Pressões e chantagens golpistas sobre o futuro governo Lula, por Roberto Bitencourt da Silva

Tranquilidade é seguramente um predicado que não marca a nossa quadra histórica.

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Pressões e chantagens golpistas sobre o futuro governo Lula

por Roberto Bitencourt da Silva

Foi curioso ver a tranquilidade com que os jornalistas da Globo News, nesta segunda à noite, faziam especulações em torno do processo de transição na Presidência da República. Eram ventilados nomes para coordenar os trabalhos, foi resgatada a memória de equipes intergovernamentais de mudança e cooperação etc. Experiências em que primaram elegância técnica e estabilidade política no trato entre atores eventualmente divergentes. 

Digo curioso porque havia horas estava transcorrendo uma série de atos nas estradas brasileiras, em quase 20 estados da Federação, protestos com explícitas aspirações golpistas, pregando intervenção militar contra o resultado eleitoral que conferiu a Luiz Inácio Lula da Silva sua terceira vitória em uma disputa presidencial.

Bloqueios de rodovias, provavelmente, realizados com patrocínio patronal, configurando um potencial locaute. A cobertura dada pelo presidente Jair Bolsonaro mais do que evidente na omissão da Polícia Rodoviária Federal. Uma transição entre os governos Bolsonaro e Lula demanda grave atenção, cobertura jornalística rigorosa sobre o curso dos acontecimentos. Tranquilidade é seguramente um predicado que não marca a nossa quadra histórica.

Salvo algum fenômeno político inovador, não dá para conceber a possibilidade de que a nova nota golpista do entreguismo reacionário seja exitosa no momento. Isso na medida em que as potências imperialistas, EUA à frente, imediatamente reconheceram a vitória de Lula. Um tradicional instrumento continental da projeção de poder estadunidense, a Organização dos Estados Americanos, igualmente reconheceu. Internamente, autoridades do Legislativo e do Judiciário brasileiro congratularam o presidente eleito. 

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As Forças Armadas do país, bem como demais círculos do poder nacional e o próprio Bolsonaro, são títeres do capitalismo internacional, de modo que é bastante plausível que coloquem a viola no saco e acomodem-se às condições políticas estabelecidas, sobretudo no ambiente internacional, por inexistir apoio do governo Biden para a ruptura com a soberania do voto.   

Contudo, isso não impediria o agrupamento político ora no poder de realizar plausíveis iniciativas ilegais e extemporâneas, de sorte a criar circunstâncias menos desfavoráveis para a “rendição”, isto é, a passagem do bastão a Lula. As ações golpistas promovidas nas estradas do país tendencialmente são recursos colocados em marcha.

Impor pressões sobre o governo eleito tendo em vista a obtenção de algum tipo de anistia ou acomodação em face de inúmeras atrocidades e ilegalidades cometidas pelo governo Bolsonaro. As transações entre os de cima, infelizmente, são uma arte da vida política nacional, como assinalava o sociólogo Florestan Fernandes.

Não à toa, em respeito à referida “tradição” e dirigindo-se a Lula, fala-se em “serenar os ânimos”, especialmente entre os analistas da grande mídia… Ademais, a hipótese de fuga do vil entreguista ainda presidente para o exterior não pode ser descartada. Miami, quem sabe. Todo criminoso da política latino-americana procura repouso por lá.

De resto, se já foi bastante frágil e problemático nos governos anteriores de Lula e Dilma, menos ainda gozará de sucesso em um futuro governo Lula, a gasta premissa da compatibilização de interesses entre o grande capital e parcelas das classes trabalhadoras. Diga-se, uma estratégia de governo que em muito contribuiu para promover desmobilização, alienação e despolitização em amplas faixas do Povo Brasileiro, desarmando a capacidade crítica de setores das classes trabalhadoras e médias.

O golpismo e a chantagem tenderão a ser a tônica das sombras lançadas sobre o governo futuro. De um lado, em função das contingências imediatas dos agrupamentos políticos e econômicos que giram em torno de Bolsonaro e do que se convencionou chamar de Partido Militar. De outro, devido às circunstâncias mais estruturais, relacionadas ao projeto que vem se desenhando pelas classes dominantes domésticas e estrangeiras, de conversão do país em mera plataforma exportadora de commodities. Território, sem nação, sem cultura.

Nesse sentido, é necessário que se assuma que a luta de classes existe (“ela existe imbecil”, diria o personagem de Paulo Autran, em Terra em transe), e, em decorrência, sejam introduzidas diretrizes econômicas que beneficiem os interesses nacionais e populares, bem como explorem a participação ativa e direta da maioria nos processos decisórios. Isso será fundamental para sustentar o novo governo. Uma escolha alternativa desalentadora provavelmente redundaria em um misto de frustração em grossa parte da população e de ingovernabilidade absoluta.

Roberto Bitencourt da Silva – historiador e cientista político.

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected].

Redação

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