Sinal amarelo no mercado dos planos de saúde, por Aracy Balbani

Por Aracy Balbani

A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) divulgou novo Caderno da Saúde Suplementar, uma análise periódica do mercado de planos de saúde privados. Como era previsível, os números refletem os reveses recentes da economia.

Em linhas gerais, de 2005 a setembro de 2015 o número de beneficiários de planos de assistência médica cresceu 43%, abrangendo hoje 50 milhões de brasileiros. Os planos coletivos empresariais, oferecidos pelos empregadores, são maioria absoluta (66%), com mais de 33 milhões de beneficiários. A participação dos planos individuais e familiares no mercado se limita a 19%.

A taxa de crescimento do número de beneficiários em relação aos 12 meses anteriores, que chegou ao máximo de 6,39% em 2008, ficou negativa em setembro de 2015. O número de usuários encolheu 0,33% em comparação com setembro de 2014. Possivelmente milhares de beneficiários de planos coletivos empresariais foram excluídos em razão de demissões, e também muitos contratantes de planos individuais não mais conseguiram se manter adimplentes frente ao reajuste das mensalidades. Muita gente que perdeu o emprego com carteira assinada ou apertou o cinto para ajustar o orçamento familiar cancelou o plano privado e voltou para o SUS.

Em 2005 estavam registradas 1.242 operadoras de planos de assistência médico-hospitalar. Uma década depois, atuavam 843 operadoras, enquanto outras 32% quebraram ou foram adquiridas no meio do caminho. Segundo a Agência, 58 operadoras de assistência médico-hospitalar tiveram registro cancelado em 2015. A questão é: como ficaram os milhares de consumidores das operadoras falidas ou submetidas à intervenção administrativa determinada pela ANS? Permanecem assistidos?

A Agência destaca que a maioria dos usuários dos planos é assistida por apenas 18,4% das operadoras: “80% dos beneficiários se concentram em 155 das 841 operadoras com beneficiários no setor. Enquanto a maior operadora do segmento tem cerca de quatro milhões de beneficiários, as 555 menores têm cinco milhões.”

Com a regulamentação da ANS para tentar melhorar o setor (obrigatoriedade de cláusula contratual para reajuste anual dos honorários aos prestadores de serviço, classificação dos prestadores segundo sua qualificação profissional ou certificados de acreditação institucional, p. ex.), é provável que operadoras pequenas ou com problemas de administração não sobrevivam, e os usuários tenham de migrar para as operadoras maiores, acentuando a concentração no mercado.

Dados das receitas e despesas das operadoras merecem atenção do 1/4 da população que usa planos de saúde, e também dos outros ¾ que não os usam, mas são contribuintes que custeiam indiretamente os planos, através da renúncia fiscal que o Governo Federal concede às operadoras e dos gastos do SUS para cobrir as deficiências do serviço prestado por elas – nem sempre ressarcidos aos cofres públicos.

Segundo dados preliminares do terceiro trimestre de 2015, entraram no caixa das operadoras mais de R$ 117 bilhões, sendo R$ 105,9 bilhões das contraprestações (mensalidades) e R$ 11,3 bilhões de “outras receitas operacionais”. Nas “seguradoras especializadas em saúde, [as contraprestações] corresponderam a mais de 99% do total de receitas” no período considerado. Saíram do caixa das companhias R$ 117 bilhões, com o seguinte perfil de despesas e porcentuais aproximados: despesas assistenciais R$ 89,7 bilhões (76,6%), administrativas R$ 12,4 bilhões (10,5%), de comercialização R$ 3,5 bilhões (2,9%) e “outras despesas operacionais” R$ 11,5 bilhões (9,8%).

Regras de transparência da ANS para a publicação dessas cifras seriam úteis, por exemplo, para saber se o patrocínio milionário a clubes de futebol e eventos costuma ser contabilizado pelas operadoras como despesa publicitária (de comercialização?) ou “outras despesas operacionais”.

Existem várias operadoras de autogestão e filantrópicas (como as das Santas Casas), sem fins lucrativos, o que pode dar a falsa impressão de que o lucro geral do setor seria inexpressivo. Mas, de acordo com a Associação Nacional de Hospitais Privados, em 2013 “o lucro líquido das companhias chegou a R$ 1,7 bilhão no primeiro semestre, ou 3,5% sobre o faturamento de R$ 50,1 bilhões.”

Apesar dessa lucratividade, muitos médicos estão abandonando o atendimento a alguns planos privados, por insatisfação com a enorme defasagem dos valores de consultas e cirurgias pagos por certas operadoras. Passaram a atender apenas clientes particulares e dos planos de saúde que oferecem melhor remuneração e menor burocracia.

O cenário da saúde suplementar está nebuloso. Vários aspectos compõem o quadro:

1. A competitividade no setor. A ANS tem exigido melhoria na qualidade, tanto das relações contratuais entre as operadoras e os prestadores de serviços quanto do atendimento aos beneficiários.

Ficam em xeque operadoras com fins lucrativos que fizeram venda maciça de planos com mensalidades a preços populares ou dependentes de coparticipação (pagamento, pelo usuário, de parte do valor da consulta ou exame na hora do atendimento). A fiscalização e as multas da ANS pelo descumprimento das regras são as menores das dores de cabeça para essas companhias. O aumento da inadimplência dos consumidores, das demissões nas empresas e das ações judiciais movidas por usuários é que são o nó para as operadoras. Só as que tiverem gestão profissional sobreviverão à turbulência atual.

Na sinuca de bico também ficam as operadoras que nadam de braçada em regiões onde hoje não têm concorrência. A abertura do nosso setor de saúde ao capital estrangeiro desperta interesse de investidores externos para disputar dezenas de milhões de consumidores dos planos de saúde. Acabará o conforto de operadoras de capital nacional.

2. A relação do setor privado com o SUS. Se o SUS ganhar fôlego por aumento do financiamento e for eficiente aos níveis estadual e municipal, por que pagar mensalidade de plano de saúde? Conflitos de interesse dos gestores do SUS que são ligados a operadoras, clínicas e hospitais privados ficarão mais evidentes.

3. O rumo das profissões de saúde. Sempre há inúmeros candidatos dispostos a aceitar qualquer remuneração ou condição de trabalho para ocuparem o lugar de cada profissional mais experiente que se desliga de uma operadora. Quem fiscaliza de forma adequada a qualificação e a atuação cotidiana desses profissionais?

4. A percepção da população. Não se sabe qual impacto a propaganda das operadoras e a informação sobre a saúde privada, veiculada nos meios de comunicação e na Internet, terão na consciência cidadã do consumidor.

Descontentes com o atendimento ambulatorial massificado (”por produção”), muitos brasileiros têm desistido dos planos privados. Passaram a usar o SUS para consultas de rotina, internações e cirurgias e a pouparem dinheiro para pagar consultas com especialistas e exames em caráter particular.

O ano de 2016 abre uma perspectiva de diálogo entre os que oferecem, os que regulam e os que consomem serviços da saúde suplementar. A sociedade não pode desperdiçar essa oportunidade para arrumar o setor.

Aracy P. S. Balbani.

 

Redação

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  1. Perigos e homenagens

    Esses dias, lendo sobre a crise dos Diários Associados, uma coisa me assustou. O grupo que adquiriu boa parte das concessões é proprietário do plano de saúde Hapvida. Essa empresa cresceu muito como um plano de saúde popular, crescendo basicamente na nova classe média. Com uma combinação de incorporar toda cadeia (ambulatorial e hospitalar) e preços reduzidos, além de acessibilidade para quem era recusado ou deixava as operadoras tradicionais, esse grupo cresceu. Agora com tentáculos na mídia, o que esse grupo vai fazer? Articular essa estrutura com seu negócio principal, bem como influenciando nacionalmente também através das emissoras que retransmitem. Essa propriedade cruzada é perigosa e pode ser instrumento de pressões para que os interesses do grupo sejam atendidos.

    Na Bahia, um dos principais planos de saúde é o Planserv, vinculado ao funcionalismo público. Eu era usuário desse plano até alguns anos e minha mãe continua nele. Apesar de ter implantado a coparticipação, os serviços continuam bastante limitados. Para se marcar uma consulta de rotina muitas vezes precisa fazer no começo do mês, diante uma reduzida cota. Mas para procedimentos emergenciais, o plano tem funcionado muito bem. E a rede credenciada é razoavelmente boa.

    Sou associado da CASSI do Banco do Brasil e as pessoas percebem uma situação qualitativa diferente. O serviço é mais humanizado e eficiente. O atendimento é rápido e a marcação de consultas é rápida. Eles possuem também o Cassi Família, que possibilita que parentes possam entrar no plano pagando mensalidades abaixo do mercado. É um serviço diferenciado mesmo. Minha cunhada trabalhava em uma grande empresa e teve que se mudar ao casar com meu irmão e aderiu ao plano e ela está gostando muito do serviço oferecido, usando consultas e serviço de ambulatório. Ela entrou em um novo emprego, mas preferiu a Cassi, diante da qualidade e da dimensão nacional. Meu tio, irmão de minha mãe. estava desamparado, sofrendo de problemas de fígado, esôfago e diabetes. Ele tinha passado pelo dissabor de ver sua esposa e filha assassinadas e o culpado ficar impune e isso piorou a situação de saúde dele. Mas mesmo assim a Cassi aceitou ele quando nenhum plano aceitaria acolher ele. Ele passou por procedimentos, como internação, câmara hiperbárica, durante mais de três anos. Há algumas semanas, ele infelizmente faleceu. Mas muito obrigado pela atenção e carinho que a Cassi acolheu ele. E minha homenagem especial a Tio João que poderia ter enveredado pelo caminho do justiceirismo, mas manteve-se um homem de paz e de bem até o fim.

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