A sucuri de toga, a capivara parlamentar e a onça petista, por Fábio de Oliveira Ribeiro

Agora que a poeira começou a assentar, as disputas de poder entre o STF, Congresso Nacional e o Executivo retornaram.

A sucuri de toga, a capivara parlamentar e a onça petista

por Fábio de Oliveira Ribeiro

Em terra, uma sucuri é lenta. Mas ela não deixa de ser perigosa a curta distância quando está faminta. Se o ataque inicial falhar, a cobra não tem velocidade para perseguir sua presa. Então ela simplesmente desistirá de fazer isso.

Alguém que não conhece os hábitos desse tipo de réptil poderia imaginar que uma imensa e pesada sucuri provavelmente teria mais sucesso se emboscasse a presa subindo numa árvore. Assim que um animal parasse embaixo do galho em que ela aguardava uma oportunidade a cobra poderia cair em cima da presa. Após rapidamente se enrolar nela e abatê-la a sucuri poderia devorá-la tranquilamente.

A evolução da espécie, porém, seguiu um caminho diferente. As sucuris se adaptaram muito bem ao ambiente aquático, em que podem se aproximar furtivamente das presas e atacá-las com grande velocidade e destreza. Constrito pela sucuri na água, um animal de grande porte geralmente morre afogado. Isso significa que a sucuri pode obter o alimento desejado com o menor desperdício de energia.

Se subisse em árvores, o réptil gastaria uma grande quantidade de energia e teria que repetir a operação caso a presa conseguisse fugir. Além disso, diversas espécies de animais têm chifres e a sucuri poderia se ferir mortalmente ao atacá-los de um ponto mais alto. Além disso, na árvore a cobra não teria a mesma mobilidade que tem na água e se tornaria uma presa fácil para uma onça.

O caso da sucuri que caça na água e não subindo em árvores evidencia que evolução natural é um fenômeno complexo. O sucesso de uma espécie depende de inúmeros fatores que levam à produção de um determinado hábito com a exclusão de outros que poderiam parecer mais adequados ou lógicos a um observador humano desatento.

As instituições humanas também evoluem de uma maneira e não de outra dependendo de suas próprias características. O STF surgiu no Brasil como um tribunal extremamente fraco, que podia ser ameaçado por Floriano Peixoto, ignorado por Getúlio Vargas ou simplesmente amordaçado pelos militares após o golpe de estado de 1964. Antes e durante o golpe “com o STF, com tudo”, nossa Suprema Corte adquiriu um imenso poder. Mesmo assim ela não foi capaz de resistir às ameaças que foram feitas para impedir Lula de disputar a eleição contra Jair Bolsonaro em 2018.

Sentindo-se perigosamente ameaçados pelo avanço do bolsonarismo, os ministros do STF fizeram o que era necessário para recuperar algum controle da situação. Mas isso não impediu que o prédio do Tribunal fosse invadido e depredado pelas hordas terroristas em 08 de janeiro de 2023. A reação pública dentro e fora do país à intentona fascista comandada por Jair Bolsonaro fortaleceu bastante o STF.

No auge da crise a Suprema Corte obviamente contou com o apoio do Executivo e do Legislativo. A invasão do Palácio de Planalto e do Congresso Nacional foi um evidente erro estratégico do comando do golpe liderado por Jair Bolsonaro e pelos generais que ele tem na algibeira. Além disso, o inequívoco apoio do governo dos EUA à preservação da legalidade parece ter intimidado os militares que deixaram as coisas acontecer em 08 de janeiro de 2023 para ver como tudo ficaria.

Agora que a poeira começou a assentar, as disputas de poder entre o STF, Congresso Nacional e o Executivo retornaram. O STF quer tem o direito exercer uma fatia de poder muito maior do que a que lhe cabe. A presidência está enfraquecida porque Lula não tem uma maioria sólida na Câmara dos Deputados e é constantemente chantageado por Arthur Lira. Na disputa entre a Suprema Corte e o Legislativo, o parlamento leva uma imensa vantagem porque pode mobilizar mais gente, influência e recursos para que a sua agenda seja legitimada aos olhos do público.

Nessa nova fase das disputas entre os três poderes, o STF pode agir como uma cobra constritora que gasta muita energia para se colocar acima da constituição a fim devorar os poderes do Legislativo no momento oportuno. A Suprema Corte também pode optar por deslizar furtivamente num ambiente aquático até dar o bote estrangulando o adversário para fazê-lo morrer afogado. Mas tudo vai depender da personalidade do atual presidente da Suprema Corte.

Luís Barroso é extremamente vaidoso. Desde que assumiu a presidência do STF ele aparece diariamente na imprensa e tenta usá-la para supostamente defender a autonomia do Tribunal dos ataques de Arthur Lira e de Rodrigo Pacheco. Todavia, me parece evidente que não compete à Suprema Corte impedir que o Congresso Nacional aprove emendas à constituição que reforcem o Poder Legislativo restringindo a competência do STF ou dificultando o acesso ao Tribunal.

A função dos ministros do STF é julgar processos e não governar o Brasil ou ditar sua agenda política e parlamentar. Se desejam agir como se fossem parlamentares, os membros do STF deveriam deixar o Tribunal e disputar eleições para o Senado e a Câmara dos Deputados. Nesse momento, talvez fosse melhor para o STF se retrair, fortalecer o Poder Executivo e desistir de ser um protagonista político. A presidência da república tem diversas prerrogativas institucionais que podem ser utilizadas para defender a autonomia do Judiciário dos abusos cometidos pelo Poder Legislativo.

Maquiavel recomenda ao príncipe ser esperto como a raposa e brutalmente irresistível como um leão. As disputas protagonizadas por Luís Barroso, Arthur Lira e Rodrigo Pacheco tendem a enfraquecer o Judiciário e o Legislativo. Portanto, Lula pode simplesmente observá-las à distância e triunfar deixando os outros dois poderes se desgastarem antes dele mesmo dar o bote como se fosse a onça que ataca a sucuri no momento em que ela se enrolou na capivara para poder devorar ambas.

Fábio de Oliveira Ribeiro, 22/11/1964, advogado desde 1990. Inimigo do fascismo e do fundamentalismo religioso. Defensor das causas perdidas. Estudioso incansável de tudo aquilo que nos transforma em seres realmente humanos.

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Fábio de Oliveira Ribeiro

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