Vigiar e punir – o jornalismo e o exercício do poder hipócrita.

“Se trazes no bolso a contravenção, muambas, baganas e nem um tostão, a lei te vigia, bandido infeliz, com seus olhos de raios X. E se, definitivamente, a sociedade só te tem desprezo e horror e, mesmo nas galeras, és nocivo, és um estorvo, és um tumor, a lei fecha o livro, te pregam na cruz, depois chamam os urubus”.

São versos de “Hino de Duran” de Chico Buarque de Holanda e faixa do álbum Ópera do Malandro, lançado em 1979 em plena ditadura. E, se parecem atuais em relação à imagem que é criada na grande imprensa dos encarcerados do “mensalão”, é porque eles tratam de um tema atemporal. Da prerrogativa dada aos poderosos de vigiar e punir os indivíduos sob seu poder. E porque não são outras as ações a que grande imprensa tem se dado ao trato, desde que Partido dos Trabalhadores assume algum cargo ou governo.

Tratamos aqui, portanto, do exercício do poder. Do uso da informação e dos meios de sua divulgação como exercício do poder.

Desde que o homem se organizou coletivamente e estabeleceu os códigos de conduta dentro dos grupos formados, a infração a esses códigos é motivo de punição. E decidir pela culpabilidade de um indivíduo externo a quem julga e lhe impor sofrimento em função disso é exercício de poder.

Supérfluo lembrar o quanto os meios de comunicação, e dentre eles a imprensa, em especial, exercem de poder sobre a sociedade na formação de consensos e definição de padrões de comportamento.

A imprensa, ao longo da história da humanidade, exerce o papel, entre outros, de tornar públicas as infrações e, através da pressão popular oriunda dessa publicidade, constranger os governantes a tomar providências que restaurem na sociedade a confiança na validade dos códigos estabelecidos. A punição dos infratores é uma das providências esperadas.

Ocorre que, por mais que se queira que o exercício desse poder seja inerente e necessário à vida em sociedade, quando ele é exercido a favor ou contra determinados grupos de interesses, segundo os interesses dos donos dessa imprensa, a ética seletiva contida nele torna esse poder hipócrita.

Supérfluo também recordar que casos como o do chamado mensalão do PT são tratados, pela nossa grande imprensa, de forma diferente em relação a outros casos similares. Em casos como os Mensalões do PSDB e do DEM, Privataria Tucana, Lista de FURNAS, as relações promíscuas entre figuras expoentes da política e da própria imprensa com Carlinhos Cachoeira, o Trensalão do PSDB de São Paulo, nossa grande imprensa está sempre cheia de dedos ao trata-los, quando não são simplesmente ignorados ou papeis são invertidos. Alguém ainda tem alguma recordação da máfia das aprovações de licenças para edificações, comandada diretor do Departamento de Aprovação e Edificações do governo Kassab – ex-prefeito de São Paulo e nomeado por José Serra? E Haddad do PT, atual prefeito de São Paulo, é ou não responsável pela Máfia do ISS, que atuou nos governos do PSDB de Serra-Kassab? Eles, outra vez. Ou, que fim levou das denúncias de licitações combinadas para a cosntrução da linha 5 do Metrô paulistano na gestão Serra? Sempre ele.

Supérfluo, logo, demonstrar a hipocrisia contida no exercício de poder pela nossa grande imprensa, quando esta clama por punição exemplar ao PT, dando a entender que bastaria tal punição para se restabelecer a moralidade pública.

Estranho que tal estratagema se dê e obtenha êxito no viger de uma democracia. O que só demonstra o quanto os mecanismo de controle social da nossa democracia são incompletos. Tão incompletos que ainda comportam o exercício do poder hipócrita.

Redação

2 Comentários

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  1. Monopólios

    Uma reflexão que tende a se ampliar, meu caro Sérgio.

    Os mesmos que comandam a Mídia estão em relações íntimas com aqueles que comandam a Indústria, o Sistema Financeiro, o Agronegócio, o Judiciário, Partidos Políticos e quem sabe até com o diabo a quatro.

  2. Quarto Poder

    A cobertura da AP 470 colocou em evidência mais uma vez a dimensão do poder político exercido pelos meios de comunicação em uma sociedade massificada. Para mim, trata-se uma contradição no adjetivo: um poder estatal totalmente privado. 

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