Os ortodoxos que não enxergam por trás dos números, por Luís Nassif

Desenvolvimentistas acusaram os ortodoxos de não analisarem o mundo real; ortodoxos devolveram, acusando-os de não olhar as estatísticas.

Explodiu uma discussão no Twitter em torno de declarações de Marcos Lisboa à Globonews, afirmando que há indícios de que a nova reforma trabalhistal foi positiva para o emprego.

Os desenvolvimentistas acusaram os ortodoxos de não analisarem o mundo real; os ortodoxos devolveram, acusando os desenvolvimentistas de não olhar as estatísticas.

É uma discussão interessante. Quando a polarização política atingiu o seu auge, antes do fenômeno Bolsonaro, almocei com Lisboa, supondo que ele pudesse ser um polo para centralização de um debate civilizado, no qual argumentos dos dois lados pudessem ser considerados. O almoço foi bom quando girou sobre música brasileira. Na hora da economia, Lisboa esgrimiu uma enorme sucessão de argumentos, típicos de um arauto oficial do mercado. Mostrou que a criação de estaleiros não aumentou em nada a quantidade de funileiros no país. De nada adiantou argumentar que funileiro de estaleiro era imensamente mais aprimorado do que o funileiro de oficina de reparos de automóveis.

Mas vamos incluir o mundo real nessas discussões.

O primeiro passo é definir duas datas de comparação. Escolhi o último trimestre analisado pela Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios (set-out-nov de 2023) com o mesmo período de 2014, o último ano de normalidade econômica.

Primeira tabela: a composição do emprego formal.

Percebe-se que a maior geração de empregos é no setor de serviços e na área pública.

O segundo passo é mostrar a variação de cada setor entre as duas datas.

O que mais cresceu:

  1. Transporte e armazenagem, devido à explosão das plataformas de vendas. Nada têm a ver com lei salarial.
  • Alojamento e alimentação: o tipo de emprego de menor especialização e remuneração.
  • Administração pública, que não é regida pela CLT.
  • Informação, comunicação e área financeira, fruto das novas tecnologias.

Vamos aos setores tradicionais, que poderiam ser afetados pela nova CLT:

  1. Empregado doméstico: os empregos cresceram 2,5% no período, contra 8% de crescimento do emprego total.
  2. Indústria: queda de 5%.
  • Construção: queda de 7%.
  • Agricultura, pecuária: queda de 11,5% devido à mecanização.

Pergunto: onde entra a reforma trabalhista nessa salada?

O que se conseguiu, com as reformas, foi uma queda sensível no salário médio dos setores mais influenciados pela CLT.

Curiosamente, o setor com maior aumento de salário médio foi justamente o que mais desemprego: a agricultura. Efeito das mudanças na CLT? Evidente que não: efeito da mecanização.

Os desocupados

Primeiro, dois conceitos relevantes:

A força de trabalho ampliada é um conceito utilizado para medir o potencial de oferta de trabalho em uma economia. Ela é composta pela força de trabalho ocupada, pela força de trabalho desocupada e pela força de trabalho potencial.

A força de trabalho ocupada é composta pelas pessoas que estão trabalhando, seja por conta própria ou para terceiros.

A força de trabalho desocupada é composta pelas pessoas que estão disponíveis para trabalhar e estão procurando emprego.

A força de trabalho potencial é composta pelas pessoas que estão disponíveis para trabalhar, mas não estão procurando emprego.

Vamos aos dados, mostrando a variação entre set-out-nov de 2023 e 2014.

Ou, em números:

O quadro fica mais claro quando se analisa o percentual de cada tipo de desemprego.

Mas como assim, houve um enorme avanço na geração de empregos – apud os ortodoxos – e o percentual de desocupados, ou na força de trabalho potencial ou sub ocupado aumentou de 9,6% para 11,4%? Os desocupados ou na força de trabalho potencial aumentou de 6,7% para 8,3%?

Vamos a um gráfico mostrando o percentual de desocupados e força de trabalho potencial nos últimos 10 anos. Repare que em set-out-nov de 2014 esse percentual era de 10,4%.

A reforma trabalhista de Temer foi aprovada em julho de 2017, quando o percentual estava em 19,3% devido à crise brava do período anterior. Nos anos seguintes subiu até 25,10% em mai-jun-jul de 2020. Depois voltou a cair e chegou na última pesquisa a 12,6%, maior do que no período que antecedeu o golpe do impeachment.


Luis Nassif

2 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. As vezes que eu vi o Marcos Lisboa, percebi um enorme desprezo pelo Brasil. A começar pela formação dos economistas daqui, falando especificamente da UFRJ, uma dos grandes centros de ensino de economia no país, com forte tradição na economia industrial (!). Para Lisboa, a UFRJ não ensina economia de verdade, como a que ele aprendeu em seu doutoramento nos EUA. Pura lacração. Outra vezes em que o vi dando opiniões sobre o Brasil, tudo aqui sempre está errado. É um país que não vale à pena. Me pergunto: de quem é a culpa? Do povo? Da elite dirigente? Ora, sendo Marcos Lisboa membro da segunda classe, podemos imaginar onde ele diria que é o problema. Beto Sicupira, em célebre palestra, usou o mesmo discurso. Pois é, o inferno sempre são os outros.
    Essa dualidade entre a “estatística” e o “real” é falsa, obviamente. A boa metodologia de pesquisa não prescinde de nenhum dos dois. O que é a estatística, senão a mensuração a partir de dados retirados da realidade empírica? Entretanto, um colega matemático sempre me alerta: “a estatística pode justificar qualquer coisa”. Já me deparei com sofisticados modelos estatísticos – sofisticados para mim, que sou geógrafo -, porém quando os apliquei, descobri que nada mais eram do que formas pedantes de mensuração que poderiam ser realizados pela simples aritmética. Aliás, a professora Maria da Conceição Tavares já falou, anos atrás, que os economistas fazem modelos e modelos que não servem para nada, se referindo aos modelos do FED. Conceição é matemática de formação. Deve saber o que fala.
    No meu trabalho, costumo usar dados estatísticos. É a parte maior do que faço. Mas como geógrafo, existe a faceta empírica, de pisar no chão e verificar, por meio de trabalhos de campo, o que a estatística diz. A experiência é sempre gratificante, pois vemos como os dados estatísticos são limitados na mensuração do que ocorre na vida social. Por isso, somos ensinados a sempre utilizar as duas técnicas e dialogar os respectivos resultados.
    Pessoas como Marcos Lisboa, não são treinadas assim. Acreditam que os modelos de fato descrevem a realidade. Bobagem. Certamente, citam Popper, que era um admirador da escola austríaca. Mas para Popper, quando uma teoria – ou um modelo – não explica a realidade, ela deve ser descartada. Para Popper, a única ciência que se credenciava como teórica era a economia. Conclusão precipitada do filósofo. Desconfio que em razão de suas relações afetivas com ultraliberais como Von Mises.
    Desconfio, ainda, que existem outras razões para os posicionamentos de Lisboa, que têm a ver com seu lugar de classe. Mas não o conhecendo o suficiente, deixo essa conclusão para quem tem a oportunidade de conviver. Sou apenas parte do povo, o culpado pelo país não se tornar Brazil, como sonha Lisboa.

  2. Tudo está subordinado ao que é e ao que quer ser o Brasil, essas discussões de dados estatísticos podem ser levadas para a conclusão que desejar o intérprete. Para quem defende apenas a redução de algum custo com trabalhadores, relacionar algum tipo de oscilação positiva na oferta de trabalho com a redução desses custos pela reforma se torna obrigatório. Já para quem quer mudar a robustez da economia do País, supõe que esse tipo de ganho não altera o fato real de que a economia brasileira não é competitiva e que para chegar até lá não será com maquiagem desse tipo. Todas as capacidades nesse quesito passam também pela relação com os trabalhadores. O aumento de atividades informais em função da redução de alguns direitos, não é boa para um País que quer subir. São as empresas que precisam melhorar, ser mais fortes e não o trabalhador enfraquecido. A lógica é outra.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador