ChatGPT jurídico x penduricalhos dos juízes, por Fabio de Oliveira Ribeiro

Num futuro próximo boa parte do trabalho dos juízes (e dos procuradores e defensores públicos) será realizado pela inteligência artificial.

ChatGPT jurídico x penduricalhos imorais dos juízes

por Fabio de Oliveira Ribeiro

Em 25 de setembro de 2023, o PGR ajuizou a ADI 7464 através da qual pediu ao STF a declaração de inconstitucionalidade das Leis do RN que possibilitaram aos desembargadores e defensores públicos que exercem funções administrativas receber um complemento salarial. Segundo Augusto Aras referidas Leis são inconstitucionais porque possibilitam o desrespeito ao teto remuneratório constitucional. Todavia, a iniciativa dele sugere outra discussão importante.

Há bem pouco tempo presidente do CNJ e do STF disse que pretende adquirir um ChatGPT jurídico. Ao fazer isso ele ecoou o relatório anexado nos autos do processo 0000416-89.2023.2.00.0000, através da qual a área técnica do CNJ recomendou ao órgão autorizar os juízes a utilizar inteligência artificial geradora de textos (doc. anexo). Apesar das restrições consideradas necessárias que foram sugeridas, referido parecer abriu caminho para o sistema de justiça ser invadido pelas máquinas de proferir julgamentos.

Em decorrência ao julgar a ADI 7464 o STF pode e deve refletir sobre o que ocorrerá num futuro previsível.

As Leis impugnadas pelo PGR permitem que os salários das autoridades do sistema de justiça do RN recebam acréscimos em decorrência de “…exercerem função administrativa cumulativa com a função judicante…” e do “… exercício nas funções de Defensores Públicos Coordenadores de Núcleos Sede ou Especializados…”. A ideia subjacente nos dois casos é a mesma: é devida remuneração adicional pela realização de tarefas que não correspondam àquelas especificamente definidas pelos cargos ocupados pelas autoridades.

Em se tratando de carreiras excepcionalmente bem remunerados, a crença de que os beneficiários das Leis referidas na inicial merecem receber mais por um trabalho supostamente não pago é imoral. Afinal, quando estão desempenhando funções administrativas, juízes e defensores públicos não estarão se dedicando ao estudo de processos judiciais para proferir decisões judiciais ou elaborar peças processuais a fim de impulsioná-los (e isso não acarretará uma redução nas remunerações deles).

E assim chegamos ao ponto que considero fundamental.

Num futuro próximo previsível boa parte do trabalho dos juízes (e dos procuradores e defensores públicos também) será realizado pela inteligência artificial. Todo o esforço de pesquisa acerca das questões jurídicas referentes à solução de uma disputa judicial serão feitos de maneira automatizada pela inteligência artificial. As autoridades do sistema de justiça se limitarão utilizar o ChatGPT jurídico (para usar a terminologia do presidente do STF) fazendo a “… revisão e opção de escolha quanto ao aproveitamento de insumo fornecido pelo modelo” (como sugerido pela área técnica do CNJ no parecer acima mencionado). Todavia, isso não poderá implicar numa redução dos salários pagos pelo Estado brasileiro aos juízes, procuradores e defensores públicos.

Trabalhar e ganhar um salário maior é bom (premissa das Leis consideradas inconstitucionais pelo PGR nos autos da ADI comentada), mas trabalhar menos ou não trabalhar e receber o mesmo salário é melhor (premissa decorrente da invasão do sistema de justiça pela inteligência artificial). No mundo futuro imaginado pelas autoridades do RN, entretanto, a perfeição será atingida porque os juízes e defensores públicos poderão receber salários nababescos com complementos imorais ainda o ChatGPT jurídico faça quase todo o trabalho intelectual que eles foram nomeados e são pagos para fazer. Esse não foi obviamente o sistema de justiça criado pelo constituinte de 1988.

Em decorrência, a procedência da ADI 7464 não é apenas juridicamente possível em razão do que o PGR disse na inicial. Ela é indispensável em decorrência da inevitável redução do esforço laboral (sem a devida redução salarial) imposta pelo uso de inteligência artificial por juízes e defensores públicos. Caso contrário, o uso do ChatGPT jurídico combinado com aumentos salariais imorais transformarão o sistema de justiça brasileiro no paraíso de uma legião de vagabundos togados que acreditam ser príncipes da Botocúndia 4.0 empoderados pela inteligência artificial.

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Fábio de Oliveira Ribeiro, 22/11/1964, advogado desde 1990. Inimigo do fascismo e do fundamentalismo religioso. Defensor das causas perdidas. Estudioso incansável de tudo aquilo que nos transforma em seres realmente humanos.

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Fábio de Oliveira Ribeiro

1 Comentário

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  1. Caro Fábio, tudo bem. Como servidor do TJ/SP acredito que o chamado ChatGPT jurídico não mudará a estrutura atual. Ele virá para substituir parte dos servidores que auxiliam os juízes, desembargadores e ministros. O que o ChatGPT jurídico fará é feito hoje pelos auxiliares. Talvez possa diminuir o tempo de tramitação dos processos. Mas os magistrados continuaram trabalhando do mesmo modo atual.

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