Ode romana ao Deputado Marcelo Aguiar

Antes de quaisquer considerações farei duas longas citações. A primeira sobre a literatura romana, segunda sobre os hábitos sexuais em Roma.

“O insulto obsceno, que despencava em cataratas, era também um gênero de polêmica literária: Catulo e Marcial derramavam insultos obscenos às carradas sobre os poetas seus rivais. Esse emprego polêmico da obscenidade era comum entre os senadores, os intelectuais e o povo. No início da terceira Bucólica de Virgílio, dois pastores se encontram e trocam o que seria uma mistura de confraternização e de hostilidades (são dois rivais). Terminam essa conversa ambígua acusando-se – chega ser cômico – de más ações vergonhosas, mas que tanto um quanto o outro sabem que são inventadas. Essa era a concepção romana do gracejo.

O emprego polêmico da obscenidade se explica. Os palavrões eram proibidos; desse modo, para usá-los fosse como fosse, seria preciso ter coragem de violar uma proibição. O primeiro que tivesse essa coragem estaria realizando uma façanha, o que impressionava o adversário, o qual reagiria provando que também não tinha medo; apontará o dedo médio (conhecido como dedo obsceno) para o agressor, fazendo o gesto que os napolitanos e brasileiros chamam até hoje de ‘figa’;

Em resumo, palavras e gestos obscenos eram armas defensivas contra qualquer ameaça, viesse ela de onde viesse. Eis porque os proprietários romanos defendiam seus jardins contra os ladrões instalando a estatueta de madeira de um Príapo muito… priápico; e as casas romanas mais respeitadas tinham à entrada uma imagem de um falo, que desempenhava o mesmo papel protetor outrora desempenhado por uma ferradura entre nós.” (Sexo & Poder em Roma, Paul Veyne, Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 2008, p. 112/113)

“…A festa da Floralia, que contava com jogos, estendia-se de 28 de abril a 3 de maio, momento de renovação primaveril. No livro V de seus Faustos, Ovídio nos fala dessa divindade ‘cujos dons convêm a nossos prazeres’. E acrescenta que essa festa era em parte celebrada pelas cortesãs, pois, diz, ‘a deusa não é dessas divindades severas que exibem grandes pretensões, ela quer que seu culto seja acessível à multidão plebéia e convida-nos a usufruir a beleza da idade enquanto estiver em flor; após a queda das rosas, desdenham-se os espinhos’.

De fato, por ocasião dessas festas, as cortesãs desfilavam diante dos espectadores e despem-se langorosamente a seu pedido. Era realmente uma festa muito popular, cujo verdadeiro sentido religioso logo se perdeu. A nudez dessas mulheres era originalmente apenas um rito simbólico destinado a provocar fertilidade.” (Os prazeres em Roma, Jean-Noël Robert, Martins Fontes, São Paulo, 1995, p. 238)

Agora vamos ao assunto que interessa. Eu poderia usar argumentos legais, constitucionais e técnicos para demonstrar que é inviável e inexecutável a proposta do Deputado Marcelo Aguiar em favor da proibição de vídeos eróticos e pornográficos na internet para impedir a masturbação http://www.revistaforum.com.br/2017/01/04/deputado-marcelo-aguiar-quer-proibir-videos-porno-na-internet-para-evitar-masturbacao/. Mas isto não surtiria qualquer efeito.

Não estamos lidando com uma pessoa racional inclinada a respeitar a natureza aberta, livre e laica do Estado brasileiro. Tanto que o referido parlamentar pretende impor a sua moral (ou a moral de sua religião) ao conjunto da sociedade brasileira, o que por si só deveria ser considerado uma falta de decoro parlamentar suficiente para determinar a expulsão dele da Câmara dos Deputados.

Eu também poderia aqui defender o direito à masturbação. Não me parece, porém, que isto seja necessário. Enquanto a Constituição Federal estiver em vigor cada qual é livre para fazer o que quiser desde que não prejudique outrem.

O Brasil é a última flor do Lácio, disse um famoso poeta. Ele tinha razão. Em razão disto e levando em conta as palavras de Jean-Noël Robert devemos considerar o acesso aos vídeos eróticos e pornográficos uma salutar sobrevivência da cultura romana nos trópicos*. Tudo bem pesado, portanto, não preciso mais tecer qualquer argumento contra a proposta do referido Deputado. Apenas por provocação, porém, dedicarei ao tal um poema ofensivo e obsceno para fazer jus a Paul Veyne:

“Um certo pastor

a prática da punheta

Quer agora proibir

Tenta assim encobrir

com honorável capuz

Seu insaciado pendor

de em pessoa engolir

O que pela buceta

Sua mulher não produz”

 

*Nunca é demais lembrar que as mulheres indígenas andavam nuas em Pindorama antes dos portugueses cá chegarem numa tarde feia.

 

PS: Em destaque cópia, do século XIX, de uma pintura perdida do Bar na Via de Mercúrio, em Pompéia.

 

Fábio de Oliveira Ribeiro

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