Choques políticos em série refletem bagunça institucional, por Antonio Machado

O chamado ativismo judicial provoca rusgas institucionais desde o tempo do mensalão, antecedendo os ataques de Bolsonaro e sua trupe ao STF

Falta de modos

Choques políticos em série refletem bagunça institucional e carência de projeto de longo prazo

por Antonio Machado

Como casa desarrumada, com pratos sujos empilhados na pia, toalha molhada sobre a cama, sapatos jogados na entrada, a governança das instituições mastiga de boca aberta, confunde o seu lugar de fala, coreografada pela Constituição, e se desorganiza por bons e maus motivos. Falamos do governo, do Congresso e do Supremo Tribunal.

A uma corte suprema, integrada por definição constitucional por indicados pelo presidente da República e referendados pelo Senado, por exemplo, não importa a opinião pessoal sobre questões abertas no tribunal. Equivale a antecipar o voto antes que as partes, e há sempre dois ou mais lados a ouvir, tenham formulado suas razões.

Isto dá-se agora quanto à posse de drogas, com ação ajuizada na corte, e em discussão no Congresso. O presidente do STF, ministro Luis Barroso, achou certo atender a um convite para dar palestra numa entidade e antecipar seu julgamento sobre o que configuraria transgressão, ou não, aos detidos com pequenas porções de drogas.

A matéria é política e não há lei clara sobre a questão, uma das causas do encarceramento em massa no Brasil, sobretudo de pobres, pretos e mal instruídos. Barroso considera errado prender usuário de drogas. Eu também acho errado…mas não sou juiz.

E, se fosse, deveria ater-me às leis aprovadas no Congresso. Mas partido sem voto no parlamento acostumou-se a judicializar a sua agenda minoritária para tentar superar a maioria no tapetão. Isso tem sido recorrente, envolvendo matérias criminais e econômicas.

O chamado ativismo judicial provoca rusgas institucionais desde o tempo do mensalão, antecedendo, portanto, os ataques de Bolsonaro e sua trupe ao STF. Como vem num crescente, virou enfrentamento.

Não há por trás apenas a convicção de alguns ministros de que as cortes supremas devam ter postura ativa sobre questões não votadas pelo parlamento, ignorando que a não decisão também é uma decisão. Adicione-se o gosto de alguns pelos holofotes e criamos uma crise.

Mau hábito contagioso

Há ministros da Corte Suprema com qualidades para ser legislador. Ou comentarista de telejornal. No STF, a conduta discreta da ex-ministra Rosa Weber, que recusava convites para palestrar e não frequentava eventos alheios ao seu mandato de juíza, é o exemplo padrão nas cortes supremas dos EUA, da França, Inglaterra, Japão.

Esta semana, uma delegação de ministros do STF viajou a Londres, a convite de uma firma de eventos, para participar de um 1º Fórum Jurídico Brasil de Ideias. Em Londres! Que ideia… Noutro dia, um deles foi a Nova York falar de oportunidades de investimentos no Brasil, como se tal protagonismo não fosse exclusivo de ministros do governo.

O desrespeito à liturgia constitucional é crescente e alcança os três poderes, fazendo o mau exemplo, multiplicado pelas redes nada sociais, espalhar-se pelo país. No fim, viram distrações sem nexo, levando o debate pegar fogo visando cliques e não o mérito.

O mau hábito institucional e político é contagioso. Na iminência da derrota de um de seus projetos, um ministro do governo ignorou declaração do presidente esta semana, segundo a qual o Congresso é soberano em suas decisões, e recorreu ao Supremo contra lei votada no Senado. O STF acatou em liminar e o ambiente político azedou.

‘Arcabouço’ já está órfão

O parlamento é ainda mais acintoso ao servir-se do orçamento para ter bônus sem ônus. Esta semana, a Comissão de Assuntos Econômicos do Senado aprovou projeto que reduz de 60% a 20% a base de cálculo do IR de motoristas de aplicativos e taxistas. Foi em caráter terminativo, o que significa que, se nenhum senador questionar, seguirá para a Câmara sem passar pelo plenário. Isso com a reforma da tributação de bens e serviços em fase de regulamentação e a da renda e do patrimônio a caminho. Trata-se de casuísmo na veia.

E o governo? O relator do projeto, senador Sérgio Petecão (PSD-AC), diz que atendeu pedido do ministro Fernando Haddad e incluiu, para compensar a perda de arrecadação, mais 0,1 ponto percentual da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) de bancos até o fim do ano. Ou seja: o custo do crédito tende a subir. Pode?

Mas tudo pode depois que o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, propôs ressuscitar o quinquênio (gratificação de 5% a cada cinco anos do salário acumulado) a juízes e procuradores, mais delegados da PF, advogados da União, defensores públicos, membros dos tribunais de contas. Ele diz que a medida não trará custos extras. O governo estima em R$ 40 bilhões a R$ 80 bilhões de gastos adicionais.

Mal fez um aninho de vida e o “arcabouço fiscal” já está órfão.

Mudar não é vergonha

Exemplos de maltrato aos dinheiros do contribuinte têm às pencas, de modo que é de pouco serventia buscar razões no presidencialismo de coalizão (presidentes eleitos sem maioria parlamentar orgânica) imperfeito, na retórica mais populista de Lula em relação aos dois governos de 2003 a 2010 vis-à-vis a maioria legislativa de centro direita e que só o apoia, eventualmente, por conveniência.

As razões de o Brasil ser a única grande economia emergente a ter há 40 anos crescimento econômico abaixo da média mundial são bem conhecidas. Foi o motivo para o presidente ouvir propostas depois da vitória em 2022 para assumir um projeto renovador, conciliando o viés social que o distingue com um programa para empinar o desenvolvimento.

Optou por ampliar o gasto, atando-se à maioria de centro direita, o que implicou aceitar pagar emendas não obrigatórias que exaurem o orçamento, e pôr na vitrine um ajuste fiscal puxado por cortes de desonerações e não pela revisão de projetos obsoletos, além das despesas indexadas à receita ou à inflação. Difícil, né?

Resumo: o governo precisa de outro caminho, em que o investimento privado, especialmente em infraestrutura e tecnologias digitais, tenha a proeminência negada pela expectativa de um dirigismo hoje não mais viável, dado o ajuste fiscal, a maioria contraria a essa diretriz e a necessidade de reduzir o custo de capital, função de menos déficits, menos tributação e menos burocracia. É o jeito de não depender de humores do Congresso e do Judiciário.

Mudar não é vergonha. Todo mundo adora histórias de recomeço…

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Redação

1 Comentário

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  1. Começou quando sem voto políticos foram ao STF para este fazer o trabalho deles.

    Miro Teixeira, lei de imprensa, era encrenca do Legislativo.

    Depois o caldo entornou, até o fim do ano o VAR fica com o STF…

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