O depois

O mensalão deverá influir bem pouco nas eleições, mas será preciso restaurar publicamente a verdade dos fatos depois de encerrada a fase do espetáculo. Não basta o provável sucesso eleitoral daqueles que se alinham ao espectro progressista das disputas políticas. A prevalência dos valores sociais encontra sua razão de ser em valores humanistas. Muita gente boa foi condenada devido à intensa pressão midiática que colocou o STF de joelhos. José Dirceu e Genoíno lutaram para mudar o país, semearam um futuro melhor para todos os brasileiros. Como prêmio por suas trajetórias em favor da justiça social, cumprirão penas definidas em um processo de viés inquisitorial. Sofrerão a dor da injustiça. Seus familiares, além desse sentimento de injustiça, suportarão amargas ausências. Posso imaginar os olhares injetados dos justiceiros, tristes olhos que se comprazem na acre satisfação da vingança. Desprezemos por um instante estes que se embebem no ódio. José Dirceu e Genoíno não merecem tanto ódio. Cometeram seus erros, decerto, mas o poder e a sanha mesquinha de seus julgadores produziram castigos desproporcionais a esses delitos. O espírito condenatório da manada há de ser posto em seu devido diapasão.

Os argumentos centrais do julgamento são falhos. Tão falhos que, já nos seus estertores, continuam sendo argumentos. O dinheiro desviado é público, mas saiu de uma empresa privada, a Visanet, que tem os maiores bancos privados do país entre seus acionistas. O dinheiro foi desviado e não se impõe o ressarcimento ao erário. De onde vieram os R$ 73 milhões? O Banco do Brasil, dono do suposto dinheiro público surrupiado, fez uma longa e pormenorizada auditoria e constatou que os serviços de propaganda foram realizados. Bem realizados, por sinal. A DNA Propaganda alçou a bandeira Visa-BB a posições nunca antes obtidas no “market share” (chique, hein?) dos cartões de plástico. O dinheiro, segundo decretaram, para justificar o caminho do peculato, não veio dos empréstimos bancários no Banco Rural. Concluíram por falsas operações de crédito, contratos de gaveta. Estratégica conclusão. Se fossem empréstimos verdadeiros, os magistrados apontariam suas baterias para um frustrante crime mal tipificado no Código Penal ou “apenas” o banalizado caixa dois de eleição. Seria pouca munição, se considerados os objetivos políticos almejados, tão distantes de uma verdadeira busca de soluções para evitar o abuso de poder econômico nas campanhas. Os argumentos da Corte, transformados em sentenças, não foram esclarecidos a contento. Ficamos com o reles domínio dos fatos, com a ausência de provas convincentes, com a suposta habilidade em ocultar dos “chefes de quadrilha”, com a presunção da inocência incinerada, com as bravatas políticas dos decanos, com a baba bovina dos telespectadores globais.

Parte da nossa classe média, que é assalariada e não detém os meios de produção – mas que deseja ver sua imagem refletida no espelho das verdadeiras elites – tem receio de perder alguns anéis. Desejo crer de boa fé que tal receio não seja de que os mais pobres venham lhe usurpar a posição social. Assim, os amedrontados transpiram conservadorismo e preconceito, em sua fúria indignada e seu moralismo de ocasião. Esta classe média serve aos barões e repudia os mais humildes que vêm se integrar ao seu contingente. Presenteia os ricos e cospe nos pobres, como dizia o refrão da música. Seu medo de empobrecer é pueril, injustificado, pois o Brasil caminha decididamente rumo a um futuro melhor, livre das travas do liberalismo radical e concentrador. A classe média assalariada, que não é elite e trai cegamente suas origens, deve perceber que somente o seu crescimento a tornará mais forte, mais segura e menos sujeita às intempéries de uma sociedade contaminada pela miséria e pelo ódio.

Estamos a 4 dias do segundo turno. Exceto se acontecer alguma tragédia de última hora, os resultados das urnas consolidarão mais uma etapa decisiva para os destinos do Brasil. Poderemos ficar satisfeitos com o fracasso da celeuma golpista, com os sinais alvissareiros das novas formas de comunicação, com a crescente conscientização do eleitorado. Correm novos tempos. Contudo, permaneçamos atentos às demandas sociais, apontemos as incongruências e vaidades do Judiciário e da velha mídia (poderes sem voto), sejamos exigentes com seus futuros despachos e manobras, evitemos o retrocesso. E, com o mesmo empenho, guardemos vigilância em relação à nossa própria humanidade, corrijamos nossos erros, preservemos nossos corações para que continuem na luta, sensíveis às dores e tragédias familiares de todos aqueles que foram levados injustamente à fogueira.

 

Redação

1 Comentário

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  1. Um ano depois, texto permanece atual

    Basta substituir:

    “Estamos a 4 dias do segundo turno.” (no início do último parágrafo)

    por:

    “Estamos a 1 ano do da eleição de 2014.”

     

     

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