TSE combate fake news quando a vítima é o TSE. Contra o ecossistema bolsonarista, “agiu muito pouco e tarde”

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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O "modus operandi", a dimensão e a capilaridade da máquina bolsonarista de fake news ainda parecem escapar às instituições

Os ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin e Luís Roberto Barroso, do Tribunal Superior Eleitoral. Foto original: Agência Brasil
Os ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin e Luís Roberto Barroso, do Tribunal Superior Eleitoral. Foto original: Agência Brasil

A pergunta é objetiva: o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) está preparado para atuar contra as fake news na eleição de 2022?

“Tenho sérias dúvidas”, responde um dos principais pesquisadores do ecossistema digital da ultradireita bolsonarista.

Em entrevista ao canal TVGGN [assista abaixo], Rafael de Almeida Evangelista, antropólogo, cientista social, conselheiro do Comitê Gestor da Internet, entre outras realizações, conversou com Luis Nassif sobre o grau de preparo da maior autoridade eleitoral do País para enfrentar o chamado “gabinete do ódio” em 2022.

Nos últimos anos, o Supremo Tribunal Federal, outro alicerce da democracia brasileira, conduziu uma série de investigações contra a máquina bolsonarista, principalmente depois que as mentiras, ameaças e difamações se voltaram contra os ministros da Suprema Corte.

O TSE também decidiu falar grosso contra os ataques de Jair Bolsonaro à segurança das urnas eletrônicas e à lisura do processo eleitoral. Além disso, promoveu debates, reuniões e acordos com algumas plataformas digitais para melhorar o ambiente virtual no pleito de 2022.

Mas, na visão de Evangelista, as ações são insuficientes para desmobilizar a infraestrutura que produz e espalha fake news.

“O que tenho visto do TSE agir com relação às fake news é quando ele é atacado, ou o sistema eleitoral é atacado”, diz o pesquisador. Mas “desde 2018 temos todos os indícios de problemas com grupos de WhatsApp e desinformação, e o TSE não agiu, ou agiu muito pouco e muito tarde” para compreender o funcionamento e desbaratar as quadrilhas por trás desse ecossistema.

“PEDAGOGIA DO AMBIENTE DIGITAL”

Além dos atos preparatórios para as eleições, o TSE também foi provocado a julgar ações envolvendo crimes em ambiente digital que teriam favorecido a eleição de Bolsonaro em 2018. Nenhuma delas prosperou.

Um das ações foi apresentada pelos ex-presidenciáveis Marina Silva (Rede) e Guilherme Boulos (PSOL), após a invasão de um grupo no Facebook com milhões de mulheres que participaram dos protestos batizados de “Ele Não”. A ação não prosperou por falta de provas de autoria, muito em função da inação do Ministério Público Eleitoral e das policias judiciárias. Em entrevista ao GGN, para uma reportagem publicada em 2021, o advogado eleitoral André Maimone avaliou que o TSE perdeu uma oportunidade de fazer a “pedagogia do ambiente digital” no âmbito daquela ação.

Advogado da campanha de Boulos, Maimone chegou a se encontrar com ministros do TSE, entre eles Luís Roberto Barroso e Edson Fachin, para defender que a corte eleitoral se esforçasse para aprender o “modus operandi” por trás da produção e disseminação de fake news.

“Quando o TSE fosse julgar [as ações] frente as provas, a gente ia aprender um pouquinho de como esses grupos agiam. Não só sob o aspecto da técnica, porque ela evolui muito rápido, mas também sobre quem faz, quem encomenda, como funciona, que tipo de arregimentação existe por trás, que tipo de interesses estão envolvidos.”

Para Maimone, com essa “pedagogia do ambiente virtual”, “o processo democrático brasileiro teria sido aprimorado” e o Poder Judiciário ajudaria a prevenir nas eleições de 2020 – e, agora, em 2022 – o que aconteceu em 2018. Porém, o TSE, assim como outros tribunais, segue focado na ponta do iceberg, processando fake news caso a caso, à luz dos limites da liberdade de expressão e suas consequências legais. Uma preocupação legítima, mas que não anula a necessidade de lançar luz sobre o que está sob a superfície.

O ECOSSISTEMA DA DESINFORMAÇÃO

Ao GGN, Rafael Evangelista reforçou o aspecto altamente mutável das redes sociais, o que dificulta, em parte, o processo de aprendizado. O bolsonarismo, mais concentrado no WhatsApp em 2018, já colonizou outras plataformas desde então, como o Telegram, Tik Tok e Youtube, de um jeito que o braço das instituições brasileiras ainda não alcançam.

Evangelista citou como exemplo a atuação da ultradireita no Youtube, combinada com a produção e circulação de notícias falsas em portais e no WhatsApp ou Telegram. “Esses grupos são capazes de trazer muita audiência para vídeos no Youtube e algumas matérias. (…) O sujeito monta canal no Youtube sabendo que se falar bem do Bolsonaro, os grupos bolsonaristas vão impulsionar o conteúdo [que é monetizado], e as plataformas não estão nem aí se aquilo é verdade ou não”, porque elas querem ganhar dinheiro com a audiência.

“Tenho sérias dúvidas de que o TSE vai tomar uma atitude. A gente tem que olhar para desinformação não como algo episódico. A desinformação tem relação com o capitalismo de vigilância, a economia da atenção e etc”, comentou Evangelista.

Leia também:

1 – Eduardo Bolsonaro aparece em esquema de “astroturfing” usado no WhatsApp na eleição de 2018

2 – Xadrez de como será o golpe da urna eletrônica, por Luís Nassif

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

3 Comentários

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  1. Sinto falta de matérias que orientem a base, militante, sobre com o agir.

    É simples e há informações.

    Mas infelizmente a base ainda não aprendeu como agir.

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