Toynbee e um improvável futuro do Brasil

Adoro caçar “borboletas”. É assim que eu chamo os livros antigos e recentes que trazem previsões sobre o futuro.  Aqui mesmo no GGN já fiz referências a três destes livros.

https://jornalggn.com.br/blog/fabio-de-oliveira-ribeiro/guerras-dronicas-e-os-proximos-100-anos

https://jornalggn.com.br/blog/fabio-de-oliveira-ribeiro/o-imperio-e-os-novos-barbaros-resenha-do-livro-de-jean-christophe-rufin

https://jornalggn.com.br/blog/fabio-de-oliveira-ribeiro/noticias-sobre-o-futuro-do-brasil-feitas-no-passado

Hoje topei com A Sociedade do Futuro, de Arnold Toynbee, Editora Zahar, 3ª edição, Rio de Janeiro, 1976, que comprei por dez reais.

No âmago da crise que se alastra pelo país ameaçando instituições que se mostram insuportavelmente frágeis (o voto popular foi ignorado pelo STF quando o Tribunal ajudou o Senado a derrubar Dilma Rousseff; o Senado resiste à decisão do STF de afastar Renan Calheiros do cargo e uma solução foi negociada ao invés do Tribunal fazer cumprir sua decisão; os direitos trabalhistas e previdenciários prescritos na CF/88 serão revogados pela colusão entre o usurpador e um Congresso cheio de marginais que deveriam estar presos, etc…) está a questão do petróleo. O destino da matéria prima no litoral brasileiro cobiçada pelas petrolíferas norte-americanas produziu o golpe de estado e fragmenta as instituições, possibilitando a meteórica ascensão de Sérgio Moro, juiz que raramente cumpre a legislação em vigor.

A disputa entre os autores da proposta legislativa que beneficia especificamente os norte-americanos e os defensores do monopólio brasileiro do pré-sal é a versão interna de um conflito entre Brasil e EUA. A imprensa, contudo, não coloca em foco esta disputa entre Estados para não despertar o nacionalismo brasileiro já que resolveu ficar ao lado dos entreguistas.

Ao abordar os conflitos entre países ricos e pobres, Arnold Toynbee afirma que:

“…há também os problemas das relações entre os países desenvolvidos e aqueles que ainda se encontram industrialmente atrasados ou subdesenvolvidos – países onde o progresso tecnológico apenas começa a alterar as condições de vida da maioria da população. E é nesses países que se encontra a maioria da humanidade. Daí termos também que nos perguntar como poderemos propiciar algo de melhor a essa maioria ainda indigente. Atualmente a tensão entre países ricos e pobres vem-se tornando cada vez mais aguda. Poderemos eliminar ou, ao menos, diminuir a diferença entre ‘os que possuem’ e os ‘que não possuem’?

A riqueza de uma comunidade aparentemente aumenta quase automaticamente quando a comunidade atinge um certo grau de conhecimento tecnológico, organização econômica e acumulação de capital. Por outro lado, se uma comunidade não chega a tingir esse estágio, seu padrão de vida material declina e isso nada tem a ver com o enriquecimento crescente dos países ricos: esse declínio deve-se à explosão demográfica que ocorre principalmente nas áreas econômicas e tecnologicamente atrasadas.

Será inevitável esse desajuste? Tenderá ele a aumentar? A explosão demográfica tem sido causada, a meu ver, de forma indireta pelos países tecnologicamente avançados, visto que estes inventaram a medicina preventiva e serviços de saúde pública. Essas invenções difundiram-se de maneira mais ou menos eficiente por todo o mundo, mesmo nos países em parte avançados onde a introdução do planejamento familiar suplantou a redução na taxa de mortes prematuras.

Apenas os povos subdesenvolvidos podem por iniciativa própria  recorrer ao planejamento familiar numa medida que altere a redução já alcançada em sua taxa de mortalidade, restabelecendo, desse modo suas populações – embora num nível muito alto.” (A Sociedade do Futuro, de Arnold Toynbee, Editora Zahar, 3ª edição, Rio de Janeiro, 1976, p. 143/144)

“… a atual diferença entre países ricos e pobres poderia ser diminuída através de duas mudanças na organização dos assuntos internacionais. Necessitaríamos  de um governo mundial, suficientemente forte para taxar pesadamente os países ricos em benefício dos países pobres. Necessitaríamos, ainda, de um sindicalismo nos países pobres. A pressão que os sindicatos fazem sobre a comunidade, através de greves, não é, em si uma boa coisa; greve é uma forma de militância, uma forma de guerra fria; mas constitui um mal menor que a injustiça social permanente. Creio que se a maioria dos países entrasse coletivamente em greve, recusando-se a vender aos países ricos seu trabalho, suas matérias-primas e alimentos, a não ser em termos razoáveis, obrigaria os países ricos a mudar as relações de intercâmbio a favor dos mais pobres. Isso seria uma vitória da justiça.” (A Sociedade do Futuro, de Arnold Toynbee, Editora Zahar, 3ª edição, Rio de Janeiro, 1976, p. 146)

A premissa do autor é parecida com a referida por Jean-Christophe Rufin no livro “O império e os novos bárbaros”. O problema do mundo é a explosão demográfica no terceiro mundo. Mas enquanto o autor francês espalhou o medo deste fenômeno, o autor britânico sugere uma compreensão humanizada do problema. Rufin advoga a preservação da fronteira em benefício da competição entre ricos e pobres, Toynbee a abolição desta mediante a cooperação internacional mediante um governo mundial.

Nenhum dos dois estava certo. A explosão populacional não impediu o crescimento econômico acelerado na China e na Índia. O declínio populacional tem se transformado num problema econômico e político na Europa. A relação automática entre explosão populacional e a pobreza (uma verdade auto-evidente na década de 1970) foi desfeita pelos fatos nas últimas décadas.

Em nosso país a direita quer reduzir os direitos trabalhistas, assistenciais e previdenciários da população. Ao que tudo indica FHC, Michel Temer e seus cavaleiros do apocalipse no Congresso Nacional querem aumentar a taxa de mortalidade de crianças e idosos pobres privando-os de direitos sociais. Isto reduziria a disputa por recursos orçamentários e estabilizaria o país preparando-o para crescer. O decrescimento da população seria um sinal de desenvolvimento, muito embora o crescimento populacional tenha produzido um efeito mais positivo que negativo na China e na Índia.

Publicado em 1976, o livro de Toynbee sugere que deveríamos ter esperança num governo mundial que obrigaria os países ricos a ajudar os países pobres. Quarenta anos depois, a realidade no Brasil é deprimente. Os EUA impuseram uma nova guerra civil aos brasileiros não para auxiliar nosso país e sim para saquear nosso pré-sal com ajuda de uma elite corrompida e sem qualquer compromisso nacional com o nosso país. A justiça social sai de cena. O mercado se torna um “deus ex machina”, que suga o orçamento brasileiro exigindo juros crescentes e redução dos direitos da população.

A idéia de um governo mundial segue sendo tão sedutora quanto implausível. Quem comandaria este governo: norte-americanos, russos ou chineses? Como conciliar as disputas entre as três potências e entre estas e as impotências européias, africanas e latino-americanas? Não bastasse isto, é preciso sempre ter em conta a advertência feita por Hannah Arendt:

“Por traz de nossos preconceitos atuais contra a política estão a esperança e o medo: o medo de que a humanidade se auto-destrua pr meio da política e dos meios de força que tem hoje à sua disposição: e a esperança, ligada a esse medo, de que a humanidade recobre a razão e livre o mundo não de si própria, mas da política. Um meio de fazê-lo seria a criação de um governo mundial que transformasse o Estado numa máquina administrativa, resolvesse burocraticamente os conflitos políticos e substituísse os exércitos por forças policiais. Essa esperança é, evidentemente, pura utopia enquanto a política for definida no sentido usual, ou  seja, como relação entre dominadores e dominados. Tal ponto de vista levaria não à abolição da política, mas a um despotismo de proporções colossais no qual o abismo que separa os governantes dos governados seria gigantesco a ponto de tornar impossível qualquer espécie de rebelião, para não dizer qualquer forma de controle dos governados sobre os governantes. o fato de nenhum indivíduo – nenhum déspota, per se – poder ser identificado nesse governo mundial não mudaria de forma alguma o seu caráter despótico. o governo burocrático, o governo anônimo do burocrata, não é menos despótico porque ‘ninguém’ o exerce. Ao contrário, é ainda mais assustador porque não se pode dirigir a palavra a esse ‘ninguém’ nem reivindicar o que quer que seja.” (A PROMESSA DA POLÍTICA”, Difel, Rio de Janeiro, 2008, p. 148/149)

É evidente que no Brasil o humanismo de Arnold Toynbee não se tornou uma realidade. De fato, o que predomina no cenário político, institucional e jornalístico brasileiro em 2016 é o “terror dos bárbaros”. Empresários, jornalistas e políticos de direita, corrompidos ou não, agem neste momento como se as teorias de Jean-Christophe Rufin pudessem ser transformadas em política do Estado frente à maioria da população brasileira. A reação popular será inevitável.

O golpe de estado começou com uma exceção (o Impedimento mediante fraude de Dilma Rousseff). A exceção se transformou em regra no exato momento em que o STF aceitou a resistência do Senado de afastar Renan Calheiros do cargo. A repressão policial (sempre contra aqueles que resistem ao golpe, pois aqueles que o defendem são protegidos pelos policiais) está crescendo. Em breve os juízes, mais preocupados com seus salários acima do teto, começarão a aceitar e/ou sugerir execuções e torturas ilegais.

Num momento inspirado, Aldous Huxley disse  “E se este mundo for o inferno de outro…” Talvez ele estivesse certo. Afinal, as previsões otimistas do futuro quase sempre são apenas uma relação de coisas que não acontecerão. Neste momento o Brasil caminha resolutamente para restabelecer uma sociedade parecida com a que existia durante o período colonial. A ponte para o futuro imaginada por Michel Temer está se revelando uma pinguela para o nosso passado. 

 

Fábio de Oliveira Ribeiro

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