Porque Palmeiras Imperiais ou “Em terra de palmeiras quem tem palmeira imperial é rei”

  Em vez de se buscar no estrangeiro plantas para adornar o nosso parque, podemos conseguir nas nossas florestas coisas muito mais bonitas e formosas (Fileto Pires, Governador do Amazonas, 1898).

 

Em diversas regiões da cidade de Manaus, existe uma… digamos, “arborização natural”. Os igarapés que cortam a cidade, ainda que poluídos, fétidos, vilipendiados pela metrópole amazônica, sustentam, em alguns trechos preservados, uma exuberante vegetação natural. Nestes remanescentes, ilhotas de verde, destacam-se, sobretudo, duas espécies: o açaizeiro e o buritizeiro, ou como falamos por aqui, o açaí e o buriti.

Os delicados açaizeiros, que tem espécies similares por todo o Brasil, são conhecidos também como juçaras, com seu tronco e folhas delgadas, em conjunto com os buritis, mais encorpados, formam um arranjo urbano de beleza comparável aos nipônicos ikebana. Apesar disso, os administradores desta cidade – em que muitos deles cresceram rodeados por estas palmeiras-, têm demonstrado, historicamente, preferência pela Roystonea oleracea, nome e sobrenome da famigerada Palmeira Imperial, espécie originária das Antilhas e trazida para o Brasil como um presente a Dom João VI.

Seria, deste modo, equivocado atribuir apenas aos governadores e prefeitos atuais a preferência pela espécie exótica. A pesquisadora Andrea Nascimento, em estudo sobre a arborização de Manaus[1], indica que foram realizados plantios de palmeira imperial no ano de 1873. Muitos foram os problemas decorrentes da importação desta e de outras espécies exóticas na arborização de Manaus, como a difícil adaptação e consequente morte das árvores, a quebra de calçadas por raízes, a predação por herbivoria e os riscos causados pela queda de frutos pesados, o que motivou o governador Fileto Pires a reflexão referida na epígrafe acima.

Apesar disso, parece mais aceitável que o gosto colonial e a falta de um planejamento adequado tenham ocorrido no final do século XIX, numa cidade ainda jovem. Bizarro mesmo é que tais práticas tenham se perpetuado por todo o século XX e estejam sendo implementadas no século XXI.

E por falar em bizarrice, neste quesito, os herdeiros dos barões da borracha são hors concours. Só para ficar no caso das palmeiras imperiais, registre-se que o fracasso da sua introdução tem sido observado ao longo de todo o século passado, prosseguindo nas últimas décadas, como é fartamente registrado em Manaus.

No início do século XX, por exemplo, os espécimes da palmeira-de-socialite plantados em espaços públicos planejados (e até hoje o são) pelo delírio eurocêntrico dos administradores públicos, foram fartamente saqueados pela população.  Segundo o estudo referido acima, de Andrea Nascimento, foram plantadas as palmeiras-de-peruas nos seguintes espaços: Praça General Osório, Largo da Matriz, Praça da Constituição, Praça Pedro II, Praça Tamandaré e Praça da República, Avenida Eduardo Ribeiro, ruas Lobo d’Almada, Instalação, Dez de Julho, Marquês de Santa Cruz, Itamaracá, Brasiliana, 13 de maio, 4 de Maio e Marcílio Dias.

A questão que parece mais importante em recorrentes fracassos nas tentativas de introdução da tal palmeira é mesmo a dificuldade de adaptação da espécie exótica. As experiências mais recentes mostram isso. Espécimes plantados em canteiros de grandes avenidas, como a Eduardo Ribeiro, a Djalma Batista e a Max Teixeira e no complexo turístico da Ponta Negra, em 2004, pelo então prefeito, com um custo superior a 200 mil reais, atrofiaram ou morreram, em sua maioria. Apesar da possibilidade de aprender com a história, muitos amazonenses têm recorrido a argumentos frágeis para explicar o fenômeno, como o “ecólogo” Wyllys Silva[2], que atribuiu o fracasso ao local escolhido para o plantio, e os moradores do Condomínio Ephigênio Salles, que responsabilizam os periquitos pela agonia das palmeiras-de-patricinha.

Um detalhe sórdido que talvez seja desconhecido por muitos que não vivem em Manaus é bastante esclarecedor. O desvairado projeto de revitalização do centro histórico da capital amazonense possui o sugestivo nome de Manaus Belle Époque e reflete, com cada uma das letras, o pensamento do tecnocoronelismo que orienta o planejamento urbano da metrópole amazônica. Aliás, não à toa, há um bistrô homônimo, num shopping localizado numa das mais ricas regiões da cidade.

Quem sabe um dia nosso povo se rebele contra a sandice destes Calígulas pós-modernos, a brincar de Europinha, e dê um basta na sangria de recursos públicos jogados no ralo para a construção de seus parquinhos de diversão, de seus paraísos privados, das Le Village Blanc, Belvedere, Boulevard, Belle Époque e Maison de France. Que nossos quilombos urbanos, nossas malocas, nossos periquitos, araras e palmeiras, possam, à la poesia concreta, reproduzir os versos do grande Paulo César Pinheiro: “Os palácios vão desabar/ sob a força de um temporal/ e os ventos vão sufocar o barulho infernal/ Os homens vão se rebelar/ dessa farsa descomunal/ vai voltar tudo ao seu lugar, afinal/ Vai resplandecer/ uma chuva de prata do céu vai descer/ o esplendor da mata vai renascer/ e o ar de novo vai ser natural/ Vai florir/ cada grande cidade o mato vai cobrir/ das ruínas um novo povo vai surgir/ e vai cantar afinal/ as pragas e as ervas daninhas/ as armas e os homens de mal/ vão desaparecer nas cinzas de um carnaval…”

 

 


[2] Jornal “A Crítica”, 26 de agosto de 2012.

 

Redação

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