José Bernardo da Silva, o senhor dos cordéis

Nos últimos tempos, visando a formação de agentes sociais e comerciais autônomos, viu-se a palavra “empreendedorismo” tomar ares de pedra filosofal. Prêmios para o empreendedor do ano, felicitações, estudos de casos, crédito (pouco e dificultado, mas presente), planos de governo (microempreendedor individual) e outras afirmações vêm marcando o estatuto nacional. No nordeste, essas raízes são antigas e promoveram o sistema de criação e distribuição do cordel. 

No sistema cordelístico os pioneiros são, sem mácula e com sucesso: Leandro Gomes de Barros, o fundador; João Martins de Athayde, o expansor; e José Bernardo da Silva, o visionário. E é sobre esse último que derramaremos nossas pequenas luzes. 

José Bernardo chegou no Juazeiro em 1926, vindo de Palmeira dos Índios, nas Alagoas, mas só começou a escrever versos em 1930. Ao mesmo tempo passou também a negociar com poesia, mas sem se afastar da agricultura, como ele mesmo afirma: “Eu nunca vivi somente de poesia.” Entretanto sua prática coloca em dúvida essa afirmação pois estabeleceu sua própria Tipografia São Francisco, comprou algumas máquinas a partir de 1938: a primeira de Assis Bezerra, da Tipografia Minerva, em Fortaleza; depois comprou mais uma máquina da Tipografia Paulina, hoje Edições Paulinas; a seguir comprou mais uma de Dr. Feitosa. E a partir daí não parou mais, transformando-se no maior editor de cordéis no Nordeste brasileiro.

A grande virada na vida de editor de José Bernardo foi a compra do acervo de João Martins de Athayde, segundo o próprio Bernardo: “… eu comprei essa coleção do Athayde, que é a maior, que eu chego no fim dela com esses romances mesmos, que nós não temos capacidade para imprimir todos.” Para alguns essa negociação se deu na década de 50, mas um depoimento da viúva de Athayde aponta para outra data. Diz Dona Sofia Cavalcanti de Athayde: “… Foi mais ou menos em 1942, porque esse menino nasceu em 1945, ele era novinho, foi quando ele mudou-se para a Rua Imperial, que a casa também era nossa, ali junto do rio Una.” Como Athayde se aproximava dos 70 anos é possível que a compra tenha se dado entre 42 e 47, mas não na década de 50.

José Bernardo faleceu em 1972 vendo seu negócio em decadência. Sempre colocou a culpa nos cordéis publicados em São Paulo pela Editora Prelúdio. Ao contrário do que diziam os pesquisadores, não foi o rádio, o jornal, tampouco a televisão os responsáveis pela crise e fechamento das editoras de cordel no interior do Nordeste. É o que diz José Bernardo: “Principal exemplo no Norte, digamos, que tem a Prelúdio, no Sul… Faz uma capa muito bonita, porque tem máquinas suficientes, e nós não podemos aplicar o papel adequado que chame a atenção da plateia como eles lá. Já é o fracasso, tanto em clichés como em papel para a capa.”

José Bernardo tem grande importância para mim, especialmente. Explico. A teoria sobre o cordel brasileiro que desenvolvi estuda o cordel a partir dos seus traços literários, abandonando aquela marca folclórica que alguns pesquisadores continuam a apregoar. O cordel não é folclore porque não é anônimo, tem autor, editora e datação. Esses mesmos estudiosos desenvolveram uma tabela de classificação dos temas do cordel e o foram organizando em ciclos. Mas esses ciclos são regidos também pelos estudos folclóricos, logo, obsoletos. A minha classificação abrange o cordel observando a aplicação dos gêneros literários, oferecendo ao cordel aquele traço que lhe é fundamental: o traço poético. Obedecendo à classficação clássica temos os cordéis de predominância lírica, epopéica, dramática. Obedecendo à classificação moderna, encontramos o cordel ensaístico, biográfico, performático. Encontramos também a crônica cordelística. Essa teoria iniciou-se com meu encontro com o cordel “Conselhos Paternais”, de José Bernardo da Silva, no qual não é contada uma história, nem retratada uma peleja. É um cordel lírico, quando o poeta apenas reflete sobre como deveria ser o filho ideal. 

Pra mim, José Bernardo da Silva foi o visionário que, sob as bençãos do Padre Cícero, fundou a Tipografia São Francisco, no Juazeiro do Norte, Ceará. Suas máquinas irrigaram o Nordeste de folhetos de cordel. De sua pequena valise desabaram versos e rimas pelo chão do mundo, pelo céu dos planetas, pelos olhos das gentes, pelas mãos dos viventes. Foi uma entidade plantada no Cariri, um mandacaru polido no barro do massapê, soprado pela divindade para alegrar as nossas vidas. Domou o Dragão, de Juvenal, namorou a Donzela Teodora, amasiou-se com a Imperatriz Porcina, foi companheiro de João de Calais. À noite, no breu dos tempos que longe vão, não amaldiçoou a escuridão, pelo contrário, acendeu a lamparina da poesia, desenhou caminhos de luz para nós, leitores, poetas e sonâmbulos. Com as mãos sujas de tinta gráfica escreveu versos limpos e profundos, revelou o sertão para todos. Sua gráfica foi um portal para outra dimensão, foi o buraco transcendental no qual caímos todos, seduzidos pelo seu carisma. José Bernardo da Silva, mais que Homem, Semideus, Titã, herói dos folhetos, lenda e protetor! Nossos mais profundos respeitos!

 

Redação

1 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. PALMEIRA DOS ÍNDIOS E O SENHOR DOS CORDÉIS

    Sou criador da página no facebook chamada A PALMEIRADA (https://www.facebook.com/groups/APAMEIRADA/ ) com mais de 11.440 membros, neste momento, que adoram a cidade de PALMEIRA DOS ÍNDIOS, Alagoas, e ví este seu texto sobre este fantástico SENHOR DOS CORDÉIS. Sou sobrinho do historiador LUIZ B TORRES (in memoriam) e continue, via a Palmeirada, o resgate e manutenção histórica desta terra.

    Gostaria de saber mais sobre este.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador