Antígona, ou o elogio da condenação, por Fábio de Oliveira Ribeiro

Há várias maneiras de interpretar o conflito entre Antígona e Creonte. Mas aqui gostaria de chamar atenção apenas para o final da peça, em que ambos se encontram em situação aparentemente semelhante.

Antígona, ou o elogio da condenação

por Fábio de Oliveira Ribeiro

Separados por suas obrigações para com a família e com o Estado, ao fim da peça de Sófocles os personagens Antígona e Creonte partilham a mesma tragédia. Condenada a ser enterrada viva, Antígona se enforca na caverna ignorando que foi perdoada por Creonte.

Hemon, filho do governante de Tebas, comete suicídio ao ver sua amada morta. A mãe dele faz o mesmo ao ficar sabendo que perdeu o filho. Aterrorizado pela dupla perda, Creonte lamenta seu destino.

Creonte

O único culpado sou eu, e nenhum outro.

Eu, só eu foi quem matou, miserável.

Eu, falo a verdade.

Já, guardas,

levai-me daqui.

Tirai-me

sem demora.

Eu não sou nada,

sou menos que ninguém.

(Antígona, Sófocles, L&M Pocket, Porto Alegre, 1999, p. 95, 1317 – 1325)

Há várias maneiras de interpretar o conflito entre Antígona e Creonte. Mas aqui gostaria de chamar atenção apenas para o final da peça, em que ambos se encontram em situação aparentemente semelhante.

Antígona queria apenas enterrar o irmão. Condenada ela comete suicídio sem saber que isso era desnecessário. Creonte fez cumprir seu decreto original que impedia o enterro de Polinice, mas o destino o impediu de executar o perdão concedido à Antígona. A irmã piedosa se liberta da vida para viver no Hades com o irmão que tentou enterrar; o tirano cruel é aprisionado num mundo em que a morte do filho e da esposa se tornaram realidade por causa de seus atos funestos.

Antígona pode desfrutar uma nova vida após a morte. Creonte foi condenado a vagar na terra dos vivos como se estivesse morto. A autolibertação da vítima da opressão equivale à autopunição do opressor. O que nos leva a uma questão essencial: quem puniu quem?

Creonte, homem que governa o destino de Tebas, pune Antígona porque ela desrespeitou seu decreto. Mas ele é punido pelos deuses (ou pelo destino) porque ao cometer suicídio Antígona o impediu de executar o perdão.

Essa peça de Sófocles pode ser vista como um exemplo da resistência à tirania, da apologia à desobediência. Todavia, a ação de Antígona é impulsionada pelo dever para com o irmão insepulto e inspirada por Leis divinas que existem desde tempos imemoriais. Essas Leis, que foram desafiadas por Creonte, são cumpridas no exato momento em que o perdão que ele concede a Antígona não pode mais ser executado.

Mas o que parece uma relação de causa e consequência é antes uma Koinonia entre consequência previsível e causa evitável. A causa em questão não foi a desobediência de Antígona e sim a de Creonte, pois ele poderia muito bem ter cumprido a Lei divina autorizando o enterro de Polinice.

E assim chegamos ao ponto que eu gostaria de explorar aqui. A hegemonia da China nas próximas décadas será um fato inexorável, ela não poderá ser impedida por uma guerra mundial que destruiria inclusive os EUA e a Europa. O mesmo pode ser dito da integração energética entre a Alemanha e a Rússia.

O sucesso chinês foi construído com capital norte-americano, mas não sob o controle da Casa Branca. Quem cometeu esse erro durante a Guerra Fria foram os próprios norte-americanos. As relações comerciais entre russos e alemães decorrem da proximidade geográfica. Ninguém conseguirá impedir a geografia da Europa de operar efeitos econômicos indesejados pelos EUA. Essa dupla fatalidade não deve ignorada pelos governantes norte-americanos. As Leis que provocaram ambas já não podem ser revogadas por decretos da Casa Branca.

Após condenar Antígona, Creonte conversa com seu adivinho:

Tirésias

Maldição! Não há ninguém que saiba, que raciocine?

Creonte

O que? Que queres dizer com essas vulgaridades?

Tirésias

Que juízo é o maior dos bens.

Creonte

Como, penso, a falta de juízo é o maior dos males.

Tirésias

É precisamente este mal que te afeta.

(Antígona, Sófocles, L&M Pocket, Porto Alegre, 1999, p. 77, 1048 -1052)

Fábio de Oliveira Ribeiro, 22/11/1964, advogado desde 1990. Inimigo do fascismo e do fundamentalismo religioso. Defensor das causas perdidas. Estudioso incansável de tudo aquilo que nos transforma em seres realmente humanos.

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN

Fábio de Oliveira Ribeiro

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