Apontamentos sobre o Bozodämmerung, por Fábio de Oliveira Ribeiro

Apontamentos sobre o Bozodämmerung, por Fábio de Oliveira Ribeiro

Há exatamente 19 anos, o economista Amartya Sen incluiu duas coisas  sua lista de compras para o século XXI: ampliação e consolidação da democracia e iluminismo.

Segundo o festejado economista, havia:

“… motivos para sentir algum otimismo em relação à democracia. As formas democráticas de governo recentemente receberam aceitação muito mais ampla nos países da América Latina e da África, onde – anteriormente – o ceticismo em relação às políticas democráticas se combinava com uma exibição aberta de poder militar para derrubar muitas democracias e evitar o florescimento de outras.” (Previsões, organização Sian Griffiths, editora Record, Rio de Janeiro-São Paulo, 2001, p. 320)

“Outro item em minha lista de compras que eu gostaria de identificar é um uso mais amplo do raciocínio em questões sociais. Este, é claro, é o lema sob o qual boa parte da batalha intelectual do iluminismo europeu ocorreu. Isso faz dois séculos agora. O Iluminismo foi atacado com bastante severidade nos últimos anos. Acredito que com bastante injustiça na maioria das vezes. O argumento de que se baseou em uma crença arrogante na superioridade de uma forma de raciocínio muito estreito e em uma intolerância para com pontos de vista opostos não é fácil de demonstrar. Esse diagnóstico correspondia melhor ao resultado imediato da Revolução Francesa (e o reinado do Terror) do que à sustentação do próprio Iluminismo.” (Previsões, organização Sian Griffiths, editora Record, Rio de Janeiro-São Paulo, 2001, p. 321/322)

Em seu discurso de posse Jair Bolsonaro voltou a atacar os professores, defendeu o fim do socialismo e disse que o politicamente correto não teria mais espaço no Brasil.

Nosso país nunca foi socialista. Sob os governos petistas os ricos lucraram muito mais do que os pobres. Os programas sociais criados pelo PT visavam melhorar a qualidade da mão de obra à disposição das empresas. As garantias outorgadas aos cidadãos em geral (e à oposição em especial) não podem ser revogadas à porretadas por um presidente que acredita no uso da força bruta. A liberdade de ensinar e aprender, garantidas na CF/88, não deve ser objeto de qualquer tipo de restrição e censura. Os pressupostos e argumentos utilizados por Bolsonaro não são Iluministas e sim irracionais.

A militarização da posse, com direito à colocação de canhões voltados para o público, foi uma verdadeira demonstração de desprezo pela democracia. Os maus tratos impostos aos jornalistas, que levaram vários deles (inclusive estrangeiros) a abandonar a cobertura da posse foi um escandaloso atentado contra a liberdade de imprensa. Se nossa constituição não tivesse sido rasgada pelo STF em 2016, o novo presidente poderia ser imediatamente afastado do cargo com base no art. 85, inciso III, da CF/88.

No início do século XXI, Amartya Sen queria mais democracia e Iluminismo. Irritada com sua própria incapacidade de produzir consensos eleitorais, a imprensa brasileira esqueceu ambas quando ajudou a derrubar Dilma Rousseff imaginando que poderia levar um tucano ao poder. O que a imprensa ganhou foi algo muito diferente. Mergulhados há mais de uma década no caldo ressentimento político, mentiras descaradas e meias verdades inoportunas difundidas pela imprensa para para prejudicar o PT aproximadamente  57,7 milhões de eleitores se tornaram presas fáceis da campanha massiva de Fake News organizada pelo clã Bolsonaro. Não por acaso alguns deles gritavam Facebook e Whatsapp durante a cerimônia de posse do mito.

Ninguém deve esperar decência, cordialidade, civilidade e respeito à constituição por parte do novo governo. Aqueles que se acostumaram a atacar o PT terão que aprender na prática a diferença entre Bolsonaro e Lula.

Condenado e preso porque os juízes passaram a desdenhar e desprezar tanto a democracia quanto o Iluminismo, o maior líder da oposição não poderá fazer nada para organizar a resistência. Lula continuará sendo um refém de Sérgio Moro até que os membros do Judiciário comece perceber e a sentir os efeitos deletérios do erro que eles mesmos cometeram.

Além de autoritarismo e irracionalidade, Jair Bolsonaro também deu uma imperdoável demonstração de amadorismo. O golpe de 2016 isolou o Brasil diplomaticamente. A imprensa internacional condenou a fraude jurídico-parlamentar utilizada para levar o usurpador Michel Temer à presidência. A eleição e posse de um novo presidente era a oportunidade ideal para o Brasil restabelecer a percepção de que o poder é exercido de forma legítima e dentro dos limites da Lei.

Jair Bolsonaro preferiu encarcerar os jornalistas internacionais, privando-os de condições de trabalho decente, água e alimentação. O que o Brasil ganhará em virtude desta falta de civilidade premeditada, absurda e mesquinha? Apenas mais isolamento. Tudo indica que o novo presidente decidiu seguir a risca os conselhos de seu guru. Sem querer, Olavo de Carvalho deu um presente aos adversários de Bolsonaro dentro e fora do país.

Os erros cometidos por Bolsonaro no dia da posse irão custar caro ao Brasil. Suponho que em pouco tempo eles custarão muito mais caro ao próprio presidente. Afinal, Bolsonaro apontou uma pistola para a própria cabeça. Em algum momento o general-vice pode ser compelido a fazer o presidente puxar o gatilho.

Uma última observação. Notei que vários comentaristas lamentaram a morte da democracia. A bem da verdade nosso regime democrático foi mortalmente ferido quando Luiz Fux condenou José Dirceu porque ele não provou sua inocência. O enterro do regime democrático ocorreu com o golpe de 2016 “com o Supremo com tudo”. O que ocorreu ontem foi apenas o primeiro ato do Bozodämmerung, ou seja, o começo do fim do mito Bolsonaro.

 

Fábio de Oliveira Ribeiro

1 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador