Procuradoria recomenda veto de Lula ao PL 2757, que transfere terras públicas para domínio privado

Renato Santana
Renato Santana é jornalista e escreve para o Jornal GGN desde maio de 2023. Tem passagem pelos portais Infoamazônia, Observatório da Mineração, Le Monde Diplomatique, Brasil de Fato, A Tribuna, além do jornal Porantim, sobre a questão indígena, entre outros. Em 2010, ganhou prêmio Vladimir Herzog por série de reportagens que investigou a atuação de grupos de extermínio em 2006, após ataques do PCC a postos policiais em São Paulo.
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Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão recomenda veto ao PL 2757 que entrega ao domínio privado milhões de hectares de terras públicas

Lula vem tendo dificuldades em manter vetos importantes, caso do marco temporal e da desoneração da folha de pagamento. Crédito: Ricardo Stuckert/ PR

O Grupo de Trabalho Reforma Agrária e Conflitos Fundiários da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão declarou como inconstitucional o Projeto de Lei (PL) 2.757/2022, recomendando o veto presidencial, em nota técnica encaminhada à coordenadoria do órgão que integra o Ministério Público Federal (MPF). 

Já aprovado no Senado Federal, o PL também passou com êxito pelo crivo da Câmara dos Deputados e aguarda a sanção da Presidência da República. A proposta é do senador Confúcio Moura (MDB-RO) e altera a Lei 11.952/09, que trata da regularização fundiária de imóveis em terras públicas.

Conforme o texto do PL, fica impedido o cancelamento de títulos de áreas rurais concedidos pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) antes de 1997 por falta de cumprimento das condições estabelecidas originalmente nos contratos. 

Na análise apresentada na nota técnica, o PL, que foi à sanção presidencial no dia 22 de novembro de 2023, “tem o condão de entregar ao domínio privado milhões de hectares de terras que hoje, legalmente, são integrantes do patrimônio público, especialmente nas regiões dos Estados de Rondônia, sul do Amazonas, sul do Pará e norte de Mato Grosso”.

A Procuradoria recomendou que o PL seja vetado em sua integralidade pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e caso seja sancionado, que seja ajuizada uma Ação Direta de Inconstitucionalidade pela Procuradoria-Geral da República (PGR) junto ao Supremo Tribunal Federal (STF). 

Extinção de condições resolutivas

Em seu teor, o texto do PL extingue todas as ‘condições resolutivas’ de títulos relativos a áreas públicas de propriedade do Incra ou da União cujo projeto de colonização ou assentamento tenha sido criado antes de 10 de outubro de 1997, excetuando apenas as áreas acima de 15 módulos fiscais – o tamanho do módulo varia por unidade da federação.

Condições resolutivas são direitos que podem ser exigidos em caso de inadimplência de uma das partes de um contrato. No caso dos títulos de terra, o Incra impõe condições que devem ser cumpridas por determinado período e, caso isso não ocorra ou o valor do título não seja quitado, o produtor não consegue ter as terras em seu nome.

Conforme o exposto na nota técnica, “cláusulas resolutivas são aquelas que extinguem os contratos e, quando expressas, o fazem de “pleno direito”, ou seja, independente de “interpelação judicial” ou “interpelação jurídica”, como na redação do Código Civil de 1916, vigente à época da celebração e resolução dos contratos de que trata o PL em análise”.

Sendo assim, a nota técnica explica que “extintos de pleno direito os contratos sobreditos, todos com cláusulas expressas e registradas nas respectivas matrículas do imóvel, automaticamente, os imóveis se incorporam ao patrimônio público como se nunca dele tivessem saído”.

Reforma agrária já sofreu com paralisação 

Na opinião da Procuradoria, o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro não desapropriou e não assentou, “o que já representa uma dupla violação aos mandamentos constitucionais”. 

Agora o projeto parlamentar resolve “doar” o estoque de terras públicas que, juridicamente, lhe pertence, a quem não cumpre a função social, a donos de “papéis” sem qualquer validade jurídica. E não é um estoque qualquer, mas que serviria para assentar milhares dessas famílias carentes.

A lei, portanto, na análise da Procuradoria, visa fazer o oposto do que manda a Constituição: uma verdadeira antirreforma agrária, ainda pior do que aquela dos tempos da ditadura civil-militar. 

“Vai dar direitos de propriedade a não ocupantes de extensas áreas. Como já adiantado, são apenas mil detentores de título para quase 1,5 milhão de hectares em Rondônia, áreas hoje que são ocupadas por dezenas de milhares de pessoas”, diz trecho da nota técnica.

Além deste quadro, o governo federal informou aos procuradores que, em abril deste ano, mais de 80 mil famílias aguardavam o assentamento. Ocorre que nos últimos seis anos, a verba destinada à reforma agrária foi minguando, até chegar a praticamente zero no governo Bolsonaro.

Com informações da Agência Câmara

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Renato Santana

Renato Santana é jornalista e escreve para o Jornal GGN desde maio de 2023. Tem passagem pelos portais Infoamazônia, Observatório da Mineração, Le Monde Diplomatique, Brasil de Fato, A Tribuna, além do jornal Porantim, sobre a questão indígena, entre outros. Em 2010, ganhou prêmio Vladimir Herzog por série de reportagens que investigou a atuação de grupos de extermínio em 2006, após ataques do PCC a postos policiais em São Paulo.

1 Comentário

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  1. Se o governo não reagir com rigidez e veemência a essas espécies de carteiradas e se deixar ganhar no grito, está também alimentando o crescimento de várias também espécies de Eduardo Cunha. Se esmorecer e se mostrar fraco, possivelmente Lula e seu governo poderão cair em armadilhas e entrar pelo cano, simultaneamente. Vetam o que não tem justificativa ou base jurídica, para tentar levar na marra e no vai que cola. Não perdem nada se não conseguirem, mas atrasam qualquer possibilidade de crescimento, de desenvolvimento e de tirar o Brasil do vergonhoso atraso em que se encontra.
    A política brasileira deixa de fazer política, para se manter, como política, uma política viciada, dependente e envergonhada de ser uma política covarde. Políticos conseguem manter a política e o país patinando juntos, em com um esforço brutal para não ir adiante. Assim, talvez tenham muito mais guarida e sobrevida, do que se desenvolverem como nação, como população e como um talentoso berço da politica autêntica.

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