Fora de Pauta

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Redação

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    HA SESSENTA ANOS UM PRESIDENTE ERA DEPOSTO – No dia 11 de novembro de 1955 o Presidente Carlos Luz, 2º na linha de sucessão como presidente da Camara, agora empossado na Presidencia da Republica pela doença do Vice Presidente Café Filho, era deposto por um contra golpe preventivo do Ministro da Guerra, General Henrique Lott, considerando que Luz estava na conspiração visando impedir a posse de Juscelino Kubischek, presidente eleito um mês antes pelos partidos legados por Getulio Vargas, PSD e PTB em aliança com o Partido Comunista Brasileiro.

    O grupo anti-Juscelino era grande e poderoso. Havia elementos na Aeronautica, parte menor mas vociferante do Exercito, a UDN e seus satelites e anexos, a grande imprensa e o que se poderia rotular de “forças conservadoras”. JK era tido e havido como expressão do grupo getulista, visto sua base partidaria e o Vice Jango muito mais.

    Carlos Luz calculou mal seu proprio poder naqueles dias conturbados. Para faciliar o golpe contra a posse de JK mandou chamar o Ministro da Guerra, considerado adepto da legalidade constitucional e portanto pro-Juscelino e avisou que estava demitido, devendo entregar o cargo ao novo indicado, General (reformado) Alvaro Fiuza de Castro. Marcou a trnsmissão de caro para o dia seguinte mas antes quis humilhar Lott e o deixou esperando na ante sala do Catete por duas horas.

    Cada vez que a porta do gabinete presidencial abria Lott ouvia muitas risadas e barulho de copos de whisky circulando.

    À noite o Marechal Odilo Denys, liderança respeitada no Exercito, às duas da madrugada bateu na porta de Lott, eram visinhos, e convenceu-o a depor o Presidente Carlos Luz porque ele e seu grupo pretendiam impedir por alguma manobra legalista a posse do Presidente eleito JK. Carlos Lacerda bradava na imprensa que Juscelino era legado de Getulio e não poderia governar e a grande imprensa ecoava Lacerda, agitando e tumultuando o ambiente politico.

    Nas primeiras horas do dia 11 de novembro Lott cerca o Palacio do Catete e Carlos Luz foge para o cruzador TAMANDARÉ, sendo a Marinha força ao lado dos conspiradores anti-Juscelino, Lott chama o Presidente do Senado, Nereu Ramos, 3º na linha de sucessão e lhe dá posse imediatamente. Luz e seu grupo, com Lacerda e lideranças da UDN todos embarcam no TAMANDARÉ ruma a Santos, esperando apoio do Governador Janio Quadros, que sequer os atende.

    O contra golpe de Lott triunfa e Nereu Ramos entrega a 15 de janeiro de 1956 a Presidencia a Juscelino.

    Lott teve menos trabalho para depor o Presidente do um soldado teria para trocar o pneu de um caminhão do Exercito.

    Foi cunhada uma frase dita por Lott considerando o contragolpe “um retorno aos quadros constitucionais vigentes”, na realidade a frase era de seu amigo Otto Lara Rezende. Como consequencia Juscelino teve Lott como Ministro da Guerra do primeiro ao ultimo dia de seu governo, garantindo-lhe absoluta tranquilidade na area do Exercito (mas não da Aeronautica).

    O 11 de Novembro ficará na Historia como um dia especial na agitada Historia da Republica de 1946.

     

  2. CABEÇA CHATA – PROBLEMA DE SAÚDE PÚBLICA

                 Por que nós do Norte e Nordeste temos a “cabeça chata” e a “cara de lua cheia”? Palpites sobre a beleza nordestina. Sobre a beleza brasileira. Sobre a beleza. Questão não apenas estética, mas de saúde pública.        

                Li num jornal no final de 2010 que o Presidente Lula estava numa cerimônia de inauguração no sul do país assistindo a uma apresentação artística de estudantes. Uma ministra ao lado do Presidente comentou: “Como eles são lindos” e o Presidente respondeu algo assim: “Comida farta traz beleza”.

                O senso prático do Presidente costuma acertar. A Profª Marilena Chauí disse uma vez: Quando Lula abre a boca, o mundo se ilumina. Talvez tenha recebido esse elogio por diagnósticos e vaticínios semelhantes.

                Recentemente o cantor Ed Motta criou polêmica afirmando no facebook:  “Em Curitiba, lugar civilizado, graças a Deus. O Sul do Brasil, como é bom, tem dignidade isso aqui. Frutas vermelhas, clima frio, gente bonita. Sim porque ô povo feio o brasileiro (risos). Em avião, dá vontade de chorar (risos). Mas, chega no Sul ou em SP, gente bonita compondo o ambiance (risos)”.

     Fascista, mas franco. Quando se referiu a “povo brasileiro” ele quis dizer, e não ousou, “nordestinos e nortistas”.

                Nas redes sociais e nos comentários de leitores o que mais vemos são esses “fascistas francos” nos chamando (nós, nordestinos e nortistas) de feios. Muitos, mais contidos, talvez por algum respeito a nossa dignidade, não falam, mas pensam. Portanto, com tantas testemunhas, a verdade é que devemos mesmo ser feios. É bom que reconheçamos isso. Quando se admite um fato, inicia-se a procura da causa, e a descoberta desta permite intervenções que podem aliviar as conseqüências.  *Esse texto foi escrito em 2011. A avalanche de críticas “estéticas” a nós nordestinos pós outubro/2014 só confirma a situação.

                Entre os fatores correlacionados a beleza ou feiura, o Presidente já mencionou a comida farta. O belo cantor citou o clima frio. Eu arrisco acrescentar o uso da rede de dormir para bebês, substituindo o berço.   Acho que a nossa feiura nordestina tem a ver com a nutrição, o calor e a rede de dormir.           

                É bobagem dizer que a cabeça chata dos nordestinos é genético, uma genotipia, uma herança transmitida por códigos genéticos. Os portugueses que colonizaram o Nordeste não são os mesmos que vieram de Portugal e colonizaram o resto do país? Os negros que vieram da África não são os mesmos espalhados no resto do país?  Por que só os do Nordeste (e Norte) têm a cabeça arredondada e enlarguecida, que chamam de chata?

                É evidente que a cabeça chata é um fenótipo, uma fenotipia, uma característica adquirida por algum fator ou fatores ambientais.

                Sem dúvida há a variabilidade dos crânios humanos numa distribuição normal (curva de Gauss) em que uns terão uma cabeça mais larga, outros menos larga, dependendo aí sim da carga genética de cada um (que tal a cabeça de Leonardo de Caprio?). Dizem os “antropometristas” que os ibéricos, portugueses entre eles,  têm  uma tendência a possuírem um crânio menos “caucasiano” que os outros brancos da Europa, etc. Isso talvez seja pesquisado melhor nos sites da Ku Klux Klan. Devem interessar muito a eles esses fatores “raciais”, esses fatores “genéticos”.

                A nós não nos interessa isso. Aqui vamos apenas tentar identificar os fatores externos que agem tornando a cabeça dos nordestinos mais alargada, mais deformada. Estamos tentando entender a causa com o intuito de poder ajudar os brasileiros nordestinos e nortistas a evitar essa sina, e assim preservá-los da mangação e da humilhação que sofrem dos cabras da Ku Klux Klan.

                De 1994 a 1999 morei no número 680 da Rua Capote Valente em São Paulo. Havia nas proximidades muitas casas que foram alugadas e transformadas em pensões para trabalhadores migrantes nordestinos. Pagavam caro por uma vaga num beliche. A maioria vinha de sua região, trabalhava alguns meses ou um ano nos bares, restaurantes e condomínios dos prédios, tempo suficiente para amealhar algum dinheiro e adquirir o direito ao seguro-desemprego, então se mandavam para suas cidades, levavam na bagagem aparelhos de som, bicicletas e outras utilidades. Conheci alguns que compraram motos, montaram nelas e voltaram para o Piauí e Ceará. Quando o seguro-desemprego acabava, voltavam. Alguns tinham tentado montar algum negócio por lá, mas como não houvera sucesso, foram obrigados a repetir a viagem a São Paulo. Outros, veteranos, às vezes casavam ou traziam as mulheres de sua terra e, invariavelmente, iam morar no Campo Limpo ou Taboão.  

                Na esquina da Rua Teodoro Sampaio com Oscar Freire havia um local chamado “Restaurante e Pizzaria Flor do Minho”, a uma quadra de minha casa, que se tornou o meu boteco preferido. Lá trabalhava um desses veteranos, talvez o decano de todos eles, no serviço do balcão. E para lá convergiam, quando estavam de folga, os migrantes das pensões próximas, e, em algumas ocasiões, os veteranos casados, que vinham do Campo Limpo com suas famílias.

                Entre essas pessoas havia uma predominância de migrantes das cidades de Pedro II no Piauí e de São Benedito no Ceará e cidadezinhas adjacentes. Embora se situem em estados distintos, essas cidades são vizinhas. Há uma beligerância secular entre Piauí e Ceará sobre fronteiras nessa região.

                Como piauiense, mas com laços cortados com a região desde pequeno, devido a migração para Goiás e outras regiões, achei ótimo ter a chance de ficar observando in natura meus conterrâneos.

                Na cidade de São Paulo deve haver milhares de “guetos” de migrantes, onde os oriundos de determinadas cidades e regiões de outros estados se concentram.  Lá, na quadra na qual eu morava, em Pinheiros, havia um ninho de piauienses e cearenses de uma região bem delimitada, restrita àquelas cidades.

                Algumas vezes os veteranos vinham com seus filhos do Campo Limpo e Taboão. Eram crianças lindas, bonequinhos de louça. Em nada se diferenciavam de outras crianças da cidade, mesmo que os pais tivessem a cabeça e o rosto muito deformados, alargados, cabeças chatas sem protuberância occipital.

                Isso parecia deixar claro que o fator “cabeça chata” não era uma genotipia.

                Outra coisa intrigante era que alguns rapazes migrantes eram muito bonitos. Não tinham nenhuma diferença física de sulistas, não tinham deformações de cabeça. Só se percebia sua origem nordestina quando abriam a boca, pelo sotaque.

                Um deles era Rocco. O belo Alain Delon de “Rocco e seus irmãos”. Um Rocco moreno, com jeito de índio. Vinha da cidade de Ibiapina, próxima a São Benedito-Ce. Não sabia ler e era muito tímido. A qualquer interpelação dos fregueses no balcão, parecia que Rocco ia se desmanchar. Era sua primeira vez em São Paulo, viera no rastro de seus irmãos que já tinham feito o percurso ida e volta algumas vezes. Rocco se embaraçava todo com os endereços ao entregar pizzas nas ruas próximas, Artur Azevedo, Arruda Alvim, Cardeal Arcoverde. Num domingo frio abri minha janela de manhã, no quinto andar do prédio, vi  Rocco passando lá embaixo de mãos dadas com sua mulher recém-chegada do Ceará e me peguei fazendo reflexões sobre a fragilidade. E fui fazendo uma hierarquia dessa fragilidade. Rocco era frágil mas era lindo e a beleza (assim como a inteligência) sempre é uma barricada. Frágeis mesmo são os que, nas mesmas condições de Rocco, semianalfabetos, pobres e migrantes, ainda têm as cabeças achatadas, deformadas, as aparências de Baby Dinossauros que tanto atraem as mofas, preconceitos, desprezos e ódios.

                Em agosto de 1999 fui levar meu pai para visitar sua irmã mais velha em Teresina. A cidade parecia um forno ardente. Como as cidades de meus conterrâneos que conheci em S. Paulo ficavam a pouco mais de duzentos quilômetros apenas, deixei meu pai com sua irmã e fui fazer um circuito naquela direção.  Em Pedro II-PI, para minha surpresa, tive de usar blusa de frio pela manhã. Atravessando para o Ceará, em São Benedito, o clima era ainda mais ameno.

                Descobri assim que estava na região da Serra de Ibiapaba. Cidades com altitudes entre 700 e quase 1000 metros. Temperaturas bem mais baixas que em outros lugares do Piauí e Ceará, média anual de 20º. Neblinas freqüentes, fogs mesmo.  Chuva regular. O início da Serra fica a menos de 80 Km do mar. Dizem meteorologistas que ela barra a entrada da umidade marítima causando a precipitação das chuvas em seu planalto e encostas, provocando a seca nas planícies subseqüentes. A Serra é, portanto, um oásis. É uma região muito perto do Delta do Parnaíba e do litoral norte do Ceará, Jericoacoara e Camocim.

                Os nativos da Serra são visivelmente mais bonitos que os nativos das planícies mais calorentas e mais áridas. Qual a explicação para tal fato? Podemos especular duas variáveis: a amenidade do clima, fazendo contraposição ao calor enorme das regiões circundantes. E a nutrição das pessoas. Se chove regularmente e a Serra é, por isso,  tradicional produtora de frutas –inclusive vermelhas, como aprecia o lindo cantor-, leite e flores -estas, para exportação-, pode-se esperar que as pessoas de lá se alimentem melhor que os vizinhos das planícies quentes e semiáridas.

                Bem, voltemos ao assunto básico que é nossa cabeça chata nordestina. Temos de entender porque somos sempre recusados nos sites de BeautifulPeople (até a Miss Brasil 2014 do Ceará não está sendo aceita, coitada!) e porque muitos se referem a nós nas redes sociais como “cabeças”, “cabecinhas”, “cabeças gordas”. Temos de achar um jeito de apurarmos nossa performance de aparência física nem que seja para as próximas gerações. Também somos filhos de Deus e não queremos ser sempre os patinhos feios que nunca viram cisnes. Não queremos o belo Ed Motta tendo desconforto nos aviões por nossa causa.

                Como há evidências, vamos esmiuçar o que a nossa feiura e a nossa cabeça chata nordestina  tem a ver com o calor, a nutrição, e com a rede de dormir.  

     

    O calor

     

                Dilatação térmica, coeficiente de dilatação térmica e noções semelhantes são conceitos conhecidos no ensino médio.

                Se até as barras de ferro se expandem ou se contraem dependendo da temperatura, o que dizer da calota craniana, osso e carne, matéria orgânica?

                Há um protetor auditivo fabricado pela 3M com determinado material muito resiliente. Para colocá-lo no ouvido deve-se comprimi-lo com os dedos até virar um palitinho que deve ser inserido imediatamente no canal auditivo. Uma vez lá ele se expande rapidamente para sua forma original, vedando o ouvido e protegendo-o de sons excessivos. É curioso sentir a diferença de consistência desse protetor em dias quentes e dias frios. É  um bom exemplo prático de dilatação térmica.

                A cabeça humana é composta da calota craniana e da face. A calota tem oito ossos e a face quatorze. As linhas onde os ossos da calota se juntam são chamadas suturas e elas são bem moles e flexíveis na criança. Em seis pontos das suturas de união dos ossos há buracos chamados de fontanelas. A principal fontanela é a formada na união dos dois ossos parietais com o frontal e é chamada popularmente de moleira. A moleira é a última das fontanelas a fechar, por volta dos dois anos de idade.

                A função das fontanelas e das suturas flexíveis é permitir o cavalgamento dos ossos da cabeça na hora do parto facilitando assim a saída do bebê.

                Outra função é dar flexibilidade ao crânio para suportar o crescimento do cérebro (encéfalo). O cérebro cresce 50% no primeiro ano de vida.  Uma caixa craniana não rígida permite assim o aumento do encéfalo. Quando as suturas se fecham definitivamente (98% disso acontece no final do 2º ano de vida) o encéfalo deve estar cerca de três vezes maior que o do bebê recém-nascido.

                Portanto, o crânio tem de ser moldável e flexível nos primeiros anos de vida. Os pediatras estão sempre medindo o perímetro cefálico dos bebês para detectarem precocemente alguma fuga do padrão. Se a cabeça está crescendo rápido demais pode ser uma hidrocefalia. Nesse caso há algum problema na drenagem dos líquidos da cabeça, aumenta a pressão interna do crânio e como os ossos ainda são moles e as suturas abertas a cabeça começa a ficar enorme. Se isso acontece em adultos ou em crianças maiores, onde as suturas já estão fundidas, a cachola não tem mais para onde crescer e a pressão interna aumentada provoca dores de cabeça terríveis, perdas de equilíbrio e outros sintomas neurológicos.

                Os pediatras se preocupam também com o problema oposto: se a cabeça cresce pouco ou cresce assimetricamente pode ser sinal da craniossinostose, quando uma ou mais suturas se fundem antes da hora, não permitindo a expansão do encéfalo que cresce, provocando deformidades estéticas e problemas neurológicos sérios.

                Sendo o crânio da criança tão suscetível a forças de expansão, seria um erro pensar que também o calor intenso (como o das regiões equatoriais) pode ter sua influência como fator de aumento da cabeça? Teríamos assim o calor como causa de expansão dos ossos da cabeça.

                Não digo o calor de Goiânia, ou do Rio,  que se intercala com dias amenos e frentes frias. Refiro-me ao calor contínuo, exasperante e até desesperador, de Teresina, por exemplo.

                Na região da Serra de Ibiapaba, onde o clima é mais ameno no Ceará e no Piauí, pode-se observar maior número de pessoas com padrão de cabeça e rosto semelhantes ao padrão dos habitantes de outras regiões do país onde o clima também é menos severo. Isso pode sugerir que o calor tem um papel, sim, na deformação das cabeças.

                Está aí uma sugestão para a monografia de um estudioso: medição da espessura dos ossos da calota craniana de nordestinos e sulistas no Brasil. Pode ser que as paquimetrias demonstrem um adelgaçamento maior nas calotas nordestinas, conseqüência da expansão dos crânios dos bebês provocada pelo calor excessivo. A expansão dos limites dos crânios produz cabeças maiores e feições mais disformes.  

                Pesquisas sobre a influência da luz do sol e do calor sobre o desenvolvimento humano não são novidade. Lembro de ter lido em meu livro de neuroanatomia da década de 70 que uma pesquisa tinha comprovado a fotossensibilidade da glândula pineal (localizada na cabeça). Crianças de regiões muito ensolaradas (equatoriais) teriam uma glândula pineal excitada pela luz o que as fazia crescerem mais rápido e entanguirem mais cedo, portanto produzindo mais baixinhos. Provocava também um atiçamento do apetite sexual mais precocemente. Não sei como estão evoluindo essas pesquisas hoje em dia, se é que prosperaram.

     

                                        A nutrição (ou a desnutrição)

     

                Nos livros de pediatria há um capítulo denominado “Desnutrição proteico-calórica (DPC)” que versa sobre as doenças provocadas pela falta de nutrientes ao organismo da criança. A DPC é classificada como primária ou secundária. A primária, que nos interessa agora, é aquela provocada simplesmente pela falta de alimentos para comer, ou seja, é a fome provocada pela carência, pela miséria.

                Os livros enfatizam ainda as duas formas clínicas (formas de aparecer da doença) da DPC  grave: o kwashiorkor e o marasmo.

                Kwashiorkor: doença nutricional em que o doente não chega a passar fome, mas come apenas carboidratos, não há ingestão de proteínas e gorduras. Carboidrato (farinha de mandioca, arroz, milho, pão, etc.) é o alimento mais barato. As famílias mais pobres não morrem de inanição porque conseguem acesso pelo menos aos carboidratos.

                Kwashiorkor é uma palavra de um dialeto africano de Gana. Significa “a doença do primeiro e do segundo filho” ou “a doença que acomete o primeiro filho quando nasce o segundo filho”. Quando nasce o segundo filho a mãe desmama o primeiro e passa a alimentá-lo com o que ela tem, geralmente o alimento mais barato: carboidrato.

                Criança que só come carboidrato começa a inchar, o rosto enlarguece pelo edema, dificilmente sorri, os cabelos ficam secos e quebradiços com faixas de coloração clara e escura (falsos louros), apresentam mais perebas (feridas, piodermites) na pele e úlceras nos olhos que podem deixar como seqüela a cegueira (Terá alguma coisa a ver com Luiz Gonzaga?). Podem apresentar retardo neuropsicomotor, com atrofia cortical e/ou subcortical no cérebro. Entre outros males.

                Já o marasmo acontece na presença da fome total, onde a criança nem mesmo  carboidrato tem para comer. É mais comum em regiões de grandes catástrofes como secas e guerras. Aquelas imagens de crianças esqueléticas moribundas, aquelas imagens de crianças africanas na guerra da Biafra, na Nigéria, por exemplo, aquilo é definido nos livros de pediatria como marasmo.

                Um dos livros de pediatria mais utilizados nas escolas de medicina na década de 80    foi o de Jayme Murahovschi, professor titular da Faculdade de Ciências Médicas de Santos e médico da Clínica Infantil do Ipiranga em São Paulo. Nele há um esquema com os desenhos de duas crianças mostrando os sinais que diferenciam o kwashiorkor do marasmo. Na setinha que aponta os rostos lemos “face de lua cheia”, na criança com kwashiorkor e “face de homem velho”,  na com marasmo.

                Parece que o carboidrato está para a construção do corpo humano como os adobes para uma casa, e as proteínas como a massa corrida. O carboidrato dá volume, mas quem dá a forma fina é a massa corrida, a proteína. Não existem rostos bonitinhos de bonequinhos de louça sem proteína. Quem só come carboidrato fatalmente terá a “cara de lua cheia”. Se a carência é constante e prolongada, a “cara de lua cheia” será indelével, para sempre.

                O leite é a forma mais universal de proteína para crianças.            O leite, razoavelmente fácil de encontrar nas capitais, nas cidades pequenas não era tão fácil assim (não sei agora depois do aparecimento das embalagens longa-vida). Na década de 60 e início da década de 70, enquanto Goiânia era suprida pelo Leite GoGo, nós, lá nas cidadezinhas onde morávamos no norte goiano, atual Tocantins, tínhamos dificuldade em conseguir leite regularmente, mesmo tendo o dinheiro para comprar. Lá chovia normalmente, não havia seca, não havia uma explicação para a escassez. Se entre nós, sem seca, era assim, que dizer dos que moravam nas pequenas cidades do sertão do semiárido nordestino? Certamente não tinham nem dinheiro, nem leite, e muitas vezes nem carboidratos regularmente.

                Os meninos pobres do Norte costumam ter acesso mais fácil a uma fonte de proteína: os peixes dos rios e várzeas amazônicos. Os  meninos pobres do Nordeste não têm esses criadouros naturais como opção.

                Até quando esse acesso aos peixes dos rios vai durar é uma questão a ser pensada. O capitalismo monopolista do agronegócio está sempre avançando. Ninguém duvida que pode um dia obstruir o acesso aos rios uma vez que já cercou as terras.

     

     

                                        A rede

     

                Se o crânio humano é moldável nos primeiros anos de vida, é fácil supor que qualquer coisa que o comprima demorada e prolongadamente pode levá-lo a uma deformação permanente.

                Há a história documentada dos índios Omáguas ou Kambebas. Formaram uma população indígena numerosa nas várzeas do Rio Amazonas e afluentes, desde o Peru até a região atual do Amazonas. Acabaram dizimados pelas investidas espanholas e portuguesas. Foram milhões nos séculos 16 e 17. Hoje consta no site da FUNAI a existência de 331 indivíduos sobreviventes. O seu hábito do achatamento artificial do crânio foi destacado por quase todos os cronistas itinerantes pelas regiões habitadas por eles.

                Entre outras expedições com relatos sobre esses índios pode-se pesquisar a chamada Expedição de Pedro Teixeira que saiu de Belém em l639. Produziu o documento “Relação do Rio das Amazonas” guardado na Biblioteca de Évora, em Portugal. Um de seus cronistas, Frei Cristóbal de Acuña, após retornar a Belém, narra: 

    “Têm todos a cabeça chata, o que torna feio os homens, embora as mulheres o disfarcem melhor cobrindo-a com basta cabeleira. Acham os nativos tão acostumados ao uso de terem a cabeça achatada que as crianças, apenas nascem, são metidas numa prensa, onde sua testa é comprimida com uma tábua pequena; e, pela parte do crânio, por outro tão grande, que servindo de berço, recebe todo o corpo do recém-nascido (…) ficam com a testa a o crânio tão achatados como a palma da mão (…) mais parecendo mitra de bispo malformada do que cabeça de uma pessoa.. “

                No Site da FUNAI, na descrição de povos indígenas, lemos o seguinte sobre os Kambeba:

    “Para se diferenciar dos povos da terra firme, os Omagua achatavam a cabeça. Eles faziam isso quando a criança era ainda muito pequena. Amarravam na testa dos bebês uma pequena prancha ou um trançado de junco amarrado com um pouco de algodão para não machucar a criança. Depois a criança era colocada dentro de uma pequena canoa que servia de berço. Deste modo, a cabeça ia ficando achatada devagarinho. Esse costume era valorizado, para os Omagua assim é que era bonito. Eles mangavam dos povos da terra firme dizendo que tinham a cabeça redonda como uma cuia.
    Por causa deste costume é que os Omagua passaram a ser chamados de Kambeba. Esse nome veio da língua geral – canga-peba- que significa “cabeça chata”.

                Certamente os Omáguas faziam esse achatamento mais por razões de Estado, de segurança, para se diferenciarem dos inimigos, e não por razões estéticas, por acharem bonito, como refere o site da Funai. 

    Quando um bebê dorme em um berço ele tem opções de posições: deitar de papo pro ar, deitar de lado e deitar de bruço. Quando ele deita de lado ou de bruço, automaticamente apoia os lados direito e esquerdo da cabeça no berço e sendo o crânio mole, permite-se assim moldar ficando a cabeça mais estreita, forma-se a protuberância occipital dos crânios normais, não deformados, a cabeça dos bonequinhos de louça (Que tal a cabeça do Cauã Reymonds?). Já o bebê numa rede só pode deitar de papo pro ar e sua cabeça vai ser comprimida na parte posterior pelo tecido inelástico da rede. Como conseqüência vai haver um achatamento ou arredondamento posterior do crânio, eliminando a protuberância occipital. O conteúdo encefálico tem de se expandir lateralmente acabando por gerar uma cabeça alargada, uma “cara de lua cheia”, os ossos da face também vão sentir a pressão vinda de trás e vão se expandir, deformando as feições e adeus cara de bonequinho de louça. Teremos a cara e a cabeça do Baby dos Dinossauros.

                Ultimamente a Pastoral da Criança da Dona Zilda Arns anda espalhando por todo o Brasil que as crianças não podem deitar de bruço no berço pois isso seria uma das causas de morte súbita de bebês. Se essa moda pega, poderemos ter mais Baby Dinossauros espalhados por todo o país e não só no Norte e Nordeste.

                O uso de pequenas redes de dormir para bebês e crianças é generalizado no Norte-Nordeste. São muito mais baratas que berços, podem ser carregadas facilmente para qualquer lugar, bastando dobrar como um lençol e podem ser balançadas, aliviando o calor.  

                A má alimentação, o calor e a rede, tudo conspira para cabeças maiores, achatadas, traços faciais sem nitidez, em suma, feições deformadas, que significam feiura.

                Parece ser a combinação desses três fatores que leva à deformação e à feiura. No Norte e Nordeste Brasileiro é comum presença dos três fatores. Entre os abastados de lá pode não haver desnutrição, mas ainda assim há o calor e pode haver a rede. Na Serra de Ibiapaba há a rede, mas não há o calor e a desnutrição também deve ser menor, pois lá não costuma ter seca. Mesmo no sul brasileiro pode não ter calor e rede, mas não é rara a desnutrição entre as famílias pobres.           

                Essa feiura provocada, fenotípica, é evitável ou pelo menos factível de ter suas causas básicas combatidas.

                É diferente da feiura não evitável, a feiúra genética. Essa tem de ser  respeitada. Pobre de quem julga os outros pela aparência e vive sempre em busca de padrões estéticos de beleza, sempre seduzido pelas belas feições. Esses nunca saem da adolescência.

                A feiura evitável é uma condição social, uma doença da pobreza (da desnutrição), das condições climáticas hostis (do calor sufocante) e de hábitos culturais (da rede de dormir para crianças). E essa feiúra tem de ser combatida em suas causas, tem de ser um problema de saúde pública.

                Se o belo cantor Ed Motta e outros lindos da nossa elite brasileira, incomodados com nossa feiura, quisessem realmente ajudar, poderiam começar apoiando políticas de desconcentração de renda e de desenvolvimentos regionais equilibrados. Com mais renda as famílias teriam como adquirir leite para seus bebês. Quem sabe até um ar condicionado para o quarto do rebento, e, mais importante de tudo, adquirir um berço para substituir a rede. Poderiam exigir dos governantes que as universidades brasileiras, especialmente as nordestinas, se tornassem laboratórios de ponta na pesquisa e utilização da energia solar, abundante em nossa região, de modo a possibilitar que todo quarto de bebê tivesse um ar condicionado.

                Nossos lindos, entretanto, estão com os olhos voltados para Miami. Xingam os bons políticos de “petralhas”, as famílias que lutam para não serem expulsas do campo de “bandidos do MST”. Nossos lindos deveriam estar participando de campanhas do tipo “Um litro de leite diário para cada bebê”, “Assentamento de todos os trabalhadores rurais nas abundantes terras do país”, “Troque a rede de seu filho por um berço”, “Estímulo a fábricas no semiárido”, “Zona Franca do semiárido para criação de empregos”, “ etc.

                Que nada! Os lindos só têm olhos para Miami e boca para nos esculachar. Por isso nossa feiura vai continuar a invadir seus aviões e suas praias. Vamos continuar andando por aí, declamando o refrão “Nós, os nordestinos”:

     

    Nós somos os nordestinos.

    Nós somos os feios e pobres.

    Por que, com nossas cabeças grandes, nossas cabeças chatas

    Despertamos tanto o furor fascista?

     

    Nós somos os nordestinos.

    Com nosso olhar pidão

    Com nosso olhar caolho

    Com nosso olhar carente.

     

    O olhar dos belos é altivo, até arrogante, às vezes.

    Mas nós, os feios, temos olhar diferente,

    Não podemos contar com a sedução.

     

    Os belos e ricos podem se dar o ar distante, de languidez, de elegância.

    Nós não. Temos de fazer barulho para chamar alguma atenção.

    Temos de ser palhaços. Sempre tangidos

    Temos de procurar colocação.

     

    Nós somos os nordestinos.

    Nas fazendas do Norte querem nos tornar escravos

    Nas cidades do Sul somos os criados

    No próprio Nordeste, para os coronéis, somos o rebotalho

     

    Nós somos os nordestinos.

    Nós existimos.

    Não podemos simplesmente desaparecer no ar,

    Para não ofender às estéticas refinadas.

    Nós existimos.

    Diante do fascismo que nos odeia, podemos repetir o brado espanhol: No pasarán!

                                                                                                                     Não passarão!

    Ou deixar que nos empurrem numa vala, nos enterrem vivos numa grota.

     

                A busca obstinada pela beleza é uma coisa vã. Mesmo os que nasceram bonitos e bem nutridos ficarão feios um dia. “Bonita é a juventude”, li uma vez numa revista –Cruzeiro ou Manchete- em uma entrevista de Rachel de Queiroz. É verdade. Mas é triste reconhecer que a muitos seres humanos é vedada até essa fugaz e eventual beleza da juventude, por motivos que poderiam ser evitados. E é muito  triste ser condenado a parecer deformado na infância, na juventude e na velhice e por isso ser objeto do desprezo e da perseguição de canalhas.

                Esse assunto é importante porque trata de coisas que causam grande sofrimento a inumeráveis pessoas, coisas que humilham muitos seres humanos. E o que causa sofrimento a homens (e animais) é sempre um assunto importante. 

     

                                      

  3. http://www.itu.com.br/img/con

    http://www.itu.com.br/img/conteudo/53085_full.jpg

    OS BANQUETES DA REPUBLICA VELHA – Nos anos da Primeira Republica, de 1891 a 1930, os banquetes eram o cenario das articulações politicas, da afirmação de prestigio, da formação das alianças, da fixação de territorios dos grupos no Poder, basicamente paulistas, mineiros e gauchos.

    O Museu Republicano de Itu inaugura neste Domingo, 15 de Novembro, Dia da Republica, uma exposição das fotos dos banquetes em que participou o então Presidente do Estado, titulo que se dava ao governador e depois Presidente da Republica, Washington Luis Pereira de Sousa. Alem das fotos uma coleção dos cardápios dos banquetes.

    Todos os comensais solenes e enfarpelados, só homens, os banquetes eram cerimoniosos com discursos de abertura e encerramento. Grande parte dos cardapios em francês, lingua da elite politica. Os bons modos à mesa eram essenciais,

    não havia  alpinismo social, era-se filho e neto de gente conhecida, ninguem paltiava os dentes ou coçava a cabeça com o garfo, a ralé não participava da vida politica, apesar disso havia renhida luta de facções e grupos mesmo dentro dos monoliticos esquemas do Partido Republicano Paulista e seus equivalentes mineiros, gauchos e pernambucanos.

    Os ágapes começavam com uma sopa, que podia ser de aspargo ou canja, depois as chamadas “carnes do mar”, peixes

    e conexos, depois geralmente um lombinho de porco e em seguida uma carne de boi. Entre um prato e outro o sherbet,

    sorvete sem açucar e sem leite para limpar o paladar para o prato seguinte. As sobremesas eram muitas vezes de coco, pavés, doces da terra.As taças de agua de lavanda para limpar os dedos eram de rigor.Ao fim os brindes com licor. Não se usava whisky, só vermuths, cognacs e vinhos, bebia-se moderadamente, era  inadmissivel ficar bebado.

    Era um Brasil mais ameno, onde a escalada politica seguia um roteiro mais ou menos fixo, o palco foi quebrado por Getulio

    Vargas que saindo do mesmo esquema da Republica Velha (foi Ministro da Fazenda de Washington Luis) mudou o sistema de cabeça para baixo introduzindo no Brasil as politicas de massa e de ascensão social.

    Washington Luis era um personagem interessante, um homem de excelente aparencia, poderia ser artista de cinema,

    geralmente se conhecem suas fotos já velho mas era um galã e famoso conquistador de damas, o exilio o sepultou em vida, está aguardando seu grande biografo, heroi da politica paulista era na verdade fluminense de Macaé.

     

     

  4. Não entendi porque neste blog

    Não entendi porque neste blog nenhuma informação foi dada sobre a morte de Sandra Moreira, morta há dois dias após anos sofrendo de câncer. Se não por ela, que foi uma competente jornalista, com uma trajetória longa como profissional, atuando em tantos veículos de comunicação, pelo menos poderia ser lembrada pelo pai que teve, Sandro Moreira. 

  5. A formação teórica foi abandonada diz Stédile.

    Esta na hora de pensar na derrota que se anuncia em 16 e preparar a virada em 18.

     

    em:http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/Stedile-ha-20-anos-esquerda-so-pensa-em-eleicao-/4/34375

    Stédile: ‘há 20 anos, esquerda só pensa em eleição’

    Ao esquecer Reforma Política, governo enredou-se na máquina do Estado e abriu espaço para retrocesso grave. Saída está em retomar ‘trabalho de base’.

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    Marco Weissheimer, no Sul21 Guilherme Santos / Sul 21

     

    Há alguns meses, ou mesmo anos, João Pedro Stédile, uma das principais lideranças do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), vem repetindo algumas advertências dirigidas à esquerda brasileira, relacionadas à evolução da conjuntura política nacional e internacional. Um de suas principais advertências consiste em alertar sobre a importância de não resumir a luta política à luta eleitoral e de não sucumbir às armadilhas da política tradicional, como abraçar o financiamento privado de campanhas como um método natural de fazer política. A crise política iniciada após a reeleição de Dilma Rousseff e a ofensiva da oposição e dos setores mais conservadores do país, com o objetivo de derrubar a presidenta eleita pelo voto popular, recolocaram essas advertências na ordem do dia.
     
    Na última sexta-feira, Stédile esteve em Porto Alegre para participar de um debate na abertura do 14º Congresso Estadual da Central Única dos Trabalhadores (CUT). Em entrevista ao Sul21, ele falou sobre a conjugação de três crises no presente – econômica, política e social –, sobre as movimentações de seus principais protagonistas e seus possíveis desdobramentos. E apontou aquele que considera ser o principal desafio da esquerda neste período: “Construir força popular organizada. A esquerda desaprendeu a fazer trabalho de base, de conscientizar o povo, de fazer pequenas reuniões. Faz vinte anos que a esquerda só pensa em eleição”, disse Stédile. Eis o diálogo:
     
    Na última semana, tivemos uma nova série de manifestações contra e a favor da presidenta Dilma Rousseff e a denúncia oferecida contra o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Na tua opinião, como esses eventos influenciam no atual clima de instabilidade política que marca a conjuntura nacional?
     
    O Brasil está vivendo um período muito confuso e complexo onde, a cada semana, surgem fatos que complicam mais ainda a leitura da conjuntura na qual inserem esses dois episódios citados na tua pergunta. Essa complexidade, na avaliação do MST e dos movimentos sociais como um todo, deve-se ao fato de estarmos vivendo um período que conjugou três crises.
     
    Temos uma crise econômica, que afeta a economia brasileira que não cresce há dois anos e deve ficar ainda mais uns dois sem crescer, com um forte processo de desindustrialização que já se reflete inclusive na classe trabalhadora, com aumento do desemprego e diminuição do salário médio. Temos também uma crise social, cuja ponta do iceberg apareceu nos protestos de junho de 2013. O governo adotou uma retórica de diálogo, porém, todos aqueles problemas sociais que eram substrato para as mobilizações de junho, nenhum deles se resolveu, pelo contrário. Os problemas da moradia, do transporte público, do acesso à universidade, todos eles se agravaram. Essa crise social ainda não eclodiu, está latente, mas existe. E, por fim, temos uma crise política, cuja origem é o sequestro da democracia brasileira feito pelos capitalistas por meio do financiamento privado das campanhas eleitorais. As dez maiores empresas do país financiaram cerca de 70% dos parlamentares, processo este que gerou os Cunha da vida e os seus 300 aliados. Hoje, a população não se reconhece nos políticos. Diversas pesquisas de opinião apontam os políticos com o menor índice de credibilidade. Então, temos uma dicotomia aí. O que acontece na política não reflete na sociedade, ou só reflete negativamente.

     

    Todos os dias, nós temos evidência dessas três crises. Se lermos oValor Econômico, por exemplo, veremos os reflexos da crise econômica. Se consultarmos os movimentos populares ouviremos relatos de todos eles sobre os problemas sociais que vem se avolumando. E, na política, é o que você citou. Todo dia temos fatos novos.

     
    Quais são, na sua avaliação, os possíveis desdobramentos dessa conjugação de crises?
     
    A dificuldade para sair dessa crise geral é que as classes ainda não se puseram de acordo sobre o que fazer. Seria preciso criar um novo bloco histórico e social que se constituísse numa maioria capaz de encontrar a saída. Isso, em geral, se materializa em períodos eleitorais. O problema é que nós acabamos de sair de uma eleição. Então, nós vamos levar quatro anos, durante todo o governo Dilma, para encontrar essa maioria. Essa é a dificuldade.
     
    Nessas tentativas de saída de crise, o que está sendo mais ou menos sinalizado? A burguesa, no sentido clássico do termo, mais conhecida como os empresários ou o poder econômico, já apresentou a sua proposta de saída. Não é um programa formalizado, mas vem sendo apresentado em suas reuniões e discursos. Essa proposta consiste em realinhar a economia brasileira aos Estados Unidos, que foi um pouco o que aconteceu em 1964. A ideia é que os americanos venham para cá, invistam e tirem a economia da crise, ampliando o mercado para as empresas brasileiras que entrariam de maneira subalterna numa relação com a economia industrial norte-americana. Em segundo lugar, consiste em diminuir o papel do Estado, que hoje se expressa nas propostas de cortar gastos sociais, de diminuir o número de ministérios, de diminuir os gastos com a Previdência, etc. Tudo isso é firula para voltar a velha tese de que o mercado é que resolve. Em terceiro lugar, é diminuir o custo da mão de obra. Esse é o programa deles, que ainda não pode ser explicitado, pois, em sua essência, esse programa é o neoliberalismo, que foi derrotado nas últimas quatro eleições. Eles não podem simplesmente apresentá-lo de novo. Precisam dourar a pílula.
     
    A burguesia está fazendo esse movimento para tentar construir uma maioria em torno do seu programa. Como fazem isso? Pautando essas propostas no Congresso Nacional. Todas as iniciativas do bloco do Eduardo Cunha caminham na direção desse programa: diminuir custo, diminuir Estado, privatizações, abrir a economia e reaproximá-la com os Estados Unidos. Além disso, também pautaram o Judiciário e a grande mídia comercial, da qual a Globo é a grande porta-voz. Esse movimento representa o maior grau de unidade que eles conseguiram até agora, com manifestações da Firjan (Federação das Indústrias do Rio de Janeiro), do Renan Calheiros, presidente do Senado, e com setores do PSDB. Tenho absoluta convicção, pela recente entrevista do Luís Carlos Mendonça de Barros, que Serra e Alckmin, embora não possam aparecer publicamente, concordam com esse programa. Mas eles não podem aparecer.
     
    Você referiu o movimento que vem sendo articulado pelo grande empresariado e seus braços políticos para a superação da crise. E quantos aos demais setores da sociedade, é possível vislumbrar alguma movimentação que busca saídas para os atuais impasses?
     
    Nós temos outro segmento, que é a chamada classe média, ou pequena burguesia como denominava Marx. Estamos falando aqui daquela classe média que o Marcio Pochmann menciona no Atlas da Exclusão Social, que, pela renda que tem, representa entre 5 e 10% da população e que sonha um dia em virar burguesia. Qual é o programa que essa classe média apresenta para sair da crise? Golpe na Dilma! Mas isso não é programa, não resolve nenhuma das três crises. Por isso, a burguesia, que é mais esperta, está dizendo para eles: Calma, vocês podem ficar latindo aí na Paulista, em Copacabana, mas isso não é saída para a crise.
     
    O próprio Temer disse isso para eles, quando afirmou que não adiantava colocá-lo no lugar da Dilma, pois a crise tem outras raízes. Pelo contrário, se houvesse um golpe institucional, se criaria uma quarta crise, uma crise institucional, que levaria os movimentos sociais e populares para as ruas. Isso desarrumaria todas aquelas regras do Estado burguês que, apesar da crise política, todo mundo segue respeitando. Se isso acontecesse, por que não poderíamos, por exemplo, pedir o impeachment do Geraldo Alckmin ou do Ivo Sartori, cujas campanhas também foram financiadas por empresas privadas? Então, a saída dessa classe média é burra. A nossa sorte, e a deles também, é que representam uma parcela muito pequena da sociedade. É por isso que as mobilizações deles não aumentam. E têm que ser feitas sempre no domingo, né? É muito mais um festival, ao qual eles têm direito, do que propriamente uma luta política.
     
    Do lado de cá, temos a classe trabalhadora, que não está conseguindo apresentar um programa de saída para a crise. Neste momento, as direções de organizações como CUT, UNE, MST, os movimentos de luta pela moradia, estão tentando unificar uma agenda. O que conseguimos construir de unidade até aqui é um programa defensivo contra o golpe, em defesa dos direitos, contra o neoliberalismo, ou seja, é uma defesa do passado — não é avançar, como nós queremos. Então, para a classe trabalhadora também está sendo difícil construir um programa propositivo capaz de retomar a ofensiva na direção das mudanças que defendemos. Essa é uma dificuldade real e é neste ponto em que nós estamos.
     
    Quais as perspectivas de superar essa dificuldade?
     
    Espero que, nos próximos meses consigamos avançar na direção desta unidade da classe trabalhadora para construir um programa, não defensivo, mas que apresente propostas para a saída das crises econômica, política e social. Talvez já tenhamos uma maior unidade no tema da crise política, com a defesa de uma Reforma Política construída por meio de uma Assembleia Nacional Constituinte. Este Congresso não fará essa reforma e os partidos não têm força para aprová-la no cenário atual. No fundo, a saída de um programa construído pela classe trabalhadora vai depender de um componente que ainda não está no cenário, que é a classe trabalhadora se mobilizar e ir para a rua. Até agora, só foram para a rua as mediações, os militantes. A grande massa segue sentada em casa assistindo tudo pela televisão. Por isso que as nossas mobilizações também têm mantido o mesmo tamanho.
     
    Contudo, essa massa e as nossas mediações têm uma arma potente que ainda não foi usada: a greve geral, que afeta diretamente o lucro dos capitalistas. A perspectiva de parar a produção um dia, dois dias, uma semana, coloca em pânico a burguesia. No fundo, esse é o maior medo que eles têm. Por isso não querem ver o circo pegar fogo, pois a lona cairia também sobre as suas cabeças.
     
    Você mencionou algumas organizações que estão tentando unificar uma agenda comum e não mencionou nenhum partido político entre elas. Considerando que o partido que vem governando o Brasil há treze anos atravessa uma série crise política e os demais partidos de esquerda parecem não ter força para apresentar uma alternativa, a conjuntura está convocando os movimentos sociais a assumir um maior protagonismo, a exemplo do que ocorreu na Bolívia há alguns anos?
     
    É evidente que os partidos políticos no Brasil — tanto os da burguesia quanto os da esquerda — estão em crise. Os da burguesia foram substituídos pela Globo. Quem dirige ideologicamente as ideias da direita no Brasil é a Globo. Os dirigentes partidários da direita brasileira estão completamente desmoralizados. Estão aí os Eduardo Cunha, os Ronaldo Caiado da vida. E a esquerda precisa fazer uma autocrítica séria, porque caiu só no eleitoralismo e, mesmo nesta esfera, não se preocupou em defender uma reforma política. Ao invés disso, fez o jogo da burguesia, abraçando o financiamento privado das campanhas e caindo na arapuca que a Lava Jato expressa. Se não mudarmos as regras políticas, não vai ser de dentro dos partidos que virá a solução. Os partidos já estão enlambuzados. Uma reforma política rejuvenesceria os partidos, mas estes não têm força para colocar massa na rua em defesa dessa reforma. Então, isso só poderá ser feito por meio de uma ampla coalizão de todas as forças populares, com todas as formas de mediação de que a classe trabalhadora dispõe — sejam pastorais, sindicatos, movimentos populares, partidos, etc.
     
    Agora não é o momento de discutir quem vai ser protagonista, mas sim de juntar todas as forças para fazer um debate na sociedade e junto às nossas bases sobre quais são as saídas para a crise que está posta e é inegável. Eu não sei como será essa saída. Isso dependerá da correlação de forças e da dinâmica da luta de classes. Acho muito ruim queremos copiar algum exemplo. Tenho visto algumas pessoas dizendo que temos seguir o exemplo do Podemos, da Espanha, ou do Syryza, da Grécia. A história da Espanha é outra e o Tsipras durou apenas três meses. Cada país tem a sua dinâmica e nós, brasileiros, teremos que inventar a nossa. A ousadia que nos cabe é inventar. Quando quisemos copiar, erramos. Quisemos copiar o modelo do financiamento privado de campanhas. Deu no que deu. O componente principal da ousadia que precisamos ter é que precisamos levar esse debate para as massas e fazer com elas se mobilizem e decidam ir para as ruas, criando uma efervescência, um novo dinamismo na política brasileira. No meio dessa efervescência, também vão surgir novos líderes. Não adianta ficar olhando para trás e procurando onde estão os líderes do passado. A dinâmica da luta de classes vai forjar novas lideranças e novas formas de organização também.
     
    Na tua opinião, há um avanço de ideias e valores conservadores no Brasil, de uma direita mais orgânica e extremada, ou é muita fumaça o que está aparecendo nas ruas?
     
    Eu acho que é muita fumaça. Nas raízes do povo brasileiro há energias muito saudáveis. O povo brasileiro é solidário, trabalhador e digno. Agora, essa fumaça é resultado da hegemonia ideológica da burguesia nos meios de comunicação. A Globo é a principal responsável pela projeção desses falsos valores, desse negativismo que afirma que todo mundo é corrupto. Ela projeta essas ideias e valores todos os dias, em suas novelas, em seus noticiários. Aí devemos buscar a causa dessa fumaça que esconde a realidade. E nós não temos meios de comunicação de massa alternativos. Ficamos lutando em trincheiras, com uma página aqui, um boletim ali. Não temos um meio de comunicação nacional que consiga fazer esse debate com a sociedade. O que está faltando na sociedade brasileira é debate sobre os seus problemas e suas possíveis soluções.
     
    Neste momento, há vários grupos se reunindo e discutindo a necessidade de formação de novas frentes de esquerda e de setores progressistas da sociedade. Esses grupos vêm conversando entre si?
     
    Do ponto do vista do diagnóstico, todo mundo está com a mesma leitura, ou seja, que a crise é grave, complexa e vai demorar. Mas não há unidade quanto às possíveis saídas. Não tem um programa. Como estão se movendo as forças, acredito que teremos várias frentes. Nós estamos colocando energia na construção de uma que já tem nome, a Frente Brasil Popular, que junta partidos tradicionais, movimentos populares, a UNE, o Levante Popular da Juventude, as pastorais, entre outras organizações. Nós vamos fazer uma conferência nacional dia 5 de setembro em Belo Horizonte para ver se avançamos em nosso programa. Mas acredito que outros grupos de esquerda vão formar outras frentes, alguns porque tem uma vocação mais eleitoral e querem tirar proveito dessa crise do PT.
     
    No entanto, não creio que uma frente de esquerda limitada em sua base social, por mais clareza ideológica que tenha, consiga acumular força. Agora, mais do que saber para onde tu tem que ir, é preciso ter força social acumulada. E, em períodos de crise, para ter essa força social acumulada, é preciso contar com todos os que querem mudanças, sem exclusão ideológica. No caso da Frente Brasil Popular, o espectro de forças com que estamos trabalhando é quem votou na Dilma no segundo turno, que não são poucos. Se conseguirmos aglutinar numa frente cerca de 54 milhões de brasileiros, teremos uma força suficiente para impulsionar mudanças dentro do governo e se preparar para o pós-Dilma.
     
    Uma última questão. Se fosse possível definir numa frase o principal desafio que a esquerda brasileira tem hoje, qual seria ela na tua opinião?
     
    Construir força popular organizada. A esquerda desaprendeu a fazer trabalho de base, de conscientizar o povo, de fazer pequenas reuniões. Faz 20 anos, que a esquerda só pensa em eleição. Temos que parar um pouco de pensar em eleição. Não que a eleição não seja importante. Claro que é importante, pois faz parte da democracia. Nós temos feito bons diálogos com o Tarso Genro, no sentido de que a esquerda precisa recuperar mais o Gramsci. Como viveu num momento de crise do movimento operário italiano, ele tem reflexões que são apropriadas para o período que estamos vivendo. Entre as várias contribuições de Gramsci, uma delas é essa visão de que na luta por mudanças sociais, a luta de classes se manifesta em todos os espaços da vida social. Aparece numa rádio comunitária, num sindicato, num bairro, numa igreja, num jornal, numa fábrica, no comércio, numa praça. Todos são espaços de disputa. E nós, no passado recente, reduzimos tudo isso à disputa eleitoral.
     
    Precisamos preparar a classe trabalhadora para que ela possa disputar, com as suas ideias, todos os espaços da vida social, pois tudo isso é poder político, não só o governo. Para isso, precisamos também recuperar o trabalho de formação de militantes, que a esquerda abandonou. Há uma juventude aí que está a ver navios. A formação política é o casamento permanente entre luta de massas e formação teórica. E a esquerda não fez nenhuma das duas coisas neste último período. A luta de massa foi reduzida à eleição e a formação teórica foi abandonada. Felizmente, a direita está recolocando em nossa pauta a importância da luta de massa. Se não formos para a rua disputar com eles, eles vêm pra cima de nós.

  6. Se o povo brasieiro tem

    Se o povo brasieiro tem afeição por governos progressistas isso se deve à secular desigualdade social. Quando essa zelite zelote entender isso, deixará de lado seu secular golpismo.

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