Os nômades de Belo Monte

Revista Época – 09/jul/2011
A história dos migrantes atraídos pela terceira maior hidrelétrica do mundo. E o drama dos moradores que deixam o sossego de suas casas para dar lugar aos canteiros de obras da usina
ALINE RIBEIRO (TEXTO) E FILIPE REDONDO (FOTOS), DE ALTAMIRA
” O vaivém de carros na estrada que liga as cidades de Altamira e Vitória do Xingu, no Pará, ficou mais intenso no último 9 de junho. Naquela noite, à beira do asfalto, o empreendedor Adão Rodrigues inaugurava mais um de seus negócios itinerantes. A faixa na entrada da casa lhe parecia clara o suficiente: “Estreia hoje a Boate da Noite”. Nem todo mundo, entretanto, entendeu do que se tratava. Afoitos com a novidade, muitos dos frequentadores chegaram acompanhados de suas mulheres. Só quando avançavam pelo portão notavam que aquela não era uma balada qualquer, e sim o novo bordel da cidade. Os casais permaneceram com a devida autorização do dono. A restrição mesmo veio por parte dos namorados ou maridos, que tapavam com as mãos os olhos de suas respectivas no clímax da noite, o striptease das princesas da casa. O pecado de Adão Rodrigues, nesse caso, foi tropeçar no linguajar regional. Paranaense de nascimento, ele não reparou que no Norte do Brasil prostíbulo se chama brega. Boates lá são sinônimos de danceteria, onde as companheiras de vida são bem-vindas.”
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O município, com uma população estimada em 100 mil pessoas, já recebeu 20 mil desde o anúncio da obra. A revolução em Altamira está só começando. No pico da construção, previsto para 2013, em torno de 19 mil barrageiros serão contratados. Com eles, chegarão mais famílias, comerciantes, potenciais funcionários de empresas periféricas que servem a obra. À rodoviária ou aos aeroportos, homens e mulheres chegam – inclusive de outros países – à procura de emprego. Dezenas de trabalhadores viajam diariamente para a região de Altamira em busca de oportunidades – frequentemente ilusórias. Segundo estimativas, a cidade pode ganhar mais 80 mil habitantes no auge da obra. O fluxo lembra outros fenômenos amazônicos, como a corrida do ouro, que nos anos 1980 chegou a atrair 100 mil garimpeiros para Serra Pelada, deixando um rastro de destruição, violência e pobreza. Agora, a 610 quilômetros ao norte, em Altamira, uma nova invasão se anuncia. E, apesar dos anos de planejamento de Belo Monte, a região não parece preparada para recebê-la.”
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 Junior chegou a Altamira junto com dois amigos barrageiros no começo de março. Deixou um salário bruto de R$ 9 mil na hidrelétrica de Jirau, em Rondônia, e seguiu de carro pela Transamazônica  numa viagem de quatro dias. A troca faz sentido no longo prazo: a obra de Jirau deverá acabar em 2016, a de Belo Monte vai durar até 2019. Mas Junior ainda não foi contratado. Das 11 barragens que já ajudou a erguer, guarda as lições do submundo das usinas. “Dentro dos alojamentos, você tem de ver e fingir que é cego. Ouvir e fingir que é surdo”, diz. Junior conta que em Jirau, divisa com a Bolívia, toda semana um ou outro trabalhador vai até o país vizinho para comprar ilegalmente a “ponta 40”, uma pistola de uso militar. Muitos dos contratados pelas empreiteiras são ex-presidiários. É um incentivo à reinserção na sociedade. Porém, parte deles acaba em atividades ilícitas, principalmente no tráfico de drogas. “Eu era chefe de um ex-presidiário que traficava na obra. Quando quis demitir, ele me ameaçou de morte”, afirma. “Só nas hidrelétricas de Rondônia vi morrer uns 30.”
A experiência de Junior mostra as perspectivas econômicas trazidas pela obra. Mas também que elas não se concretizam se a região estiver despreparada para transformar os investimentos em melhorias permanentes. Os sinais em Altamira são preocupantes. A começar a recepção aos migrantes. Muitos deles, sem condições mínimas para se manter, vão parar em abrigos municipais. Outros se empoleiram em palafitas alugadas, sem água encanada ou esgoto. Altamira, hoje, não comporta os recém-chegados. Para conseguir um hotel, é preciso ligar com mais de uma semana de antecedência. Encontrar um pé de alface a um preço acessível é um golpe de sorte. “O município não está preparado para receber este empreendimento”, diz Odileida Sampaio, prefeita de Altamira pelo PSDB, enquanto arruma os bobes do cabelo. “Precisamos de desenvolvimento. Caso contrário, em dez anos as pessoas vão pegar suas malas e ir embora. Deixando só os impactos aqui.”
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Redação

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