Gay vota?

A pergunta é pertinente uma vez que nas matérias da imprensa e em blogs (quase) sempre se fala que fundamentalistas cristãos votam, que formam bancadas, que isso e aquilo. Como se apenas eles pudessem decidir as várias questões LGBT em curso no país. Como se gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros fossem desprovidos de voz. Como se pessoas com crença religiosa não fundamentalista (e/ou agnósticos/ateus) não fossem capaz de optar entre discurso inclusivo (e de direitos humanos) e discurso preconceituoso.

A realidade mundial não é essa : ao longo das últimas duas décadas acumulam-se os progressos nas legislações que buscam isonomia de direitos por orientação sexual, com muito poucos retrocessos. Isso é claro inclusive nos EEUU (país com ¼ de população fundamentalista cristã), com exemplos desde 2009 (incorporação de gays às FFAA, casamento civil em Nova York, política externa declaradamente anti-homofobia.)

Em 2012 ocorrerá algo interessante na eleição para prefeito de São Paulo : os candidatos serão instados pelos eleitores (mais bem pelos líderes) fundamentalistas a se manifestarem anti-direitos LGBT. Acontecerá isso?

Algumas contradições estão em curso:

Russomano, eventual candidato pelo PP se Serra não se candidatar, tem um histórico pró-direitos civis LGBT. Ao mesmo tempo milita no PRB, partido com fortes laços com a Igreja Universal (TV Record.)

Chalita, candidato do PMDB e ligado à Igreja Católica (Canção Nova) nunca se manifestou enfaticamente nem simpatizante nem ao contrário. O fará agora?

Serra (PSDB) sempre foi simpatizante LGBT, tanto que em 2009 orientou a formação da célula de atendimento a transgêneros no sistema de saúde do Estado e em março/2010, em duas tacadas, regulamentou a lei Anti-homofobia (sancionada em 2001 por Alckmin) e criou órgãos de apoio e defesa dos direitos LGBT. Sem contar a propaganda que faz como suposto mentor dos genéricos no combate à AIDS. Mas perdeu muito do apoio e imagem que tinha quando se deixou filmar dizendo que iria vetar o PL 122 se eleito presidente.

Haddad (PT) foi o grande mentor do programa “Escola sem homofobia”, com apoio de outros ministérios (Cultura, Saúde, Direitos Humanos.) Ele renegará a paternidade do programa por razões eleitorais agora, prejudicando seu histórico progressista? Ou romperá com o impasse removendo a chantagem eleitoral do cenário?

PV/PCdB/PPS/PSB/PDT : será muito curioso observar se esses partidos, especialmente os dois primeiros mas todos com bom percentual de votos na capital, apoiarão um discurso não simpatizante.

São Paulo é uma cidade onde talvez a maioria apóie causas como casamento civil entre pessoas do mesmo gênero e a adoção de crianças por casais assim formados. A parcela da população mais propensa a votar em candidatos conservadores, do ponto de vista econômico e social, portanto eleitores potenciais do PSDB e/ou PMDB, é justamente a de maior renda e escolaridade, e também em pesquisas a que mais é favorável a direitos LGBT (e também à despenalização do aborto.) A parcela da população mais propensa a votar no PT/PP (partidos dos candidatos atuais a prefeito que, por coincidência, mais se comprometeram com causas LGBT em passado recente), seguindo os recortes geográfico-sociais do município, é, por sua vez, aquela onde há maior conservadorismo religioso. Essa contradição não aparece no cenário norte-americano, pois lá, ao contrário daqui, religiosos conservadores não tem penetração na opção política menos conservadora, votando em massa nos Republicanos (vis-a-vis os Democratas, que recebem quase toda a votação de LGBT e de minorias étnicas).

Há a imprensa e seu partidarismo. A mídia paulista (pensando nas semanais e diárias com grandes tiragens) é notoriamente pró-direitos LGBT. A mídia paulista (com exceção da semanal Carta Capital e do jornal financeiro Brasil Econômico) é notoriamente anti-PT. Como farão para explorar as contradições do candidato petista sem por sua vez serem contraditórios?

E restam as próprias divisões entre religiosos. Já há algum tempo o discurso da Igreja Universal (que peca no exagero de sua campanha contra o “Escola sem Homofobia”), que é muito ligada a PR/PRB, se distancia do discurso da Assembleia de Deus (por sua vez origem da maioria dos parlamentares do PSC.) Em relação à União Homoafetiva, anticoncepcionais e aborto, a IURD apresenta uma visão menos conservadora até que a CNBB (embora esta pareça aceitar melhor a criminalização da homofobia.)

Em 2010 tivemos, na eleição presidencial, três candidatos com maior visibilidade e as questões aborto/homofobia entrarem na pauta. Marina Silva, sem chances reais, fez cara de paisagem (por ser evangélica?) Serra aderiu ao discurso neoconservador para ajudar a eleição a ir para 2º turno e se posicionar com mais chances. Dilma precisou (e/ou achou que precisava) ceder em parte ao discurso para recuperar a vantagem, posto que ela era um nome por conhecer, ainda que avalizada por Lula. (Para mérito de Dilma e Marina, as declarações e atitudes delas a respeito desses temas foram menos canhestras que as de Serra.)

É bem possível que o cristal da chantagem eleitoral se quebre desta vez. Isto porque o candidato da “situação” (possivelmente Serra apoiado pelo PSD de Kassab) está em vantagem nas pesquisas, ele é o candidato a ter o discurso criticado e que precisa trabalhar com a rejeição. E os candidatos que podem crescer (Haddad/Chalita) é que podem buscar um discurso mais moderno para se diferenciar. Se fizerem isso romperão com o dilema e ajudarão a enterrar essa perversa associação entre fundamentalismo religioso e política. Na eleição municipal há o impacto da nacionalização da eleição (argumentações sobre privatização, impostos e segurança) mas há também o impacto da ética (que em tese ajuda bandeiras de Direitos Humanos e laicicidade) e questões mesmo para a prefeitura, como educação e saúde (onde os vários candidatos, aliás, têm performance a apresentar.)

Se todos os candidatos com chances eleitorais se posicionarem como retrógrados, a eleição será um perde-perde, tal qual na “Teoria dos Jogos”. Votos não mudarão de lugar e haverá o prejuízo na imagem. Se todos forem “progressistas” os votos também não mudarão de lugar, as questões do cotidiano municipal é que ficarão mais visíveis, com benefícios para o eleitor (e também para o currículo dos candidatos.) Mas se um ou dois candidatos se posicionarem como defensores de direitos LGBT antes dos demais, além de ajudarem a passar da primeira situação para a segunda, ganharão o bônus de estarem do lado dos direitos humanos fundamentais.

Cabe ao (e)leitor pensar : mas afinal, qual o benefício que pastores e padres conservadores obtêm ao fazer chantagem eleitoral? Colocar pressões como as que fazem não ajuda aos seus rebanhos a escolherem as melhores alternativas para o desenvolvimento econômico-social da cidade, então, por quê? (Eu tenho minha hipótese.)

E cabe a nós organizarmos a discussão e nos informarmos. Com vistas a isso recupero algumas matérias:

Posts do brasilianas em torno de gays, fundamentalistas e política:

http://advivo.com.br/blog/luisnassif/quando-religiao-e-politica-se-encontram (Maurício Dias, Carta Capital, sobre os aspectos neo-inquisitoriais do processo político brasileiro atual.)

http://advivo.com.br/blog/luisnassif/as-criticas-da-abglt-ao-governo (a visão de um importante Portal LGBT – MixBrasil e seu colunista Marcelo Cia –  a respeito da passividade do governo.)

http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/o-medo-diante-do-gay-por-cynara-menezes (Também colunista de Carta Capital, mostra os medos que são manipulados.)

http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/onu-aprova-resolucao-de-igualdade-para-homossexuais (a tendência mundial favorável a igualdade de direitos para LGBTs.)

Outras matérias de interesse:

http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI5510176-EI8423,00-Evangelicos+gays+e+o+inferno.html (de Marcelo Carneiro da Cunha, do terramagazine, sobre o discurso político fundamentalista.)

http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/hillary-clinton-esteja-no-lado-certo-da-historia (sobre a medida dos EEUU de seguir o Reino Unido nas restrições à ajuda externa a países com legislação homofóbica.)

http://www.blogcidadania.com.br/2011/07/os-tres-niveis-de-homofobia/ (De Eduardo Guimarães, sobre a importância da escolaridade – indiretamente do kit ant-homofobia – na formação de preconceitos.)

Estas ainda de Marcelo Cia (Portal MixBrasil):

http://mixbrasil.uol.com.br/blogs/cia/2012/02/09/eleicoes-2012-guerra-santa-em-sao-paulo.html

http://mixbrasil.uol.com.br/blogs/cia/2012/02/13/o-vai-e-volta-da-dilma.html

http://mixbrasil.uol.com.br/blogs/cia/2012/02/08/dilma-saindo-do-armario.html

Alguns comentários que escrevi e/ou tópicos que abri no próprio brasilianas ou no Portal Luís Nassif:

http://blogln.ning.com/forum/topics/gay-vota? (Em torno do discurso de Hillary Clinton e potenciais utilizações políticas.)

http://www.luisnassif.com/forum/topics/vamos-ver-os-videos-entao? (sobre o projeto Escola sem Homofobia, do candidato Haddad enquanto Ministro da Educação.)

http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/o-gay-o-pastor-a-blogosfera-e-o-pig (sobre as dificuldades e contradições para partes da mídia e da blogosfera progressista.)

http://www.advivo.com.br/node/746474 (sobre a “matemática eleitoral” ligada à questão LGBT VS fundamentalistas)

Redação

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