquerda. Aí, mandava dinheiro: do show que fez no Canecão, inclusive para que eu entregasse aos grevistas de São Bernardo. (…)

No enterro, uma roupa censurada – A atividade política de Elis Regina não se limitou apenas aos shows para os grevistas do ABC ou à gravação do Hino da Anistia. Por exemplo: ela se engajou no esforço de vários artistas para saber o paradeiro do pianista Tenório Júnior, que fazia uma excursão a Buenos Aires, acompanhando Vinicius de Moraes e Toquinho. O músico foi preso na rua, em março de 1976 – sem documento, quando ia a uma farmácia comprar remédio para asma – possivelmente confundido pela repressão argentina com um guerrilheiro.

Elis casou duas vezes (com o compositor Ronaldo Bôscoli e com o músico César Camargo Mariano), e teve três filhos (o músico e produtor João Marcelo Bôscoli e os cantores Pedro Mariano e Maria Rita). Morreu em São Paulo por overdose de cocaína, às 11h45 do dia 19 de janeiro de 1982. O velório foi no Teatro Bandeirantes, por onde passaram mais de 60 mil pessoas. No dia seguinte, 20 de janeiro, Elis é enterrada no Cemitério (de verdade) do Morumbi. Seu corpo vestia uma roupa que ela foi proibida, pela Censura, de usar no show Saudade do Brasil – uma camiseta com um desenho da Bandeira do Brasil onde, no lugar do “Ordem e Progresso”, estava escrito: ELIS REGINA. Quer dizer: Elis Regina Carvalho Costa, politicamente falando, riu por último ao ser enterrada com a roupa censurada. Tanto que, hoje, é lembrada pela música “O Bêbado e a Equilibrista” e a anistia, e não pela sua “passagem” pelo Cemitério dos Mortos-Vivos do Cabôco Mamadô do irmão do Betinho.

(Leia mais na edição 48 da Revista Continente Multicultural.)

http://maniadehistoria.wordpress.com/2009/04/01/elis-regina-a-ditadura-militar-e-lula/

Por ANTONIO CARLOS FON

Nilva, parabéns pelo post. Apenas um reparo, o reencontro de Elis com o público de esquerda se deu, de fato, em 1979, com os shows para arrecadar fundos para os grevistas do ABC. Mas seu reencontro com a esquerda aconteceu um pouco antes, no segundo semestre de 1978, no show de encerramento do congresso dos comitês brasileiros pela anistia, que em São Paulo era formado basicamente por mães, irmãs e companheiras de presos políticos que se reuniam no escritório do Luis Eduardo0 Greenhalgh ou no Instituto Sedes Sapientiae. Para o encerramento do congresso, organizou-se um show. Quem conta a história é a Denise Santana Fon, que fazia parte do CBA e ajudou a organizar o congresso.

Entre os artistas mais conhecidos na época, apenas dois se ofereceram para participar do show: Gonzaguinha e Elis. E o primeiro a entrar no palco do auditório da Fundação Getúlio Vargas foi Gonzaguinha – que, como se não bastasse ser Gonzaguinha, era assumidamente de esquerda. Depois dele veio Elis. Cantou uma, duas, três canções e o público absolutamente gelado. Aí ela diz que vai cantar uma música que não é de seu repertório, mas que exprime o que ela sente naquele momento e solta aquela voz: “Eu voltei, agora prá ficar / Porque aqui, aqui é meu lugar”.

A platéia, claro, veio abaixo. Mas ela não parou por aí. Em sefuida, diz que vai cantar uma canção nova, inédita. E canta pela primeira vez em público “O Bêbado e a Equilibrista”.

Nem o mais duro stalinisra resistiu…

Luis Nassif

1 Comentário

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  1. Elis Regina, ditadura e Lula

    Sempre quando se fala em cantores “engajados”, são citados Elis, Gonzaguinha, etc. Devemos lembrar de Taiguara, que teve mais de 90 de suas músicas censuradas pela ditadura e certamente foi o que mais compôs músicas, além de Chico Buarque, contra o regime.

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