Pátria Educadora é proposta preliminar e deve ser debatida, diz Mangabeira Unger

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
[email protected]

Por Mariana Tokarnia e Oussama El Ghaouri 

Da EBC

O governo pretende fazer uma reforma em toda a educação básica brasileira. A proposta inclui a formação de professores, a criação de escolas experimentais e o maior uso de tecnologias, de acordo com o documento Pátria Educadora: A qualificação do ensino básico. Para o ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) da Presidência da República, Mangabeira Unger, responsável pelo estudo, a participação da sociedade civil será fundamental para que as mudanças se consolidem.

Ao ser apresentado a especialistas e parlamentares, o Pátria Educadora recebeu diversas críticas. Entre elas a de que o documento não inclui as metas previstas no Plano Nacional de Educação (PNE) e não contou com a participação do Ministério da Educação (MEC). Além disso, na avaliação de especialistas, o documento propõe uma ação direta nas escolas, o que foi considerado intervenção federal.

Outros pontos controversos tratados no documento são: o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) digital, a capacitação de diretores e o afastamento daqueles que obtiverem, de forma consecutiva, baixos rendimentos na escola onde trabalham. Há ainda a intenção de oferecer um ensino diferenciado tanto aos alunos que apresentarem maiores aptidões às disciplinas quanto àqueles que apresentarem pior rendimento.

Em meio às polêmicas com a divulgação do documento, o ministro Mangabeira Unger recebeu a equipe de reportagem da Empresa Brasil de Comunicação (EBC). Durante a entrevista, ele ressaltou que a “realidade do ensino básico no Brasil é calamitosa” e que o país precisa encontrar uma solução de forma urgente. Para ele, discussões sobre as diferenças entre o PNE e o Pátria Educadora não devem ser o ponto central da discussão. Ele defendeu a união de forças em prol do “enfrentamento da realidade”. O ministro destacou que o documento está em fase de elaboração e que quer contar com a ajuda de especialistas e da sociedade civil para aprimorá-lo.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista:

EBC: O documento foi criticado por se distanciar do Plano Nacional de Educação (PNE) e dar prioridade a questões que não foram debatidas amplamente pela sociedade em quase quatro anos de tramitação.

Mangabeira Unger: O que está nessa proposta não é o único caminho, é um caminho, é uma interpretação do que está no Plano Nacional de Educação. Mas não tenhamos a ilusão de supor que o PNE já é um projeto de transformação, claramente não é. É um conjunto de metas, de processos e de abstrações. Tratemos da realidade. O elemento mais importante não é o contraste de propostas [entre o PNE e o Pátria Educadora] é o enfrentamento da realidade. A realidade do ensino básico no Brasil é calamitosa. No final do ensino médio, metade dos alunos não consegue ler um texto e a outra metade que consegue ler um texto tem dificuldade em entendê-lo. Se ficarmos nisto, com uma população que não consegue lidar com a palavra escrita, que não consegue destrinchar o pensamento analiticamente, vamos ficar condenados a exportar soja e minério de ferro por toda a vida. É esta a realidade, é este o problema. Não sou eu que estou trazendo esse problema ao propor soluções controvertidas, o problema está diante de nós.

EBC: O PNE estabelece a regulamentação do Custo Aluno Qualidade (CAQ), verifica quais são as necessidades da escola, incluindo salários, infraestrutura e outros aspectos, e estabelece quanto é necessário de investimento para garantir isso. No documento [Pátria Educadora] nada vai diretamente ao encontro do CAQ. O governo pretende acelerar a regulmentação do CAQ para que o PNE funcione?

Mangabeira: O CAQ é um critério muito útil, mas talvez não deva ser o único. Talvez, devemos levar em conta critérios múltiplos. Estamos abertos. Esse documento preliminar tem o objetivo de provocar uma discussão nacional.

EBC: O documento trata da cooperação federativa, como será essa cooperação?

Mangabeira: A cooperação federativa é a primeira preocupação dessa proposta. Precisamos de mecanismos de redistribuição dentro da federação. Redistribuição de recursos, de lugares mais ricos para os lugares mais pobres. O Fundeb [Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação] é levemente redistribuído porque assegura o mínimo, ele procura levantar os estados mais carentes àquele mínimo. A proposta sugere que há diferentes maneiras de alcançar esse objetivo. Uma maneira seria aumentar o sentido redistribuidor do Fundeb. Outra maneira seria financiar medidas de redistribuição com base no FNDE [Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação]. E a terceira maneira seria criar um terceiro fundo. Todas essas opções estão abertas.

EBC: Pátria Educadora fala de uma Prova Nacional Docente. Do que se trata essa avaliação? Há o risco de se criar uma espécie de Enem para os professores e fazer com que as faculdades corram atrás apenas do que é cobrado nessa avaliação?

Mangabeira: Não há isso no documento. Há a ideia de uma prova como há em outras profissões, advogados, médicos. Uma prova que inclusive ajudaria a facilitar a mobilidade dos professores dentro da federação. Mas uma coisa deve ficar clara, o Estado não deve financiar a formação de professores em instituições privadas com o objetivo de lucro indefinidamente. Aquele financiamento tem que estar condicionado a critérios de desempenho e de qualidade. [A avaliação] Não é para os docentes é para as instituições que formam esses docentes. Essa prova é um instrumento poderoso para influenciar na formação do professores.

EBC: Após o debate com especialistas e parlamentares, o que a SAE considera que pode mudar no documento?

Mangabeira: Estamos apenas nas etapas iniciais desse debate. Há muitos mal entendidos que já ficaram patentes nesse primeiro momento de discussão. Vou dar um exemplo. Na cooperação federativa, um dos pontos cruciais é: o que fazer quando uma rede escolar local caia repetidamente abaixo do patamar mínimo aceitável de qualidade? A qualidade da educação que uma criança recebe não pode depender do atraso do lugar onde ela nasce. Se a educação numa escola não alcança o patamar mínimo, precisamos consertar. Consertar como? Juntando recursos dos três níveis da federação para apoiar aquela rede, mas se o apoio não é suficiente tem  que haver no final um resgate. Os três níveis se juntam em órgãos conjuntos que assumiriam aquela escola temporariamente, mobilizariam recursos adicionais, consertariam o que é defeituoso e no final devolveriam aquela escola para a rede.  Isso não é intervenção federal. Isso é uma ação transfederal, ação cooperativa dentro da federação para assegurar o direito da criança. O direito da criança se sobrepõe às prerrogativas do diretor local.

EBC: Por que a presidenta fez essa solicitação à SAE e não ao MEC?

Mangabeira: Em cada momento eu trabalhei com o Ministério da Educação conjuntamente. Isso é uma construção comum. Eu creio que a razão mais importante para a presidenta ter atribuído essa função a Assuntos Estratégicos é que ela que quer conduzir o processo. Assuntos Estratégicos é sempre assessoria e braço da presidência. Formalmente faz parte da presidência.

EBC: O governo pretende aplicar o que foi apresentado no Pátria Educadora?

Mangabeira: Nós não estamos comprometidos com essas ideias preliminares. A Pátria Educadora é o projeto prioritário do governo, o seu conteúdo é que está sendo debatido e esse documento propõe um debate do conteúdo ao apresentar ideias preliminares.

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

13 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Os diretores de escolas agora
    Os diretores de escolas agora querem emancipação?
    Como assim, intervenção federal é ruim? Não é isso que cobramos O Governo, intervenção em educação?
    Como acham que se faz para intervir sem intervir?

    A OAB faz escola…
    Onde já se viu se submeter ao Governo só porque sua escola é um lixo e às crianças saem de lá sem ler aos 18 anos?

    O pessoal que o Mangabeira demitiu eram os que faziam isso aí?

    1. OAB faz escola

      Não acho que se aplica a analogia, pois a OAB serve de reserva de mercado, uma prova para os professores teria a função de reciclagem forçada  e adequacão das grades dos cursos ao que o MEC ditar. A OAB não se adeuqa ao MEC, ela faz a prova que quiser com critérios que ninguem conhece.

       

      O resto do que você disse, não entendi, você está criticando a crítica ou o plano?

    2. OAB faz escola

      Não acho que se aplica a analogia, pois a OAB serve de reserva de mercado, uma prova para os professores teria a função de reciclagem forçada  e adequacão das grades dos cursos ao que o MEC ditar. A OAB não se adeuqa ao MEC, ela faz a prova que quiser com critérios que ninguem conhece.

       

      O resto do que você disse, não entendi, você está criticando a crítica ou o plano?

      1. Eu critico a

        Eu critico a crítica!

         

        Comparo com a OAB onde todos os seus braços no Estado anseiam por independência. Querem independência para assim poder equiparar seus salários aos de Ministros do STF porque, afinal de contas, todos são apenas advogados.

  2. A educação vai melhorar no Brasil

    no dia em que o professor voltar a ser valorizado ao invés de ser pago com um salário que mais parece uma esmola e tratado com porrada toda vez que reclama das péssimas condições de trabalho no Brasil. A educação vai melhorar no dia em que ela servir de fato para mudar a vida das pessoa e deixar de ser uma fábrica de entrega de diplomas para alunos semi-alfabetizados através da famosa aprovação continuada, como ocorre na educação estadual de sp. Não é de exame digital que nós precisamos, mas de políticos com o minimo de vergonha na cara e respeito pela população.

    1. Será…

         O grande problema no Brasil é que tudo resume-se ao salario, em tempos on PF, RF etc querem independencia.

        Todas as categorias pensa em aumentos salariais…bem o resto…é o resto…

          

       

  3. Esta entrevista é muito melhor do que o artigo de Carta Capital

    Viva a independência intelectual de M. Unger. Coisa raríssima e de que tanto precisamos. (Nada é perfeito, e CC erra muito : o título chamava pra Unger, mas o corpo era só fulanos e ciclanos doutores de nossas faculdades de educação, citavam-se argumentos de mil e uma páginas – só se citavam – contra o pontapé iniciado por Unger. É impublicável o que penso sobre as faculdades de educação e os(as), pedagogo(a)s, pelo menos na nossa sociedade.

    1. Impublicável a “democracia” de eleição de Reitores e Diretores

      Talvez a ânsia, a gana, depois do longo período ditatorial, de querer, de ser, de fazer tudo democrático, ou aparentemente democrático (votar em tudo, pra tudo). Essas eleições não são democráticas, servem às corporações (e servem mal – nos enganemos que gostamos). Parafraseando Unger, é uma realidade escancarada diante de nós. E ninguém quer se indispor, passar por autoritário ou antidemocrata.

      1. Dizem que vai ser ado plano vigente

        Dizem estes educadores, que o ensino será entregue à prática empresarial de concorrencia entre escola, professores e alunos. Que escolas especiais para os dotados é discriminação. Que escola integral para os que tem dificuldades é preconceito. Que aspectos socioemocionais não existem. Discordo por não ver esa mençao no texto, exceto se eles tem informações privilegiadas, mntretanto, nunca as citam explicitamente ou mesmo sem fontes de forma clara. 

        Que a OCDE quer criar robôs, que o PISA não vale nada. Concordo.

        Não sei o que é discurso e medo. Nem sei diferenciar o que existe na especialização em pedagogia que me aliena de minha capacidade de compreensão do que foi o ensino ao qual fui submetido, péssimo da base até a pós graduação.

    2. Tenho acompanhado o Imbróglio

      Tenho acompanhado o Imbróglio através do site do professor Luiz Carlos de Freitas, que tem comentado cada passo dado pela SAE tendo organizado até o debate na UNICAMP e públicado uma carta aberta de repúdio ao documento preliminar da SAE. 

      Vi no debate, os educadores com medo da interferência externa, sem entretanto, apresentar uma proposta antagônica, consenso em uma estratégia a longo prazo para a educação. 

      Percebi também um ideario conspiracionista, que me deixou com a pulga atrás da orelha, pois basea-se em palavras descontextualizadas do projeto preliminar, e cuja lógica não é facilmente compreendida. Por exemplo, privatização do ensino, concorrência empresarial e o bloqueio de um mal que não foi dito, mas que os ronda desde os anos 90. Tudo cifrado, incompreensível.

      Esperava do debate a destruição da proposta da SAE, a apresentação de argumentos claros que me arregimentasse à sua causa, o que vi foi medo de largar o osso e o pseudo esquerdismo dos administradores que encampam as federais de todo o país.

      Não aposto todas minha fichas na proposta da SAE, entretanto, para refutá-la veementemente seriam necessários argumentos sólidos.

      O Janine já mandou o recado, se estes educadores quiserem derrubar o projeto, devem contrapô-lo e não destrur apenas. Percebe se que tal projeto foi gestado e não é coelho tirado da cartola, portanto, os meios institucionais estão abertos para a contraposição, o PiG vai ser contra qualquer coisa que seja a favor do PT e como você disse a Carta Capital fez uma crítica rasa, opinativa e mal embasada, que se foi para contentar aos leitores professores ou não afrontar o PT, falhou vergonhosamente.

  4. Mangabeira Unger está pleno

    Mangabeira Unger está pleno de razão ao afirmar: se formarmos pessoas que não são capazes de raciocínio analítico, estaremos condenados para sempre em ser exportadores de commodities. Escrevi um comentário, exatamente nestes moldes ontem, e reafirmo: a industrialização e os serviços (que realmente importam) requerem inovação intensivamente, e inovação sem pensamento analítico é impossível.

    Como já disse ontem, não tenho nada contra a exportação de commodities. Ela é absolutamente necessária hoje, mas deve ser acessória amanhã.

  5. E a ficha não cai.

    O governo pretende fazer uma reforma em toda a educação básica brasileira. A proposta inclui a formação de professores, a criação de escolas experimentais e o maior uso de tecnologias

     

    Não vão ser novos métodos de avaliação e distribuição de recursos ou mesmo melhores metodologias de formação de professores que resolverão o problema. Tudo isso é ilusão tecnocrática. Nada há salvação para o ensino brasileiro, ou em qualquer outro lugar, por essa via; é caso perdido.

    Para obter uma melhor escola é preciso melhores professores; e não falo de melhor formação, falo de melhores talentos mesmo. E não há como atrair os melhores talentos com esses salários ridículos. Ponto.

     

    Conheço caso de professores motivados [iludidos] nas suas primeiras experiências que levam seus notebooks pessoais para a sala de aula para mostrar material audiovisual a alunos do ensino básico por iniciativa própria. Ou seja, um professor bom e motivado faz sua própria estrutura independentemente de recursos burocratizados que em pouco tempo quebram e servem mais a encher os bolsos de empresas e políticos em processos de licitação.

    Enfim, ponham na cabeça que ensino não é nem nunca dependeu de uma coisa chamada “escola”… Ensino é e sempre foi uma coisa chamada “professor”.

    [video:https://www.youtube.com/watch?v=e2cmoAl0haI%5D

  6. Parem de entrevistar esse cara…

    Primeiro que não entendemos bulhofas do português que ele não pratica…..

     

    Segundo porque, passando mais tempo em Havard do que no brasil como pode falar de algum assunto interno?

     

    Terceiro quando se posiciona políticamente é de um PMDBismo inacreditável…

     

    Um completo alienado à realidade brasileira…..foca em números aqui não é uma empresa…

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador