Breno Altman e a política externa independente do MPF, por Fábio de Oliveira Ribeiro

Altman não tem obrigação nenhuma de ser um papagaio de Netanyahu nem tampouco de aplaudir crimes de guerra cometidos por militares israelenses

Breno Altman e a política externa  independente do MPF

por Fábio de Oliveira Ribeiro

O caso envolvendo Breno Altman foi enquadrado pela ABI como uma grave violação da liberdade de imprensa.

Altman está sendo sistematicamente perseguido pelo CONIB porque critica os crimes de guerra evidentes cometidos por Israel em Gaza. O truque retórico utilizado por aquela instituição para criminalizar o jornalismo e assediar o jornalista é igualar ao antissemitismo qualquer manifestação pública de oposição ao sionismo.

A crítica ao militarismo israelense e o extermínio aleatório de civis palestinos é jornalisticamente aceitável. Na verdade ela é indispensável para interromper a matança de milhares de crianças inocentes. Mas os defensores dos criminosos de guerra israelenses pretendem controlar a percepção dos cidadãos brasileiros. Não existe uma única narrativa para o que Israel está fazendo, mesmo assim o CONIB tenta impedir Altman de reportar a guerra levando em conta uma perspectiva diferente daquela que o próprio governo israelense divulga.

Nossa constituição garante a liberdade de imprensa. Em razão disso, Breno Altman não tem obrigação nenhuma de ser um papagaio de Netanyahu nem tampouco de aplaudir crimes de guerra cometidos por militares israelenses. Muito pelo contrário, a liberdade de imprensa existe justamente para permitir que o jornalista publique aquilo que o CONIB eventualmente considerar inadequado.

Assim como o próprio Breno Altman não fez nada para censurar o CONIB, o Estado não deveria se deixar utilizar por aqueles que pretendem silenciá-lo. Todavia, não é isso que está acontecendo. Além de ter seus textos removidos da internet com base em decisões judiciais questionáveis que violam acintosamente precedentes do STF, o jornalista está respondendo um Inquérito na Polícia Federal.

Não compete à PF atuar como se fosse órgão censor. Portanto, o Inquérito não deveria nem mesmo ter começado. O que causa mais indignação neste episódio é o fato do referido Inquérito ter sido iniciado a pedido do MPF.

A perseguição de um jornalista por razões políticas pode ser enquadrada como abuso criminoso na forma do art. 27, da Lei 13.869/2019. O que nos leva à questão mais importante que merece ser debatida aqui: Quem deve responder pelo crime cometido contra Breno Altman?

O delegado da PF pode alegar que cumpriu uma deliberação do MPF, mas me parece que ele poderia simplesmente se recusar a iniciar o Inquérito em decorrência da evidente ausência de qualquer indício de ilícito. A conduta do procurador do MPF que decidiu oficiar a PF atendendo de maneira acrítica o pedido do CONIB é indefensável. Ele tinha o dever de cumprir e fazer cumprir fielmente uma constituição que garante a liberdade de imprensa e impede a criminalização do jornalismo e o assédio a jornalistas por razões políticas ou ideológicas.

Além de ser um caso grotesco de censura passível de enquadramento como abuso criminoso, o Inquérito contra Breno Altman pode ser objeto de uma reflexão feita com base no livro de  Rafael Rodrigues Viegas:

“… a hipótese que orienta esse estudo é a de que a constituição de uma agenda de poder pelas lideranças do MPF envolve os caminhos da política e o controle sobre os mecanismos institucionais nessa burocracia pública, os quais instrumentalizados possibilitam às suas lideranças a conversão do poder burocrático em poder político, nesse caso a chave para compreensão em relação à face oculta do seu poder.” (Caminhos da Política no Ministério Público Federal, de Rafael Rodrigues Viegas, editora Amanuense, São Paulo, 2023.p. 90)

Não conheço o procurador que pediu a abertura do Inquérito contra Breno Altman. Não sei quais são as preferências políticas dele. Mas se levarmos em conta a hipótese de estudo de Rafael Rodrigues Viegas, me parece evidente que o Inquérito comentado pode ter origem tanto na  “conversão do poder burocrático em poder político” pelo procurador do MPF que oficiou a PF, quanto pelo temor dele de se tornar vítima da conversão em poder político do poder burocrático do PGR e dos órgãos internos de controle do MPF.

Ao receber a denúncia do CONIB, uma instituição privada poderosa com grande projeção dentro e fora do país e apoio incondicional da Embaixada de Israel, o procurador pode ter simplesmente imaginado que se não oficiasse a PF ele mesmo poderia ser acusado de antissemitismo. O peso político de Breno Altman é menor que o do CONIB, logo…

Em seu livro, Rafael Rodrigues Viegas enfatiza as relações perigosas entre a cúpula do MPF e a direção da associação privada dos procuradores (ANPR).

“Os integrantes do MPF traçam estratégias políticas de carreira, dentro (MPF) e fora da burocracia pública (ANPR) sem abandonar a burocracia pública. Essas estratégias se orientam pela agenda de poder que é colocada pelas lideranças dessa organização, o que permanece em um limbo em termos de discussão teórica e análise empírica para questões relacionadas à política e ao exercício de poder.” (Caminhos da Política no Ministério Público Federal, de Rafael Rodrigues Viegas, editora Amanuense, São Paulo, 2023.p. 98)

Um caso como esse que envolve o CONIB e o jornalista Breno Altman, com grande potencial de exposição pública, pode ser utilizado como degrau para o procurador conquistar poder e prestígio dentro do MPF? Esse é um questionamento pertinente. Mas existe outro que pode ser feito.

As evidências indicam que nos últimos anos a cúpula do MPF ambiciona amplificar seu próprio poder usurpando prerrogativas constitucionais da presidência da república e do Itamaraty. Procuradores federais ambiciosos têm atuado como se pudessem definir e colocar em prática sua própria política externa contornando os limites administrativos impostos ao MPF pela nossa constituição. Portanto, retornando ao tema debatido novas perguntas devem ser feitas.

Ao atender o pedido do CONIB para criminalizar Breno Altman (e indiretamente legitimar a narrativa pró-israelense que isenta os militares de Israel dos crimes de guerra cometidos em Gaza) o procurador do caso começou a redigir um novo capítulo da política externa independente do MPF? Estamos nós presenciando o nascimento de um novo fenômeno: a conversão do poder burocrático dos procuradores federais em poder político de Israel dentro do Brasil?

Fábio de Oliveira Ribeiro, 22/11/1964, advogado desde 1990. Inimigo do fascismo e do fundamentalismo religioso. Defensor das causas perdidas. Estudioso incansável de tudo aquilo que nos transforma em seres realmente humanos.

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Fábio de Oliveira Ribeiro

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