O “docinho”, uma tragédia nacional.

[Este texto foi escrito no dia 31 de agosto próximo passado, mas não pblicado; porém, como ainda estamos em periodo eleitoral e com um golpe de Estado em curso na mais corte de justiça do país, resolvi publicá-lo aqui]

Consta que, o primeiro pedido de emprego público no Brasil deu-se na Carta de Pero Vaz de Caminha a D. Manuel, o Venturoso, dando conta da descoberta do Brasil. O mesmo Pero pedia um emprego ao Rei para um seu familiar. Durante o primeiro século da história brasileira só veio pra cá que teve negócio. Ou porque veio como empregado do Rei pra administrar a nascente colônia por três anos; ou porque veio degredado, com meio mundo de pendências. Em 1580 já havia alta autoridade administrativa no Brasil, investida num mestiço: Cristóvão de Barros, filho do primeiro cobrador de imposto, Antonio Cardoso de Barros, e de uma índia, tal a carência de pessoal em Portugal disposto a vir pra cá. No mesmo 1580 o fluxo de degredados aumentou consideravelmente com a fuga em massa dos judeus, cristãos-novos ou não, em sua segunda fuga: primeiro da Espanha, um século antes; agora de Portugal, movido pelo mesmo medo das fogueiras espanholas e sua “Santa” Inquisição, com a união das duas coroas. Marginalizados, e quase sempre de olho no dinheiro da viúva. No emprego público.

Bernadete, nome fictício, chega pra mim desolada. Não sabe mais o que fazer. Saiu como candidata a vereadora numa cidadezinha de oito mil habitantes, com nove edis, menos de cinco mil eleitores, muitos deste que passam mais de metade do ano na Baixada Santista, no Estado de São Paulo, retornando por dois ou três meses ao ano – boa parte só nas férias regulares de 30 dias, que sempre fazem coincidir com a eleição. Ninguém. Absolutamente ninguém na cidade vota no projeto; todos votam de acordo com interesses que vão desde um saco de cimento pingado aqui e ali à compra grossa do voto; e claro, pros “paulistas”, as passagens de vinda e retorno. E Bernadete já sabia disso; só que não acreditava ser a coisa tão profunda. Pra ganhar ela poderá gastar duas ou três vezes o que receberá de subsídio – eufemisticamente, o salário de vereador – durante os quatros anos de mandato. Hoje veio desabafar comigo: “a todo mundo que abordo falando sobre seriedade administrativa, projetos coletivos, melhoria geral, mesmo os professores formados e até outros profissionais de nível superior sempre me dizem que as minhas intenções são boas; mas tem que haver o ‘docinho’ que é a propina”, confessa desolada. Eu estou falando sobre Bernadete, uma criatura que começou a trabalhar no serviço público como assistente de um deputado estadual, típico do assistencialismo. Horrorizada com o que está vendo in loco. Foi conversar com uma senhora buscando convencer-lhe a votar sem “o docinho” e ela, na lata: “ah, minha filha, a gente sabe muito bem dessa história de vocês. Vocês ganham e desaparecem. E ganham muito do governo. O governo só olha pro rico. Olha, eu tenho uma filha em São Paulo com quase dez anos trabalhando na casa de um doutor lá, e o doutor, um grandola, só vive fazendo empréstimo ao governo e sem pagar… já tá podre de rico. E no caso de vocês políticos, aí é que ganham de graça! E eu não voto em você não que você ta muito metida a besta”; e encerrou o papo.

Eis o país do imediatismo; onde os do poder, especialmente o econômico vivem de fazerem armadilhas contra os cofres do Estado. O povo não sabe nem tem mecanismos pra fazer essas armadilhas; mas tem pleno conhecimento de suas existências; e até perdoa e apóia quem as faz, desde que divida o produto do roubo. Uma sociedade primitiva que depende da sua elite para ser reconstruída. Cuja elite é pior do que o povo. Onde a presunção da honestidade só existe na Lei, porque na cultura, ela, a honestidade é morta há muito tempo.

Redação

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