Vivendo Entre Impérios, por Nadejda Marques

A crise que resulta da desigualdade entre o dentro e o fora do império acaba por “contaminar” suas bases de sustentação e passa a ser reproduzida em seu cerne ruindo suas instituições e estruturas

Magritte

Vivendo Entre Impérios, por Nadejda Marques

Nossa civilização sempre teve um império. Essa é a afirmação da qual mais me recordo da leitura de um livro que lí há alguns anos atrás chamado Among Empires (Entre Impérios) de Charles S. Maier, professor de história da Universidade de Harvard que completou mais um aniversário ontem, dia 23 de fevereiro.

Para nossa época, o império mais evidente seria os Estados Unidos. É certo que o livro dedica várias páginas apresentando argumentos contra e a favor à ideia de que os Estados Unidos são de fato um império. Mas, se não me engano, os argumentos a favor, dentre os quais constam o expansionismo com o massacre dos povos indígenas para a ampliação do território estadunidense, as intervenções militares em vários países, a ocupação de territórios ou mesmo países por extensos períodos de tempo (o Iraque e o Afeganistão para citar alguns exemplos), são bem mais abundantes do que os argumentos contra.

Os impérios se impõe não somente pela força e poder militar. Frequentemente, são capazes de conquistar os corações e as mentes das pessoas, no caso dos Estados Unidos, com seu domínio econômico, sua super-produção e consumismo desenfreado, mas também e principalmente com seu domínio cultural através da música, filmes, arte, moda, arquitetura (aliás, ao longo da história, uma marca registrada dos grandes impérios são os monumentos arquitetônicos extraordinários construídos para exaltar a força e esplendor do império) e o discurso moral, no nosso tempo, em defesa da democracia.

No centro dos impérios existe uma dualidade em termos de benefícios sociais. Enquanto seus cidadãos gozam de mais benefícios, cidadãos de seus territórios e de outras terras ou nações são explorados e não têm sequer os direitos mais básicos respeitados. Enquanto em seu centro parece haver mais tolerância pois, por natureza, são centros mais cosmopolitas (centros que absorvem outras culturas e populações como Nova Iorque, Boston, São Francisco), na sua periferia reina a intolerância ora por medo e ignorância ora por preconceito mesmo.

A crise que resulta da desigualdade entre o dentro e o fora do império acaba por “contaminar” suas bases de sustentação e passa a ser reproduzida em seu cerne ruindo suas instituições e estruturas e contribuindo para a sua queda. Obviamente isso ocorre ao longo de anos, décadas ou mesmo séculos, mas o resultado é sempre o mesmo: o surgimento de um novo império.

Nadejda Marques é escritora e autora de vários livros dentre eles Nevertheless, They Persist: how women survive, resist and engage to succeed in Silicon Valley sobre a história do sexismo e a dinâmica de gênero atual no Vale do Silício e a autobiografia Nasci Subversiva.

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN

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