Os chinelos otavianos do revanchismo.

O editorial de 03/03/2014, da Folha de São Paulo, “Chinelos da impunidade”, tem tudo para parecer um ato de retaliação ao resultado do julgamento do STF que inocentou os réus da AP 470 do crime de formação de quadrilha.

Contendo até insinuações picarescas, tenta envolver em um mesmo balaio a absolvição, os presidentes Lula e Dilma e os denunciados da Operação Porto Seguro que investigou e indiciou os envolvidos em um esquema de compra de pareceres junto a órgãos da administração federal.

Usa para tão ambiciosa missão a notícia da denúncia pelo Ministério Público, e sua aceitação pela justiça, dos envolvidos no caso. Ocorre que para a Folha, aparentemente, só há uma envolvida – Rosemary Noronha.

Transformada de personagem secundário da trama em “uma das mulheres mais influentes da república petista”, “instalada” por Lula no escritório da Presidência da República em São Paulo, “mas não tanto por seus dotes administrativos”. E lá “mantida” por Dilma.

E distorce as informações a ponto de concluir que, embora o caso envolvesse senador, deputado federal, advogados, empresários, milionários e, nada mais, nada menos, que o segundo homem da Advocacia Geral da União, era Rosemary quem estava no comando. Não cita a Teoria do Domínio do Fato, contudo.

Rosemary agiria “como se tivesse recebido um feudo para nele mandar e desmandar, de acordo com a Polícia Federal, comandava de São Paulo um esquema de venda de pareceres que chegou a envolver duas agências reguladoras federais e a Advocacia-Geral da União (AGU)”.

A que absurdos a dor não está levando a Folha? Sim, a dor.

A absolvição dos réus parece ter calado fundo na alma da Folha de São Paulo que agora clama pelos “limites impostos pela Justiça” para que “talvez um dia se recomponha a certeza de que a coisa pública não é um butim devido a quem conquista o poder”.

Como absurdos e demagogia são uma combinação contra a qual devemos criar anticorpos, segue abaixo um compilado do que encontrei sobre o caso pesquisando, entre outras fontes, o O Globo e a própria Folha de São Paulo.

Fala o oposto do que prega o editorial da Folha.

Operação Peixe Grande – entendendo a Porto Seguro

A Operação Porto Seguro da Polícia Federal, ocorrida em 23/11/2012, deveria chamar-se Operação Peixe Grande, dado nível hierárquico e social dos envolvidos.

A operação desbaratou um esquema de fraudes de pareceres técnicos em agências reguladoras e órgãos federais. Mais precisamente, implicava o diretor da ANA – Agência Nacional de Águas, Paulo Rodrigues Vieira, e o diretor de Infraestrutura Aeroportuária da ANAC – Agência Nacional de Aviação Civil, Rubens Carlos Vieira – são irmãos. ANA e ANAC são órgãos do segundo escalão da administração federal, mas o esquema chegava ao primeiro escalão e envolvia a AGU – Advocacia Geral União na figura de ninguém menos do que o número dois da AGU, José Weber Holanda.

Além disso, Paulo Rodrigues Vieira, apontado pela PF como o chefe da quadrilha, é do campo de influência do ex-deputado e ex- diretor da CODESP – Companhia Docas de São Paulo, Valdemar Costa Neto. A Polícia Federal identificou 1.179 ligações telefônicas feitas a partir do restaurante japonês de Paulo Vieira para o então deputado Valdemar e integrantes de seu partido, o PR. Em um deles, pede ao ex-deputado a indicação de um vereador de Santos, cidade do litoral paulista, para a assinatura de uma representação junto ao Tribunal de Contas da União (TCU).

Entre os beneficiados pelo esquema estariam o dono da Terminal para Contêineres da Margem Direita S/A (Tecondi) em Santos e o ex-senador e milionário Gilberto Miranda, todo-poderoso da Zona Franca de Manaus nos anos Sarney, que buscava aforamento para a propriedade de uma ilha, a Ilha das Cabras, e para um empreendimento portuário na Ilha dos Bagres, ambas no litoral paulista. Algo em torno do valor de R$ 15 milhões, só no aforamento do empreendimento portuário.  Em todos os casos entraria o concurso de José Weber Holanda junto à AGU.

Só como um detalhe, mas para ilustrar o grau de poder dos envolvidos, a Ilha das Cabras era uma espécie de “Ilha de Caras” do ex-senador, por ela passaram inúmeros jornalistas e políticos. Nos anos 80 era frequentada por políticos que iam do então senador Fernando Henrique Cardoso a Paulo Maluf.

Simples na forma, ridículo na queda.

O esquema envolvia grandes somas e grandes interesses, mas em si era muito simples. Tratava-se de, estando “por dentro”, criar “atalhos” na burocracia estatal que beneficiassem os interesses envolvidos.

O velho esquema de vender facilidades.

Ou, nas palavras da procuradora da República Suzana Fairbanks Schnitzlein no seu relatório: “as interceptações telefônicas demonstram de forma clara e inequívoca, que este [Paulo Vieira] permanece em constante movimento, no sentido de intermediar, junto aos representantes da administração pública, o patrocínio de interesses particulares de seus ‘amigos’ e clientes”.

A maneira como a investigação é iniciada, no entanto, carrega um ridículo que se não fosse lamentável, em vista de mais um escândalo de corrupção, seria risível.

Segundo O Globo, a investigação começou em março de 2011, depois que um servidor do TCU, o ex-auditor de Controle Externo do TCU em São Paulo, Paulo Cyonil da Cunha de Borges de Faria Júnior, procurou a PF para relatar que integrantes de um esquema lhe ofereceram R$ 300 mil para que elaborasse um parecer técnico em benefício de uma empresa do setor portuário. O servidor contou que recebeu R$ 100 mil, fez o parecer, mas, arrependido, devolveu o dinheiro para o corruptor e procurou a PF em São Paulo para denunciar o esquema.

Há, no entanto, uma outra leitura, Cyonil foi contatado por Paulo Vieira para destravar, através de um parecer junto ao TCU, um processo de interesse da Tecondi que já se arrastava há quase uma década. Foram-lhe prometidos R$ 300 mil, fez o tal parecer e só recebeu R$ 100 mil. Tomou um calote de R$ 200 mil, mas mesmo assim gastou o dinheiro, isso em 2010. Ocorre que em agosto de 2012 o plenário do TCU confirmou a existência de irregularidades e determinou a não renovação do contrato entre a Tecondi e a Companhia Docas. O tribunal mandou as informações para o Ministério Público Federal e para a Presidência da República, entre outras instituições.

Vendo que o esquema se desmanchava, Cyonil tomou um empréstimo consignado no valor do suborno, depositou-o em uma conta simulando a devolução do dinheiro e correu a Polícia Federal para “denunciar” o fato dizendo-se “arrependido”.

Se você acha que o acontecido é muito parecido com a “denúncia” de Roberto Jefferson a respeito do “mensalão”, saiba que Cyonil tentou envolver no caso – adivinhe quem?, sim – José Dirceu.

Igual a Jefferson, Cyonil também se deu mal. Não foi indiciado pela Polícia Federal, consta no inquérito como denunciante, mas, ao fim, acabou denunciado pelo Ministério Público Federal.

O bebum de Rosemary

A Operação Porto Seguro denuncia um escândalo de grandes proporções, sem dúvida, dado o envolvimento de alguns representantes do alto escalão da administração federal, do legislativo, e do meio empresarial. Mas, em si, é um caso simples. Todas as respostas foram dadas, os envolvidos, os motivos, os meios e a oportunidade. Deveria acabar por aí como notícia e seguir o seu fluxo normal, indiciamento pela Polícia Federal, denúncia do Ministério Público e julgamento dos acusados.

Ocorre que um detalhe propiciou o aproveitamento do caso em uma ação de oportunismo político que complicou esse caminho natural.

Segundo o superintendente da PF em São Paulo, Roberto Troncon Filho, os irmãos Vieira, dentro da burocracia federal, tinham como função identificar e cooptar outros servidores de órgãos públicos federais, de segundo e terceiro escalão. Fora da burocracia federal, três advogados e um empresário se encarregavam de entrar em contato com grupos empresariais e pessoas físicas interessadas em vantagens ilegais na administração federal.

Entre esses servidores de outros órgãos públicos federais estava uma conhecida de mais de dez anos de Paulo Vieira, a chefe de gabinete da Presidência da República em São Paulo, Rosemary Novoa de Noronha.

E Rosemary era, sem fazer uso de eufemismos, a amante do ex-presidente Lula.

Teve papel totalmente coadjuvante, secundário, no caso. Aparentemente tinha valor para o esquema devido a sua agenda de telefone, dado assessorar os presidentes Lula e Dilma. Os frutos de sua participação no esquema criminoso também eram prosaicos: passagem para um cruzeiro que tinha como atração Bruno e Marrone, cirurgia plástica, camarote no Carnaval do Rio.

Enfim, como noticiou a Folha de São Paulo, então:

““ “Coisa de chinelagem”. É assim que alguns policiais classificam os pedidos de Rose gravados durante as escutas telefônicas”.

Claro está que, apesar de bagatelas perto dos interesses envolvidos, tráfico de influência é crime.

Pois bem, a partir daí, senador, deputado, milionário, empresários, advogados e o segundo homem no comando da AGU são esquecidos e a mídia se volta para mais um massacre de reputação outra vez contra o ex-presidente Lula.

O “Bebum de Rosemary” foi como Augusto Nunes, em um dos momentos mais baixos de um jornalismo já bastante rebaixado, chamou o ex-presidente Lula, fazendo uma analogia com o caso e a eleição do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso para a Academia Brasileira de Letras, em eleição de candidato único, frise-se. Uma gosseiria, sem dúvida, e uma impropriedade, até porque de amantes, de bebês e de bebuns, pelo menos em aparições públicas, FHC deve entender mais do que Lula.

Por último, causou-me espécie a distorcida lembrança que a Folha faz neste momento do caso.

Aguardemos e estejamos atentos.

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/154701-chinelos-da-impunidade.shtml

http://oglobo.globo.com/infograficos/operacao-porto-seguro-linha-do-tempo/

https://jornalggn.com.br/blog/luisnassif/gilberto-miranda-no-esquema-desbaratado

http://www.viomundo.com.br/voce-escreve/o-publico-o-privado-e-a-ilha-de-gilberto-miranda.html

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/79973-suspeita-ganhou-cruzeiro-com-bruno-e-marrone.shtml

http://veja.abril.com.br/blog/augusto-nunes/direto-ao-ponto/o-bebum-de-rosemary-e-o-vencedor-da-eleicao-que-causou-a-epidemia-de-chiliques-na-esgotosfera/

Redação

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