Brasil e a cultura do autoritarismo que matou o reitor Cancellier, por Eduardo Ramos

A cultura perversa e covarde do nosso autoritarismo de Estado se protege, apoiam-se uns aos outros, se afagam esses agentes públicos.

Brasil e a cultura do autoritarismo perverso e covarde que matou o reitor Cancellier

por Eduardo Ramos

Agora é definitivo! O que intuíamos desde o início, o que viemos sabendo aos poucos num mosaico de fatos e revelações, alguns tenebrosos, hediondos, cruéis e covardes, de um abuso de autoridade inacreditável por parte de vários agentes públicos, alguns trazendo à luz a verdade, a inquebrantável verdade, contra qual não adiantam gritos, histeria, nada, finalmente o TCU bate o martelo e revela: O reitor Luiz Carlos Cancellier, LEVADO AO SUICÍDIO pelas ações criminosas e sádicas de autoridades levianas, era, afinal, inocente!

Que nojenta (não consigo vislumbrar outro termo) essa cultura do autoritarismo perverso e covarde que permeia nosso país, corrói nossa civilidade, destrói nossa democracia e cidadania, nos humilha como pessoas, nos massacra e, por fim, nos mata.

Há diferença, na raiz, entre a ação dos policiais rodoviários federais que mataram Genivaldo sufocado no Sergipe, os policiais liberados para “atirarem só na cabecinha” no Rio governado por Witzel, as torturas psicológicas brutais sobre os presos no calabouço da República de Curitiba e todos os eventos que levaram Cancellier ao suicídio trágico? Não, nenhuma!

Qualquer um de nós, se estivermos no “local errado”, na “hora errada”, a depender do humor, do caráter e do grau de selvageria do agente público que cruzar nosso caminho, pode ter sua vida esfacelada do dia para a noite – como ocorreu com Genivaldo e Cancellier. Essa probabilidade aumenta assustadoramente para os grupos sociais mais frágeis, os quase que absolutamente FORA DA PROTEÇÃO DO ESTADO: negros, favelados, índios, moradores de periferia em geral. Ou alguém se esquece do “azar” do músico Evaldo dos Santos Rosa, metralhado com a sua família por militares no Rio num domingo ao meio dia? Ironicamente, a viúva de Evaldo declarou ao marido quando se depararam com as viaturas dos seus assassinos: “Calma amor, é o Exército!” – frase que simboliza de modo absurdo o horrendo paradoxo em que esses covardes nos encerram: perdemos todos os dias no Brasil a mais banal das condições do “ser cidadão” – confiar no Estado e seus órgãos e agentes públicos. Confiar que existem para nos proteger, nos servir, serem o nosso CHÃO de segurança jurídica, civilizatória, o chão que permite que tenhamos a paz de que nossos direitos serão respeitados.

Quando a sociedade celebra o “bandido bom é bandido morto”, o “tiro só na cabecinha”, o massacre contra Lula e o PT por fanatismo e nojo, mesmo ao arrepio de todas as leis, ou quando se portam indiferentes aos negros das favelas assassinados no Rio por PMs, o genocídio PERMANENTE de nossos índios, as mortes de Evaldo, Genivaldo e Cancellier, essa sociedade CHANCELA essa cultura, chancela esse horror, ajuda a perpetuar a barbárie, fazendo do Brasil um lugar tenebroso para se viver e construir um futuro para a geração de nossos filhos e netos.

Não esperemos muita coisa das instituições: mídia, Judiciário, Polícia Federal, deputados e senadores, costumam gritar apenas quando um dos seus é atingido, acidentalmente, pela brutalidade selvagem que cerca nosso cotidiano.

Deltan Dallagnol, o “piedoso cristão a serviço de Deus e na luta contra a corrupção”, como se autodenominava nas redes sociais, tem uma frase lapidar sobre isso: chamou de “imbecis” os que ligavam o suicídio do reitor Cancellier às ações da delegada Erika Marena. Deu-lhe total e irrestrito apoio!

A cultura perversa e covarde do nosso autoritarismo de Estado se protege, apoiam-se uns aos outros, se afagam esses agentes públicos.

Apenas no dia em que o horror nos dominar a tal ponto, a repulsa, a indignação e a revolta por todos esses processos sociais abomináveis, faremos, talvez, como os franceses fizeram por causa do assassinato de um jovem pelas mãos da polícia: ir às ruas em fúria exigindo justiça, exigindo democracia, exigindo civilidade e cidadania.

É hora de pagarmos nossas dívidas com Genivaldo, Evaldo, Cancellier e tantos outros.

É hora de um basta!

(eduardo ramos)

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Redação

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