Um caso claramente julgado, mas não esclarecido pela lei, por Rogerio Mattos

Lula recebe o carinho de crianças no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, de onde acompanhou atos pelo país – Ricardo Stuckert 

Um caso claramente julgado, mas não esclarecido pela lei

por Rogerio Mattos

O ato sublime

É incontestável que Lula foi mais do que julgado. Como é corriqueiramente, cotidianamente, desde que emergiu à cena pública, às vezes de forma mais ou menos vigorosa (para o bem ou para o mal), outras de maneira branda, tal como fato consumado (para o bem ou para o mal). Ele agora foi suficientemente julgado de maneira formal, porém nada foi esclarecido legalmente. Contudo, Lula conseguiu criar o fato político que o Moro não queria que fosse criado. Se anos atrás vivemos momentos históricos com o sapo barbudo quando ele sempre dizia “nunca antes na história desse país”, não foi diferente os últimos dias em São Bernardo do Campo. Não é porque é tragédia que não é um momento sublime. Momento dos poetas e dos titãs.

Em duas coisas se deve prestar atenção: o julgamento do STJ não foi sobre o mérito do caso, já que, como alegado pelo tribunal, os devidos recursos ainda não tinham se esgotado na 2ª instância. No STF não foi diferente, mas com a desculpa de se julgar, de maneira sobreposta, o mérito da chamada “prisão antes do trânsito em julgado”. Quem ali, talvez à exceção de Lewandowski (e de maneira sutil), fez alguma alusão aos inúmeros questionamentos que seu julgamento primeiro levantou, desde a desvirtuação do princípio do juiz natural, passando pelos grampos à presidência da república e ao escritório de advogados, ou Tacla Duran até a parceria “para-legal” dos procuradores brasileiros com o Departamento de Justiça americano? Isso para não julgar o tal do “fato em si”, as aberrações tais como a lavadora de dinheiro (OAS) servir de laranja de si própria num crime de lavagem de dinheiro em dinheiro, como disse o relator do caso no TRF-4.

Esse tribunal só corroborou as anomalias da sentença primária. Nas outras instâncias, nem as questões relativas ao questionamento da validade da ação penal, tampouco as que se referem ao conteúdo da sentença – o triplex – foram julgadas. A lei ainda deve ser esclarecida apesar da multiplicação de julgamentos. Se existe ou existirá sistema de justiça, isso é o que deve ser avaliado – e esclarecido -, ou seja, nada mais do que a aplicação da lei e não a validade de recursos. Moro é quem deve ir ao tribunal mais do que ninguém.

O ato patriota no STF

O voto mais sucinto e mais elegante no julgamento de ontem. Lewandowski é um garantidor dos direitos fundamentais e se destacou contra a onda persecutória já no processo do mensalão. Foi praticamente uma voz isolada então, algo que não parece ser na atual conjuntura que vive a suprema corte.

Ele resume assim: “o direito a propriedade vale mais do que o direito a liberdade” no julgamento do caso em curso. Quem paga uma indenização, só o faz depois de esgotados todos os recursos; quem paga uma multa (no código elementar, o do direito dos consumidores) só o faz depois de provado o sobrepreço ou o abuso comercial cometido. Um único motivo: caso as alegações sejam falsas, como ressarcir depois quem antecipadamente pagou por causa de uma primeira condenação?

E depois ele emenda um discurso político e fecha seu voto: fala-se muito em corrupção, mas o que é essa corrupção falada frente ao desmoronamento das estruturas sociais e econômicas que vivenciamos hoje? Mil Barrosos cairão ao teu lado, dez mil Fux à sua direita.

Depois disso, só um ponto final.

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A questão militar 

Não acredito que o general Villas-Boas ou mesmo o grande general Lessa (que exerceu papel fundamental para não se entregar Alcântara e dar livre curso a tropas americanas na Amazônia durante os governos do príncipe da Sorbonne) sejam da ala entreguista das Forças Armadas. Nada é tão simples num mundo de ponta-cabeça, no hemisfério sul ou norte, no oriente e no ocidente. Tem que se analisar o discursos desses generais com muito cuidado.

Você ver Gilmar Mendes, Marco Aurélio “Collor” de Mello, Celso de Mello ou mesmo o claudicante Toffoli como defensores da legalidade em seu sentido mais radical, é duro para qualquer democrata. Mesmo a possibilidade, num futuro talvez próximo, de Rosa “a literatura me permite” Weber votar contra prisão sem trânsito em julgado, ou seja, não ceder aos apelos de sangue vindos da turba, é algo estarrecedor. Não é o momento para se dizer quem deu a prova de ser verdadeiro num momento onde prevalece as potências do falso, mas também não é o momento de se colocar qualquer um numa fogueira. O entendimento do exército é que não prender Lula é criar mais caos social. É claramente uma visão distorcida e isso vai contra as Forças Armadas como um todo.

São cenas de fraqueza lamentável, porém criar mais inimigos é pura perda de energia. Se tudo estivesse aprumado, a intervenção militar não seria no Rio de Janeiro, mas no Paraná, com a indicação de um governador pelo governo federal, o desmonte do governo para-estatal que ali se baseia, com o devido processo legal para cada um dos responsáveis. Porém isso é impensável num acúmulo infinito de horas que só trazem a mediocridade.

Não tem como pensar na Venezuela e ver como, no sistema de neomacartismo e nova Guerra Fria que vivemos, ali é a Cuba dos tempos atuais. Impossível imaginar um exército aqui exercer um papel como fez o venezuelano em 2002. Queríamos uma Constituinte ainda com Dilma. Lá se fez. A Venezuela, é certo, não é uma Dinamarca. E nem queremos que seja um país como esse, que não contribui com nem um avo para o crescimento internacional, seja com grandes projetos (o caso atual da China) ou ajuda militar ou humanitária (como foi com Cuba). A Venezuela é um campo aberto, um bastião de resistência ou uma besta maldita se vista através da crendice dos ignorantes. Os fracos dão a prova de sua impotência a cada minuto que passa. Atualmente esse país, assim como a Rússia e a China, deveriam servir de lição a nossos militares, em termos de organização, inteligência e patriotismo.

Uma Forças Armadas nanica em termos físicos e morais, não pode enxergar o momento trágico e sublime que vivemos. Vamos esquecer, portanto, todas as forças da mediocridade, as síndromes de classe-média, suas histerias, seus duvidosos Bolsonaros, sua suposta justificação da impunidade por causa do “foro privilegiado”. O povo deve saber qual é o mal que deve ser enquadrado e julgado, para o esclarecimento da lei e para o restabelecimento da paz social.

Por Rogério Mattos: Professor e tradutor da revista Executive Intelligence Review. Formado em História e doutorando em Literatura Comparada. Mantém o site http://www.oabertinho.com.br, onde publica alguns de seus escritos.

 

Redação

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