Mundo assiste hoje à construção da “grande Eurásia” sonhada por Putin

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Na TVGGN, "Observatório de Geopolítica" debate encontro entre Putin e Xi e as consequências da guerra no Oriente Médio

A mídia ocidental não deu o devido destaque ao encontro travado na semana passada entre Vladimir Putin (Rússia) e Xi Jinping (China). Ofuscada pela passagem de Joe Biden (EUA) por Israel em meio à guerra assimétrica contra com o Hamas, a reunião entre Putin e Xi não foi pouca coisa. Ela consolidou a percepção de que está em marcha a construção da “grande Eurásia” sonhada por Putin.

A importância do encontro entre Xi e Putin, o impacto da guerra no Oriente Médio e as posições de China e Rússia no conflito Israel-Hamas foram temas retratados no Observatório de Geopolítica, da TVGGN. O programa foi transmitido no Youtube na noite de segunda (23), com mediação do cientista político Pedro Costa Jr. e análises de Valdir Bezerra e Ana Lívia Esteves (internacionalistas especializados em Rússia) e da convidada Milena Megre (especialista em energia e consultora dos Brics).

Bezerra chamou atenção para a fraca cobertura da imprensa ocidental sobre o encontro. Ele disse que, na China, Putin deu uma entrevista salientando que aquele era a 40ª reunião com Xi, a quem considera um amigo pessoal. “Imagina o número de acordos e consonâncias que eles já conseguiram firmar com esses 40 encontros”, comentou. Em frente às câmeras, Xi virou para o Putin e disse que eles são os “principais atores que estão movendo o tabuleiro global hoje”.

O grande projeto de Putin

Direto de Moscou, Valdir Bezerra fez uma incursão sobre a história contemporânea da Rússia, explicando que o grande projeto do Putin era criar uma grande Europa, de Lisboa até Vladivostok. Ele dizia que queria unir os recursos energéticos da Rússia com os recursos industriais do resto dessa Europa, para que a região fosse independente de agentes externos ao continente. Inclusive, ele pensava em um regime de segurança que substituísse a OTAN.” Entretanto, a resposta da Europa ocidental foi um “bater de portas” na cara da Rússia.

E então nasceu o plano B de Putin. “Bem, se ele não conseguiu criar a grande Europa, a alternativa foi criar uma grande Eurásia, que é a harmonização entre dois projetos distintos”. O primeiro, a união econômica euroasiática, capitaneada pela Rússia, criada em 2014 com Bielorrússia, Armênia, Cazaquistão e própria Rússia, baseada no modelo europeu de livre circulação de bens, pessoas e capitais.

Em 2015, Putin e Xi assinaram o acordo que adicionou à harmonização o projeto de integração chinês, que é a nova rota da seda. “Ela tem característica de construção de ferrovias e infraestrutura para conectar desde a região ocidental da China até os mercados europeus atravessando a Ásia central e, inclusive, a própria Russa.”

Essa junção do projeto transnacional chinês com os interesses de Moscou é a fundação da Eurásia sonhada por Putin. E “a visita de Putin à China consolida a percepção de que a gente vive hoje a construção dessa ‘grande Eurásia’, já que a ‘grande Europa’ que Putin quis criar com o ocidente acabou sendo inviabilizada por ações erráticas desse próprio ocidente para com Moscou“, pontuou Bezerra.

Ana Lívia Esteves, que também vive na Rússia, salientou que o interessante sobre este florescer da Eurásia sob os olhos do mundo atual está na “nova forma de convivência entre os estados, que não será feita nos mesmos moldes que estávamos acostumado a ver na década de 1990 e 2000”.

“O interessante vai ser ver como os dois países farão o processo de integração não hierárquico e por novas regras, que não estarão mais na OMC. Agora, por questões de sanções impostas à Rússia, o país não usa mais as regra da OMC”, lembrou Ana Lívia Esteves. “E China, para negociar com Moscou, terá de fazer um novo arcabouço de regras legais. Vamos ver esse processo se desenvolvendo agora”, acrescentou.

Ironicamente, Rússia, segundo ela explicou, fez muitas concessões para entrar na OMC, inclusive desagradando elites internas. Logo depois de conseguir entrar para o bloco, Rússia passou a sofrer sanções muito fortes e, agora, questiona até que ponto deve acatar as regras da OMC.

Milena Megre explicou como o BRICS expandido entra na equação. Para ela, o bloco vive um impasse com o mundo desenvolvido, que pressiona por uma transição energética nas formas de produção.

“A gente está em um momento em que as mudanças climáticas tomaram o debate mundial com força. Entretanto, os BRICS e países em desenvolvimento querem investir em energia verde, mas entendem que primeiro vem a questão econômica. Eles vão utilizar da energia que tiverem para produção e crescimento econômico interno. É diferente do ocidente, que pode se industrializar antes – foram os países que mais poluíram por muito tempo, que participaram da revolução industrial – hoje se dão ao luxo de advogarem por essa energia mais limpa.”

Rússia, China, Brasil, Índia, África do Sul, Irã, Egito são países ricos em reservas de petróleo e gás. Uma transição para a energia limpa terá de ser feita progressivamente, apontou a especialista.

“A gente transitou do carvão para o petróleo e isso não foi do dia para a noite. Então não vamos abandonar o petróleo rapidamente. Acho que é essa dinâmica que é difícil para o setor internacional aceitar.”

Guerra no Oriente Médio

Sobre a guerra entre Israel e Hamas, Ana Lívia Esteves e Valdir Bezerra analisaram que a Rússia não tem qualquer interesse na escalada do conflito armado, ao contrário do que muitos líderes e meios de imprensa ocidentais afirmam. Moscou quer o cessar-fogo e culpa o ocidente por impedir essa resolução pacífica na ONU.

A Rússia tem adotado o discurso de que os EUA estão fazendo “monopólio” nas tratativas de paz em torno do conflitos no Oriente Médio, “alienando a comunidade internacional e evitando tratar do tema central, que é a criação do estado palestino.” Putin também chegou a dizer que os assentamentos de Israel é uma das causas do conflito, apontou Ana Lívia.

Se para a Rússia a escalada do conflito não é interessante, para a China, menos ainda, “porque ela é a maior importadora de recursos energéticos do mundo e aquela região oferece muito suprimento. Em resumo, eles farão o possível para que o conflito não escale”, finalizou Bezerra.

O Observatório de Geopolítica é transmitido toda segunda-feira, às 19 horas, na TVGGN. Assista ao programa completo abaixo e confira outros episódios clicando aqui.

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

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