Maioridade penal: falácia e diversionismo

   A lei que define a maioridade penal no Brasil é de 1940. Sou mais novo que isso, tenho 54 anos de idade. Vivi dos 16 aos 18 anos na década de 70. Não acho que os adolescentes ficaram mais maduros de lá para cá. São mais tecnológicos e recebem grande quantidade de informação. Ocorre que informação não é conhecimento e conhecimento não é saber, já dizia Frank Zappa, a conferir. Principalmente quando essa informação tem grande volume e pouca qualidade, apenas gerando mais confusão. A maturidade não sai das páginas do facebook, é preciso bater cabeça na vida real para eventualmente conquistá-la. Por outro lado, o mundo feito por mais velhos como eu ficou mais veloz e competitivo para eles. Passou a exigir bastante deles. Não sei dizer ainda se respondem adequadamente às nossas exigências, mas é certo que estão construindo o seu caminho no fragor da vida e espero que acertem. Espero que ao menos desconfiem, embora tenhamos desconfiado de nossos pais e, mesmo assim, ainda reproduzimos muitos dos seus equívocos. Apesar dessas transformações todas, eu não diria que um adolescente do ano 2013 é mais maduro que aquele menino como eu, que jogava futebol de salão, curtia Pink Floyd e tinha muitos amigos nos anos 70. Eu era tão bobão quanto qualquer adolescente de hoje, com todo o respeito e sem demérito.

   É um ponto de vista pessoal e intuitivo, dos quase quarenta anos em que pude observar as mudanças nos modos de experimentar a juventude. Considere-se ainda que minha capacidade de observação é limitada. Contudo, é bem possível que as transformações ocorridas em um período muito maior do que este, desde os anos 40 do Código Penal, tenham sido realmente capazes de proporcionar maior sabedoria a um garoto de 16 anos. Ora, se um garoto de 16 anos enxerga a vida com maturidade suficiente para ser um cidadão correto e, ainda assim, comete um crime bárbaro, aceito que deva responder como adulto. Salvo engano dos legisladores em 1940, e admitindo com muito boa vontade que o jovem de hoje amadureceu nessa faixa de idade, dou-me por vencido: rebaixe-se a maioridade penal. Enfim, há muita impunidade, teremos mais jovens punidos, menos impunidade, fim de papo.

   Problema resolvido? Claro que não. Se nos referimos à violência, que é o que mais assusta e importa, a redução da maioridade penal resolve pouco ou quase nada. As estatísticas mostram que menos de 3% dos crimes graves são cometidos por menores de idade. De fato, isso sossegaria nosso desejo de vingança contra os malvados que têm surgido nos jornais. Que seja, embora isto não aplaque tanto os espíritos vingativos quanto o retorno às execuções em praça pública. Quem comete um crime hediondo ou é louco de nascença ou foi enlouquecido pela vida. Frase perigosa, eu sei. Será que um assassino cruel, muito provavelmente um ser desequilibrado, vai deixar de cometer o crime por temor às leis? Ou aquele criminoso mais velho, que se utiliza de um menor para agir em seu lugar, vai deixar de cometer o crime por falta de mão-de-obra? Mesmo que acreditemos nisso, a polêmica é vazia.

   Temos aí uma falácia que esconde um diversionismo proposital.

   A falácia consiste em associar a redução da maioridade penal à redução da violência. Duvido que uma reduza a outra, pois 97% dos crimes bárbaros são cometidos por maiores de idade e a maneira de atuar sobre os 3% é canhestra, algo parecido com aquela história do bode na sala (quem não conhece, sugiro que pesquise, pois é bem útil e aplica-se a várias situações). Ataca-se a causa errada. A violência que existe aqui no Brasil e em várias partes do mundo é resultado de uma reação química explosiva, quando se juntam o consumismo e a desigualdade social. Nitroglicerina pura.

   Sinceramente, não vejo como tratar a curto prazo da questão do consumismo, porque ainda tem muita gente no Brasil que precisa de fato consumir. O consumo desbragado de supérfluos, por sua vez, envolve transformações culturais e até mesmo na matriz econômica que não pretendo discutir. Vivemos em um mundo hedonista e capitalista. Paro por aqui nesse aspecto.

   Segunda substância da equação explosiva que detona a violência, a desigualdade social pode ser combatida na prática. Vem sendo combatida, aliás, porém as realizações ainda são insuficientes. Não é porque Lula e Dilma reforçaram as políticas sociais que devemos nos dar por satisfeitos. Ainda falta muito para termos um padrão de equidade razoável. Há que fazer mais nesta área, enfrentar com mais energia a crítica conservadora. Esta nova classe C ainda está muito pobre. E há padrões de riqueza obscenos. Um exemplo corriqueiro: tivemos um mês de pressão nos jornais pelo aumento dos juros básicos; a desculpa foi a inflação que, ressalte-se, já estava em queda; o Banco Central cedeu 0,25% à banca; no final das contas, este traque percentual custou R$ 4 bilhões de impacto anual na dívida pública brasileira. Estes R$ 4 bilhões poderiam ser direcionados à área social, já que os nossos bancos não estão em dificuldades financeiras. É simples, mas quase ninguém falou.

   Políticas sociais devem ser muito abrangentes e se relacionam com diversas áreas. O tratamento aos viciados em crack é um exemplo. A educação básica é outro. Acima de tudo, combate-se o crime com escola boa. Acredito no poder das escolas, e não das prisões. Os governos estaduais e prefeituras respondem pelo ensino de primeiro e segundo graus, onde as deficiências são mais graves. Têm falhado de maneira rotunda. Aqui em São Paulo, as omissões no campo social e o desprezo pela educação pública refletiram-se de maneira constrangedora nas estatísticas do crime, mesmo com os alegados investimentos em segurança. Não vejo os órgãos de comunicação falando diariamente, com estardalhaço em manchetes, sobre a lástima do ensino público por aqui, com professores mal pagos e desordem administrativa. Não se esmiúça o problema. É por isso que falo em diversionismo proposital. Os grandes meios de comunicação pautam o debate, gastam manchetes e mais manchetes com esta ridícula questão da maioridade penal, todos os seus holofotes desviados daquilo que é relevante (e politicamente perturbador), numa exibição de parcialidade jornalística que obstaculiza o verdadeiro progresso. O que proponho, para começar, é mais objetividade. Olha o foco!



Redação

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