Petrobras caminha na contramão das demais petroleiras do mundo, diz ex-presidente Sérgio Gabrielli à TVGGN

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
[email protected]

Países que têm petróleo e capacidade de refino estão reduzindo a dependência do mercado internacional. Desde o golpe de 2016, o Brasil faz o contrário

A Petrobras anunciou na primeira quinzena de março de 2022 mais um reajuste extravagante – quase 30% – no preço dos combustíveis para o consumidor brasileiro. Desta vez a grande mídia atrelou a majoração à guerra na Ucrânia, embora os reajustes consecutivos ocorram desde antes do conflito envolvendo a Rússia. As causas para os reajustes estão, na verdade, umbilicalmente ligadas à política imposta à Petrobras desde o golpe de 2016, quando o governo progressista de Dilma Rousseff foi sacado do poder.

Com a ascensão da equipe neoliberal de Michel Temer, a Petrobras virou do avesso. Enquanto outros países com o mesmo potencial de extração e produção de petróleo estão investindo cada vez mais em refino e distribuição para reduzir a dependência do mercado internacional, o Brasil com a Petrobras vem caminhando na contramão do mundo. É o que avalia o ex-presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli, em entrevista exclusiva à TVGGN, transmitida ao vivo no Youtube na noite de segunda-feira, 14 de março [assista ao final].

Para Gabrielli, os reajustes nos preços dos derivados de petróleo lançam luz sobre um “um problema estrutural grave que temos”, “que é a limitação da nossa capacidade de refino” para transformar o petróleo bruto em gasolina, diesel, GLP (gás liquefeito de petróleo) e outros derivados.

REFINO: UMA BOMBA-RELÓGIO

“Hoje as nossas refinarias estão funcionando a 91% de sua capacidade. Elas processam 90% do petróleo de procedência brasileira e isso é insuficiente para atender o mercado brasileiro. Cerca de 25% da gasolina é importada. Quase 30% do gás de cozinha, importados. E uma grande parcela – de 20 a 25% – de diesel, importada. O Brasil tem hoje cerca de 400 importadoras de derivados. Quando você tem esse volume de importações, é difícil separar os preços domésticos dos internacionais”, explicou Gabrielli.

“Hoje o Brasil está quase no limite técnico da capacidade de refino. Isso não tem sido um problema porque a economia brasileira está estagnada há 6 anos, mas se a economia voltar a crescer, vamos ter um grave problema no fornecimento de derivados, porque não tem muito como expandir a capacidade de refino.”

Segundo ele, essa crise chegou ao Brasil porque, a partir de 2016, “houve uma política deliberada do governo e da Petrobras” que acabou apequenando a petroleira. Da parte do governo, “mudança nas formulações da política de abastecimento brasileiro, que deixaram de ser a garantia do suprimento para o mercado interno para abrir a economia à competição internacional, e diminuir o papel da Petrobras no setor de refino”. Em paralelo, houve estímulo “à entrada de novos importadores para consolidar a perspectiva de um preço internacional, de forma a permitir a venda das refinarias para compradores internacionais.”

“Portanto, nós caminhamos na direção oposta da maioria dos países que dispõem de petróleo e capacidade de refino. Nesses países a tendência é aumentar a capacidade de refino para atender o mercado doméstico e tentar diminuir impactos dos mercados internacionais. Nós fizemos o contrário: nós aumentamos a dependência do mercado internacional e agora estamos nessa situação dramática”, advertiu Gabrielli.

O LUCRO DA PETROBRAS

Enquanto o consumidor brasileiro paga o preço do golpe de 2016, os acionistas da Petrobras não têm do que reclamar. “Evidente que os acionistas ganharam muito [nesse período], porque quando os preços sobem, eles aumentam as margens [de lucro] da exploração e produção de petróleo. E, no caso brasileiro, a política de paridade no preço de importação repassa esses enormes ganhos da renda petroleira para o ganho do refino, penalizando de forma significativa o consumidor brasileiro.”

Para ilustrar, Gabrielli fez referência a um estudo do professor Eduardo Costa Pinto, da UFRJ, que compara a taxa de retorno sobre o patrimônio das grandes petroleiras do mundo e mostra que a Petrobras está com uma média duas vezes maior que as concorrentes. “Quando comparada, por exemplo, com a British Petroleum, a rentabilidade do patrimônio da Petrobras é três vezes maior”, contou Gabrielli.

“Estamos com uma empresa extremamente lucrativa e, mais do que isso, que distribui dividendos numa proporção que ninguém distribui. Esse ano a Petrobras teve 106 bilhões de reais em lucro [só não é maior do que o lucro de 2011, o maior da história, com 20,1 bilhões de dólares]. A Petrobras tem 106 bilhões de reais em lucro e distribui 101 bilhões de reais em dividendos. É escandaloso! Não tem lucro retido! Não há reinvestimento do lucro que teve! Isso é um escândalo”, exclamou o ex-presidente da Petrobras.

O CUSTO DA LAVA JATO

Ainda sob ameaça de privatização total, a Petrobras nunca esteve perto de declarar falência, mesmo no auge de sua crise de imagem por causa das investigações da Lava Jato. Foi o que lembrou Gabrielli na entrevista aos jornalistas Luis Nassif e Marcelo Auler.

“[A história de que a Petrobras dá prejuízo] É muito mais malícia e campanha de desmoralização da Petrobras. A Petrobras nunca ficou ameaçada de quebrar ou de falência. Ela teve uma crise financeira, sim, por razões externas – enorme depreciação do real, queda dramática do preço internacional do petróleo; demora no reajuste nos preços domésticos, que levou ao impacto no caixa da Petrobras. Esse conjunto de situações, junto com a crise de reputação por causa da Lava Jato e da campanha massacrante da mídia, levaram a essa ideia de que a Petrobras era uma empresa falimentar. Nunca foi. A questão financeira poderia ser tratada com renegociações das dívidas, mas foi tratada de forma acelerada, que obrigou à venda de ativos importantes para a sustentabilidade da Petrobras no longo prazo”, comentou.

RETOMADA

Para Gabrielli, será muito difícil, numa eventual vitória de Lula em 2022, recolocar a Petrobras nos trilhos em que caminhava antes de 2016. “Estou muito pessimista. Dificilmente voltará à Petrobras que era a locomotiva do desenvolvimento brasileiro. O caminho que ela trilha hoje é de ser uma empresa média, produtora e exportadora de petróleo, que é isso o que os Estados Unidos querem: que a gente aumente a produção de petróleo bruto parta exportação, principalmente agora com a crise na Rússia.”

Gabrielli afirmou que pessoalmente não é a favor de tentar reestatizar a Petrobras num eventual governo Lula, pois isso envolveria aportar um valor exorbitante para comprar as ações que a petroleira vendeu na Bolsa de Valores de Nova York. Mas será possível, por outro lado, travar disputas jurídicas em razão “de algumas privatizações que foram feitas com preços muito baixo ou em situações inadequadas para o mercado.”

Além disso, ele defendeu rediscutir o papel da distribuição de derivados de petróleo no Brasil. “A BR Distribuidora desapareceu, virou 100% privada. Temos que repensar isso, pois como vamos ter um setor de produção de petróleo e refino sem ter um braço na distribuição? Temos que pensar.”

Assista:

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

0 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador